A lacuna, entre o fazer e o ser: a realidade e a fantasia

Recentemente assisti a uma palestra de um gestor de uma empresa extensamente premiada; logo de início percebi uma longa distância entre a “realidade dita[1]” e a “realidade real”, ou seja, aquilo que é o que verdadeiramente acontece na organização.

 

A pergunta a seguir faz sentido: “Ele estava mentindo? Não, não estava, penso que ele estava acreditando naquilo que parece ser verdade, pelo menos para ele”. Eu chamo isso “síndrome do gestor adormecido[2]”.

 

Lembro de um fato em um seminário internacional que participei há alguns anos atrás, no qual o gestor de uma empresa multinacional estava apresentando para nós um “case” de transformação cultural. A empresa que passava por um processo de transformação cultural nos USA e na sua conclusão o que apresentou, através de um gráfico, seria que quando o processo atingisse 50% da força de trabalho a cultura organizacional se transformaria completamente. E o resultado dessa transformação seria avassalador[3]. Olhei para ele e perguntei: “Quantos empregados?” “Cerca de 20.000”, ele respondeu. Voltei a perguntar: “Você acredita que será assim?” Ele me respondeu: “Claro, já distribuimos milhares de documentos: um manual da ética e dos valores, um manual de benefícios e um manual com todos os processos da organização e etc. Todos possuem em sua mesa de trabalho todo o material que necessitam saber. É só lerem.”

 

Ai percebi que ele estava falando de uma “transformação virtual[4]”. Foi o que senti também do gestor que citei acima, até porque embora sua empresa possa ser realmente perfeita, todavia, ele foi o único que estourou todos os tempos e quebrou todas as regras do evento. É um comportamento estranho para quem trabalha numa empresa na qual os valores são seguidos à risca. E, como acredito muito que o “costume de casa vai à praça[5]”, comecei a pensar que  a transformação da sua empresa poderá estar seguindo o mesmo padrão.

 

Na realidade existe uma grande lacuna entre o fazer e o ser. Portanto, o que chama atenção, ou seja, o que é visível (o efeito) geralmente oculta a importância daquilo que é invisível; ou seja, a causa. Por esse motivo, muitos executivos que são obcecados por resultados perdem a noção de que a infraestrutura e os processos são condições essenciais para se chegar aos resultados; todavia não são as únicas respostas. Para muitos deles, ao se organizar por processos e definir uma sólida estrutura organizacional com o apoio do O & M, todas as soluções serão encontradas com facilidade.

 

Infelizmente, a maioria esquece que, para se conseguir resultados efetivos, é necessário que – todos – se comportem de maneira que venham a entender que esses resultados serão benéficos para todos e, para isso acontecer, é preciso, antes de tudo, que cada gestor e demais colaboradores comecem por se sentirem capazes de desenvolver o atitudinal proativo desejado pela organização.

 

O que muitas vezes aparenta ser claro e comum para um se torna um pesadelo e inteligível para muitos outros. Logo a pergunta essencial é: “O que está sendo feito na organização para que todos entendam essa questão, do mais alto escalão aos colaboradores mais simples?”.

 

Isso acontece porque para se atingir um determinado patamar – do amanhã – precisamos estar hoje pensando fortemente naquilo em que desejamos, como desejamos e o que precisamos fazer para que isso aconteça.

 

Na verdade a gestão por processos nasce num manancial de que é preciso se preocupar bastante com as pessoas para que os processos possam ser eficazmente atingidos. Significa que é preciso traduzir com clareza e na linguagem organizacional o significado dos objetivos desejados para que todos possam se sentir envolvidos, incluídos e compreendam a magnitude do processo.

 

Na maioria das vezes os gestores acreditam que as pessoas podem agir como “pacotes programados” e que ao receberem um conjunto de regras, processos e procedimentos irão entender tudo e passarão a agir como se tudo aquilo fosse a sua realidade mais comum e já fizesse parte da sua rotina de trabalho. Volto a lembrar o exemplo do executivo que comecei a citar no início do artigo.

 

Infelizmente isso não é verdade. O exemplo claro de que isso não acontece está no resumo do início do texto do diálogo com a executiva. Para se completar um processo de aprendizagem é necessário de passar da informação (entendimento) para a ação (atitude), refletir sobre as conseqüências da ação e descobrir os desvios presentes entre o que foi planejado e o que foi produzido.

 

Em outras palavras, embora os processos, procedimentos e O&M sejam a base de tudo, eles não podem ser vistos como a solução para tudo, porque, antes de qualquer coisa, é preciso fazer com que na organização o aprendizado seja um processo contínuo, é preciso se aprender a trabalhar com indicadores claros e transparentes, os quais por sua vez servirão como apoio e darão o norte que todos (departamentos, setores, seções) precisam para saber se estão caminhando rumo à direção certa.

 

Por outro lado, é preciso que todos aprendam a não só dar continuidade aos processos, como também a analisar a conseqüências[6] do que estará acontecendo e procurar alinhar logo no início as mudanças de rotas consideradas estrategicamente necessárias. Assim procedendo, os ajustes serão mais fáceis e os prejuízos e desgastes, porventura decorrentes, poderão também ser muito menores.

 

Portanto, pode-se afirmar que conhecimento é a capacidade de se agir efetivamente para produzir os resultados desejados; ao passo que aprendizado é – justamente – o processo de se incorporar os novos conhecimentos; ou seja, um ciclo de transformação vivo, contínuo e atuante. Como conseqüência disto, o saber tradicional não tem estimulado à criatividade porque, via de regra, é um processo fechado; apresentado, na maioria das vezes, como descrições exatas de processos e procedimentos que poderiam ser melhorados quando as pessoas que os utilizam e os aplicam no seu dia a dia, ou seja, quando começam a pensar e a organizar a qualidade do seu pensamento.

 

Logo para que seja possível transformar o “saber que” em “saber como” é fundamental que o gestor e os seus colaboradores trabalhem em equipe. Para isso acontecer, é necessário que consigam traduzir de maneira clara e objetiva o conteúdo dos textos sobre processos e procedimentos que estão escritos em linguagem técnica, de maneira que todos sem exceção saibam ler, entender e enxergar o que está lhes sendo apresentado e, dessa maneira, possam efetivamente transformar tudo isso em conhecimento.

 

Só com esse atitudinal é que, efetivamente, valerá a pena todo o investimento da organização e o linguajar de todos poderá ser comum e em busca de um objetivo único. Só sentindo que esse trabalho irá permitir que cada um consiga atingir o seu próprio futuro desejado é que os processos e procedimentos se tornarão leis vivas, atuantes e renováveis. Sem esse entendimento, mais breve do que se espera, irá se tornar um monte de papéis, regras, normas e serviços que precisam ser rigorosamente fiscalizados e auditados para que venham a ser efetivamente cumpridos.

 

Finalmente, mais do que nunca o papel dos gestores é tornar claro e inserir na aspiração individual de cada colaborador a necessidade e a importância da gestão por processos; do quanto os indicadores irão lhes ajudar e o quanto estarão caminhando para uma visão de sucesso que será comum a todos.

 

Todavia, quando uma organização adota a gestão por processos vale salientar que o maior patrocinador[7] precisa estar centrado na alta direção da empresa ou de seus representantes, sem esse apoio é muito dificil se instalar esse processos de maneira eficaz. Muitas resistências se farão presentes, porque todo o velho processo organizacional é transmutado e o linguajar muda completamente: objetivos estratégicos, metas, indicadores e planos de ação tudo isto associado e interligado aos quatro cenários essenciais: 1 – financeiro; 2- clientes e mercado; 3 – processos internos; e 4 – aprendizado, conhecimento e inovação.

 

Se por um lado sabe-se que de início é um processo difícil de ser instalado, por outro lado, sem sombra de dúvidas o patrocinador maior precisa estar atento, cobrar e dar a todos as orientações extremamente necessárias. Como trata-se de um processo no qual se espera uma maior participação gerencial, as “cartilhas orientadores” ou as “receitas gerenciais” que anteriormente eram distribuidas a todos os gestores pela alta direção ou aquelas reuniões nas quais a alta direção dava todos os comandos e diretrizes começam a ficar raras e, como consequência, a zona de conforto[8] dos gestores intermediários começa a ser atingida. Antes não decidiam nada, agora decidem quase tudo e, muitas vezes, até mesmo tudo. Como consequência disto, o medo, se instala e, vale como uma sábia solução estratégica se utilizar, durante toda a fase de transição, as sessões de coaching para dar suporte aos gestores e fazê-los começar a pensar estrategicamente e agir, coisa ainda dificil em muitas organizações.

 

Na maioria das vezes, os gestores por se sentirem inseguros e fragilizados preferem atribuir toda a “culpa da mudança” ao seu gestor imediatamente superior. Assim sendo, todas as ações e medidas desconfortáveis de serem tomadas na sua área passam a ser cumpridas, segundo a sua fala, apenas “porque o chefe quer”, a “diretoria mandou” ou o “dono decidiu” e nunca porque é necessaria para a melhoria do processo organizacional. Vale citar que um agravante ainda maior nesses casos é que, toda vez que um gestor precisa tomar uma decisão desagradável na sua área e delega esse poder ao desejo de uma instância superior, ao invés de ficar bem visto pela sua equipe acontece justamente o contrário, começa a ser visto como um fraco ou um “pau mandado”.

 

Essa é ainda uma realidade no mundo organizacional. Portanto, não resta a menor dúvida da importância de se investir fortemente no desenvolvimento do processo atitudinal de liderança. Mesmo assim, muitos resistem e sucumbem, embora, quase sempre, critiquem ou culpem a organização por terem sucumbido, a meu ver, mais uma vez, foi uma questão de escolhas; até porque, na escola da vida, toda vez que não nos adaptamos rápido a um processo de transformação, cedo ou tarde, estaremos na lista dos desnecessários ou excluídos deste processo. Portanto, como já disse, nós mesmos, até inconscientemente, ajudamos com nossa atitude pouco proativa que a organização nos veja, profissionalmente, como uma carta fora do baralho. O jogo das cartas repete o jogo da vida! Vencedor ou perdedor, tudo é apenas uma questão de escolhas, apenas escolhas, nada mais do que isso.



[1] Realidade que é apresentada.

[2] Quando um profissional (de qualquer área) não consegue ver o que está realmente acontecendo e apenas enxerga o que quer e deseja ver.

[3] Quase dez anos já se passaram e como acompanho as notícias dessa empresa nada de fantástico aconteceu.

[4] Apenas focada em normas, procedimentos e processos e desconsiderando-se totalmente o atititudinal.

[5] Ditado nordestino, que significa: “A maneira que procedemos em casa é a maneira que também procedemos em público”.

[6] Já participei de muitas reuniões nas quais os indicadores são apresentados e mesmo em situações com resultados indesejáveis nada foi feito para melhorá-los ou realinhá-los às metas desejadas.

[7] Sua alta direção ou diretoria

[8] Ou “desconforto”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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