5 Inconstitucional suspensão da aplicabilidade de normas estaduais indeterminadas
O Decreto Presidencial nº 9.288/2018 estabelece ainda que "O Interventor fica subordinado ao Presidente da República e não está sujeito às normas estaduais que conflitarem comas medidas necessárias à execução da intervenção".
Noutras palavras: pretende o decreto suspender a aplicabilidade de normas estaduais vigentes e eficazes, não declaradas inválidas ou inconstitucionais, não determinadas previamente, mas genericamente indicadas, que "conflitem" com as medidas necessárias à execução da intervenção, medidas que também não foram anunciadas.
A inconstitucionalidade é evidente: nem mesmo sob intervenção válida normas estaduais deixam de ser aplicáveis (a não ser que a causa da intervenção seja a suspensão dessas normas estaduais, o que não é o caso). Na intervenção, como bem esclarece o Professor José Afonso da Silva, ocorre a suspensão excepcional e temporária da autonomia do ente federativo, que passa a ter os seus negócios geridos pelo ente interventor. Ou seja: o ente interventor vai gerir os negócios do ente sob intervenção, dentro do arcabouço constitucional da divisão orgânica das funções estatais. Não há substituição do ordenamento jurídico do ente sob intervenção pelo ordenamento jurídico do ente interventor. Ao gerir os negócios do ente sob intervenção, o ente interventor está vinculado ao ordenamento jurídico como um todo, de acordo com a repartição constitucional de competências, devendo então observar as normas constitucionais e as normas estaduais e mesmo municipais, válidas e elaboradas de acordo com as suas delimitadas competências.
Portanto, inconstitucional a mais não poder nesse ponto também o decreto, ao querer dar prévia carta branca ao interventor em não observar normas estaduais válidas que, a juízo do interventor, “conflitem com os objetivos da execução da intervenção”, como se ao interventor e à intervenção fossem atribuídos poderes de declaração de inaplicabilidade, inconstitucionalidade, invalidade ou ineficácia de normas!
6 Ausência de especificação, no decreto, das condições de execução da intervenção
A Constituição Federal exige que decreto de intervenção especifique a amplitude, o prazo e as condições de execução da intervenção, bem como nomeação do interventor, se for o caso (Art. 36, § 1º).
O Decreto Presidencial nº 9.288/2018 delimita a amplitude (setor da segurança pública), estabelece o prazo (até 31/12/2018), nomeia interventor (General de Exército Walter Souza Braga Netto), mas não dispõe sobre as condições de execução da intervenção.
Afinal, dispor sobre isso é estabelecer, ao menos, as diretrizes das ações a ser planejadas e executadas com vistas ao alcance do objetivo. No caso, seria indicar, ainda que genericamente, quais medidas serão adotadas para “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública” no Rio de Janeiro.
E o que diz o Decreto sobre isso?
Nada!
A União, ao assumir a gestão da segurança pública do Rio de Janeiro para “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”, simplesmente não sabe minimamente o que pretende fazer para alcançar esse resultado.
Não sabe ou não diz – como deveria dizer – no decreto, o que impede o controle efetivo pelo Congresso Nacional, até mesmo da adequação, para fins de seu controle político de conveniência e oportunidade.
Conclusões
Poucos atos governamentais são tão escancaradamente inconstitucionais como o Decreto Presidencial nº 9.288/2018.
A despeito disso, não se tem notícia de sequer haver questionamento adequado, que bem poderia ser efetuado mediante a propositura, no Supremo Tribunal Federal, de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Estratégia de atuação? Falta de confiança no Supremo Tribunal Federal, a despeito das múltiplas e afrontosas inconstitucionalidades?
Não é possível cravar.
O fato é que, mais uma vez, parte grande da sociedade, anestesiada com o discurso demagógico (e vazio de medidas efetivas) de combate à violência e garantia da segurança pública, aceita passivamente as inconstitucionalidades, na esperança de que, dessa vez, tenha êxito mais uma atabalhoada medida que, em tese, possa lhe garantir segurança.
Tudo isso sem se dar conta do perigo que representa essa intervenção – de natureza militar – às conquistas democráticas sequer consolidadas entre nós.