A imunidade parlamentar dos deputados estaduais

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal concluiu julgamento no qual negou a concessão de medida liminar em três ações diretas de inconstitucionalidade propostas em face de normas das Constituições dos Estados do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Mato Grosso que asseguram aos seus deputados estaduais prerrogativas que a Constituição Federal assegura para os deputados federais e senadores.

O tema ganhou destaque e repercussão porque, ao assim decidir, o STF reafirmou o que dispõe a Constituição da República acerca das imunidades parlamentares e sua extensão aos deputados estaduais.

É uma excelente oportunidade para abordarmos, aqui, o tema das imunidades parlamentares, especialmente a imunidade parlamentar à prisão.

Não é possível dissociar a análise do tema da imunidade parlamentar do princípio constitucional da separação e independência dos poderes. Enquanto os demais poderes possuem garantias institucionais que possibilitam aos seus membros o fiel desempenho de suas atribuições, sem interferências indevidas [Os juízes, por exemplo, possuem, nos termos da Constituição, as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios; o Presidente da República possui a garantia de não ser preso, salvo após sentença condenatória definitiva, bem como a de somente poder ser processado mediante prévia licença da Câmara dos Deputados, por 2/3 dos votos, bem ainda de não poder, na vigência do mandato, ser processado por atos estranhos ao exercício de suas funções], o poder legislativo é aquinhoado com a proteção dos seus membros, eleitos pelo povo para mandatos de representação política, contra eventuais ações dos membros dos demais poderes – ou ainda de particulares – que lhes possam prejudicar ou impedir o bom, livre e desembaraçado exercício das atribuições parlamentares.

Como o parlamento, no arcabouço da doutrina liberal-iluminista, é o órgão representativo da vontade geral da nação, responsável pela definição das normas jurídicas impessoais e gerais a regular a vida social, bem como principal fórum de discussão política dos destinos do Estado, além de fiscalizador dos atos do poder executivo, necessita possuir a independência apta para não se tornar um mero instrumento da vontade do governante.  A imunidade parlamentar caminha nessa direção, ao assegurar ao parlamentar, representante do povo e da nação, segurança e tranquilidade para o cumprimento do seu dever.

Pois bem, a imunidade parlamentar se divide em imunidade parlamentar material e imunidade parlamentar formal. A imunidade parlamentar material é a inviolabilidade civil e penal por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (Art. 53, caput da CF), sendo que o STF já assentou o entendimento de que somente estão abrangidas as palavras e opiniões que tenham conexão com o exercício da função parlamentar, ainda que proferidas fora do parlamento.

Já a imunidade parlamentar formal se divide em imunidade formal ao processo e imunidade formal à prisão.

Após a emenda constitucional nº 35/2001, a imunidade parlamentar formal ao processo consiste apenas na possibilidade de sustação do processo criminal instaurado em face do parlamentar por crime ocorrido após a diplomação, mediante requerimento que somente pode ser formulado por partido político com representação na Casa Legislativa e a decisão de sustar o andamento da ação penal seja tomada por maioria absoluta (Art. 53, § 3º da CF).

E a imunidade parlamentar formal à prisão consiste na prerrogativa dos deputados e senadores, desde a expedição do diploma, não poderem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável e, nesse caso, os autos da prisão em flagrante devem ser remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão (Art. 53, § 2º).

Todas as imunidades parlamentares que a Constituição Federal estatui para os membros do Congresso Nacional são estendidas expressamente para os deputados estaduais, conforme determinação do § 1º do Art. 27:

 

“[…]

1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.” (grifou-se).

 

 

Assim, mesmo que a Constituição do Estado não preveja, as imunidades parlamentares material e formal (ao processo e à prisão) aplicam-se aos deputados estaduais por direta garantia da Constituição Federal (já para vereadores, a Constituição somente assegura a imunidade material, nos termos do inciso VIII do Art. 29).

Logo, a decisão do STF não deveria ter causado estranheza ou espécie, muito menos ser noticiada como se se tratasse de vontade do STF, pois mera reprodução, em interpretação literal e sistemática, da Constituição Federal, que é o seu papel.

Parte enorme da responsabilidade pela descrença no STF com essa decisão, como se se tratasse de acobertamento de impunidade criminal pela Suprema Corte, é do próprio STF, ao adotar, já de há algum tempo, um ativismo judicial voluntarista que, em aplicação muito heterodoxa da Constituição, tem superado regras básicas de devido processo legal em nome do moralismo.

Cite-se, por exemplo, a difícil e estranha construção por meio da qual o STF determinou a prisão em flagrante (como se ordena judicialmente uma prisão em flagrante?!) do Senador Delcídio Amaral, em novembro de 2015.

Mas aí já é tema para abordagem em outro texto …

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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