A Herma de Garcia

Meu primeiro contato com Ferrucci Perrotti foi quando visitei a sede da Associação Médica do Paraná, no final dos anos 90. Ali reinava

Busto em bronze de Antonio Garcia

absoluta a figura do “Pai da Medicina”, o grego Hipócrates, através de um imponente busto localizado na entrada da entidade, de autoria do escultor italiano radicado em São Paulo. Fiquei deslumbrado com a obra e mantive contato com ele para elaborar um busto para a nossa Somese.    
     À época não tínhamos um nome para homenagear através de um busto. Na verdade, tínhamos, mas faltava a unanimidade ou pelo menos a concórdia. Ficamos divididos entre Augusto Leite e Machado de Souza. Na dúvida, para não desagradar os mais apaixonados, optamos por encomendar o busto de Hipócrates. Mesmo assim, quando o colocamos nos jardins da Somese, tão bem criados e adubados pelo colega William Soares, não faltou quem criticasse a iniciativa. “Homenagear um médico de fora, quem já viu?” Realmente impossível agradar a todos!
     Passados alguns anos, na gestão de Henrique Batista à frente da Somese, com os ânimos mais apurados, foi a vez do busto de Dr. Augusto Leite ser entronizado na sede da Somese, numa homenagem muito justa. O autor, Ferruccio Perrotti, novamente.
     Perrotti nasceu na Itália, em Chieti e desde a infância relaciona-se com a arte, inspirado por seu tio e conceituado artista plástico Enzo Cieri. Numa combinação de arte e técnica, associou sua natural vocação artística com a formação acadêmica em engenharia civil, resultando monumentos e fontes. Vive em seu sítio/ateliê localizado em São Roque. Entre suas obras, mais de duas centenas, entre monumentos, fontes, murais, encontramos sua arte espalhada por várias cidades de São Paulo.
     Em 2010, com a aproximação da chegada do jubileu de ouro da nossa primeira escola médica, uma comissão foi instalada para preparar a programação comemorativa dos cinquenta anos de fundação da Faculdade de Medicina de Sergipe. Entre as ideias surgidas, uma homenagem especial a Antonio Garcia, o fundador da faculdade, em 1961. Somente agora, três anos após, a iniciativa tornou-se real com a entronização de seu busto em bronze nos jardins do Campus da Saúde da UFS em Aracaju, onde funciona o Hospital Universitário, em solenidade que vai ocorrer nesta terça-feira, 14 de maio, às 10 horas. Mais uma vez convocamos Ferrucci Perrotti, dessa vez por encomenda da Academia Sergipana de Medicina, para realização da obra. Para viabilizar o projeto, a Academia contou  com o apoio cultural do Banese.
      A homenagem a Garcia é oportuna e muita justa. A Faculdade de Medicina foi fundada, depois de uma longa luta empreendida por um grupo de abnegados médicos, sendo que o presidente da SOMESE de então, Antonio Garcia Filho, pela sua dedicação e extenuado esforço, destacou-se como a mais importante figura na criação da Faculdade, nas palavras de Henrique Batista, professor, médico, historiador e atual secretário geral do Conselho Federal de Medicina.
     A Faculdade de Medicina de Sergipe, na sua criação, teve duas fases. A primeira, a fase do despertar, de sensibilização, de intencionalidade, surge a partir de 1953 com a idéia visionária de Garcia Moreno, provocando as primeiras discussões sobre o tema. Ao lado de Benjamim Carvalho e Augusto Leite, funda a Sociedade Civil Faculdade de Medicina, precisamente em 12 de junho de 1953, como entidade mantenedora da futura escola. Governava o estado o Sr. Arnaldo Rollemberg Garcez e o Chefe do Departamento de Saúde, era o médico Walter Cardoso.
       O que poderia ser o início da educação médica em Sergipe naquela oportunidade, de fato não se concretizou. Problemas de natureza política e operacional, falta de coesão e determinação para enfrentar os grandes obstáculos, determinaram o esfriamento da decisão e somente em 1961, aconteceu a fundação da Faculdade, com a realização do primeiro concurso vestibular, entrando o processo na sua segunda fase, a da concretização.    
        Para isso, foi fundamental a decisão do governador Luiz Garcia em determinar a criação da Faculdade de Medicina, curso que faltava para a viabilização da nossa Universidade. Nesse contexto, o nome de Antonio Garcia, foi de longe, o mais importante para a realização desse acalentado sonho, pela fibra, determinação em superar obstáculos e pelo apoio político irrestrito recebido do governador.
          Na década de 50, somente quatro municípios possuíam médicos residentes. Existia um médico para cada 8.000 habitantes. Aracaju contava com aproximadamente sessenta médicos. Por outro lado, em todo o Estado começava a se espalhar escolas de ensino primário e cursos de ensino secundário. Abriam-se ginásios e Escolas Normais. Vieram o ITPS e a Escola Superior de Química e em seguida a Faculdade de Ciências Econômicas, a Católica de Filosofia, a Faculdade de Direito. Na área de saúde, haviam o Hospital de Cirurgia e o Hospital Santa Isabel e alguns no interior do Estado e  a Fundação Manoel Cruz, que  empreendia ações destinadas a deficientes físicos.
          Em 1961, com Benjamim Carvalho à frente da Sociedade Civil e Antonio Garcia como Secretário de Educação, Cultura e Saúde, o processo retoma com toda a força. Organizam-se os primeiros currículos e levantam-se toda a documentação exigida pelo Conselho Federal de Educação. Paralelamente, o governador Luiz Garcia envia à Assembléia Legislativa projeto orçamentário com substanciosa subvenção que garantiria o funcionamento dos primeiros anos da faculdade e oficializa o  Termo de Escritura Pública do antigo prédio da Escola Normal Rui Barbosa, doado anteriormente  pelo governo de Arnaldo Garcez, no valor de 20 milhões de cruzeiros para o patrimônio da Faculdade.
         O Hospital de Cirurgia, o Santa Isabel e o IPH fornecem documentos, pondo suas dependências e material à disposição da Escola. O governador faz construir um pavilhão com seis  salas, na área do IPH, para o funcionamento provisório da Faculdade enquanto se tratava da adaptação do edifício doado e que seriam utilizados para as aulas das disciplinas básicas.
         Recorda Antonio Garcia: “…É lógico que as dificuldades iniciais tinham que ser muito grandes. A morosidade de alguns nos preparos de seus currículos, as exigências burocráticas por parte do Ministério da Educação, a ausência total de instalações adequadas, tudo isso era o desafio do meio. Mas com o apoio irrestrito de Luiz, as coisas davam um novo impulso. Quando o processo emperrava no Ministério, eu levava o governador comigo para resolver os problemas e isso normalmente funcionava”. “… Sofri algumas injustiças e teria desistido da função não fora o ideal e o apelo que recebia dos vestibulandos, dos operários – através de seus sindicatos de classe e do povo em geral. A própria criação da secretaria de Educação, Cultura e Saúde, previamente oferecida a mim, sofreu adiamentos inexplicáveis na aprovação do Projeto de Lei que a criava, como que forças ocultas se arregimentassem contra a Faculdade, apesar dos entrechoques provincianos que as afastavam.
          O Decreto Presidencial de criação da Faculdade de Medicina de Sergipe foi de janeiro de 1961 e já em fevereiro ocorria o primeiro concurso vestibular, com a aula inaugural acontecendo em março do mesmo ano, oportunidade em que Antonio Garcia emocionado, proclama: “Sergipanos, eis a vossa Faculdade de Medicina”!
         A entronização do Busto de Garcia é, pois, uma homenagem justa ao ilustre médico e professor e encerra com chave de ouro as comemorações do Jubileu da Faculdade. Estão de parabéns a Universidade Federal de Sergipe e a Academia Sergipana de Medicina, pela meritória ação.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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