A segunda metade do século XIX no Brasil foi marcada pela ebulição intelectual, em sintonia com a revolução que as teorias científicas provocaram, reformando o conhecimento antigo, dominante no mundo. A filosofia, livre de qualquer amarra teológica, gerou sistemas que foram expostos, debatidos apaixonadamente e superados por outras correntes num suceder frenético que entusiasmava os jovens nos jornais, nas revistas, nos corredores das faculdades, nos saraus e récitas, nas ruas enfim, onde parecia formar-se, timidamente, uma opinião pública que referendava a reflexão nova. O Recife foi um centro metropolitano, do Brasil do norte, tendo na sua Faculdade de Direito uma sede de intensos e radicais debates e era auxiliada pela boca de cena do Teatro Santa Isabel, pelas reuniões das lojas maçônicas, franqueadas aos não maçons, o que geraria uma forte reação da Igreja Católica, na pessoa do capuchinho Dom Vital, bispo do Recife, líder e vítima da chamada questão religiosa, e, também, pelas sociedades, inicialmente secretas, depois abertas, defensoras da abolição da escravatura, e, ainda, pelos clubes de propaganda republicana. Havia, portanto, um ambiente de euforia e de participação, lastreado por aquilo que Silvio Romero qualificou como “um bando de idéias novas”, que sacudiu Pernambuco e revelou ao Brasil figuras singulares, como aquelas do grupo sergipano – Tobias Barreto, Fausto Cardoso, Gumercindo Bessa, Martinho Garcez, Justiniano de Melo e Silva, e o próprio Silvio Romero -, responsáveis pelos fundamentos da cultura brasileira, em campos diversos de uma contribuição excepcional, que inclui os nomes de João Ribeiro, Bitencourt Sampaio, Manoel Bonfim, Felisbelo Freire, Laudelino Freire, Jackson de Figueiredo, dentre outros. O Positivismo parece ter patrocinado o maior debate e conduzia uma certa ideologia do progresso, que marcou a vida provincial brasileira, através de ações e práticas que ultrapassariam, no tempo, a monarquia e se incorporava ao acervo ideológico da República. As Exposições e Feiras de produtos provinciais e nacionais, tanto no País, quanto no exterior, eram expressões eloqüentes do progresso buscado pelos brasileiros de todos os quadrantes. Jornais e revistas destinados a propaganda dessa ideologia do progresso surgiam constantemente no Recife, e nas cidades do nordeste e do norte, todas elas engajadas na construção dos novos tempos. O Positivismo trouxe ao uso comum, por exemplo, o Sistema Métrico Decimal, um dos maiores avanços técnicos, políticos e sociais do velho mundo, validado em vários países. Na França, há mais de 200 anos, o Sistema Métrico Decimal formava ao lado da tríade ideológica da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, valores que as civilizações abraçaram, como compromisso de luta permanente, como valores éticos essenciais aos Governos democráticos, representativos, dentro dos Estados nacionais. Nem tudo deu certo imediatamente. Fortes reações, como a do “Quebra Quilos”, liderada ou apoiada pelo padre Ibiapina, na Paraíba, que inutilizou e queimou pesos e medidas, repercutiram, impedindo a universalização do uso do Sistema Métrico Decimal. Um número muito grande de medidas, de peso, de volume, de comprimento e área, do antigo regime, continua válido entre os brasileiros do Nordeste. Sergipe, que aspira utilizar-se das mais novas tecnologias, formalizando um Parque Tecnológico inserido na política de desenvolvimento, ainda convive com velhíssimas medidas como fósseis do passado econômico e social. Não são apenas as medidas de cozinha, por exemplo, que também são medidas de remédio, como Colher de Chá, Colher de Sobremesa, Colher de Sopa, Pitada (de sal ou de açúcar), Gota, mas muitas outras, como a Tarefa, medida brasileiríssima, nascida talvez na Bahia, para representar certa área de terra, de 4.356 metros quadrados. São comuns em Sergipe as Pencas, e as Palmas, para as bananas, as Dúzias, para os ovos, as Glosas, para certos manufaturados, as Quartas, para a farinha, a Lata, para algumas frutas miúdas, o Cento, para as laranjas, o Atilho, (chamado pelo povo de Atio) a Mão, para o milho verde, o Molho ( que o povo chama Moio) para a cebolinha, a alface, a couve, o coentro, a salsa, as hortelãs, e outras verduras. Em Sergipe também é comum a distinção entre gente e bicho, pela utilização da velhíssima Mão-Travessa, medida ao que parece inglesa, adotada na Espanha e em Portugal, trazida ao Brasil na colonização. Trata-se de uma medida de comprimento, usada especialmente na medição da altura dos cavalos. A Mão-Travessa é igual a 4 polegadas, que é igual a 10 centímetros. A altura dos póneis tinha relação com a idade das crianças, daí o uso popular da mão espalmada, horizontalmente, para tratar de gente, e a mão no sentido da sua verticalidade – a Mão-Travessa -, quando a referência é animais. A ideologia do progresso não pode ser, então, apenas um propósito, uma intenção, é preciso compatibilizá-la com a realidade, principalmente num País e mais especificamente numa região que conserva usos antigos como práticas de vida e nas relações comerciais. O largo exemplo dos pesos e das medidas demonstra, objetivamente, que há um distanciamento entre os avanços que as ciências e a tecnologia disponibilizou para a sociedade, e todo o conjunto de heranças, acumulado por diversas gerações, como um patrimônio da cultura antiga, guardado no uso público, como se o povo continuasse a ser depositário fiel dos acervos e repertórios transplantados nos séculos de colonização e domínio. As pesquisas científicas continuam seu rumo, os sistemas filosóficos avançam na compreensão da vida e da história humana, mas as sociedades não mudam na mesma velocidade do conhecimento. Nem as escolas, que deveriam representar a vanguarda do processo cultural, operam as transformações atualizadoras. O descompasso tem um custo, monetário e político, e não pode, sob nenhuma hipótese, ser ignorado. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.