A hora do desapego

Abri a porta do guarda-roupa disposta a excluir tudo o que, supostamente, não me servia mais. Dessa vez eu não iria me prender a sentimentalismos nem a falsas esperanças como a de voltar a vestir aquelas peças que, há tanto, já não me cabem. Seria objetiva, impiedosa. E, orgulhosa das minhas resoluções, dei início as atividades.

Consegui separar uma boa pilha, sem destinar àquelas peças excluídas a piedade de um último olhar. Mas eu estava, na verdade, evitando cair em tentação. Eu sabia que, num segundo exame, todas aquelas roupas me pareceriam estritamente necessárias e passariam outra boa temporada abarrotando minhas gavetas e só.

Consultores de estilo sempre nos aconselham a tirar do guarda-roupa aquilo que já não vestimos mais. E vão mais longe: se profissionalizam, nos ensinam técnicas e dão palestras para nos ajudar nessa árdua tarefa. Uns dizem que para cada peça que você compra, outra deve ser tirada do armário. Outros afirmam que um guarda-roupa lotado torna o ato de vestir muito mais complicado e estressante, principalmente, naqueles dias de pressa. A consequência, dizem, é que acabamos escolhendo o que está à mão e ficamos presos num círculo vicioso e pouco criativo.

É preciso admitir que são conselhos sensatos e que, certamente, nos ajudam a ter um guarda-roupa mais prático e funcional. Mas acontece que nem tudo na vida tem que ser prático. E eu detestei me descobrir tratando dessas questões de uma forma tão cartesiana e objetiva.

Começo o ano com o desgosto de ter me dado conta que não guardei a blusa do meu primeiro encontro com ele anos atrás. Era uma dessas peças quase únicas e improváveis que eu tirei do guarda-roupa da minha mãe e nunca mais devolvi. Devo ter colocado na pilha dos excluídos em outros tempos, sem também destinar a ela a graça de um segundo olhar. Hoje, isso me faz doer o coração porque eu sou do tipo que gosta de recordar. Gosto da surpresa de encontrar determinada peça e lembrar o que se passou comigo noutros tempos.

Diante disso, é de se esperar que eu tenha recolhido toda a pilha separada e colocado cada uma das peças de volta no armário. Mas, não, eu não coloquei. Prefiro me fazer acreditar que há outras maneiras de poder recordar e que o palpável nem sempre se faz necessário.

Além do mais, é claro que nem tudo foi embora.  Algumas peças continuaram comigo por causa de todas essas questões emocionais. Já outras, por exemplo, só mudaram de prateleira passando para as de minha irmã que via muito mais sentido nelas. E acho que aqui está o grande lance dessas faxinas: tirar do armário e passar adiante aquilo que não faz mais sentido para a gente. Às vezes a gente "erra" no julgamento e, por excesso de objetividade, acaba se desfazendo também do que é importante. Mas é um risco que talvez seja importante correr de vez em quando.

O exercício de limpar o guarda-roupa também me fez reavaliar meus hábitos de consumo. Para este ano, quero compras menos descartáveis. Quero, na medida do possível, um vestuário menos efêmero, algo como o "slow fashion". Creio que assim meu guarda-roupa continuará fazendo sentindo para mim por muito mais tempo. Isso, claro, sem levar em consideração todas as outras questões. Mas aí, já é outra conversa, para uma próxima semana, quem sabe.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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