A Luzerna de Itabaiana

Foto Ilustrativa
Uma mulher, que parece não ser nascida no município, colocou Itabaiana no noticiário dos prodígios, ao declarar ter visto uma “Luzerna”, ou Objeto Voador Não Identificado – OVNI, ou, ainda, um disco voador, tal qual a imagem corrente na mídia, há décadas. Luzerna, termo que significa “grande clarão”, ou tipo de clarabóia, é ainda de uso na língua local serrana e, certamente, vai ser reabilitado nas conversas, entre crédulos e gozadores, que serão geradas após a notícia inusitada. Pela televisão, a mulher que diz ter visto a luzerna reafirma, convictamente, que se tratava de um disco voador, no que foi confirmada pelo marido.


Itabaiana sempre esteve no imaginário brasileiro, mesmo que não desse crédito ao que corria na boca do povo. Primeiro foi a existência de minas de prata, que provocou cobiça de portugueses, espanhóis e holandeses e estimulou o mito da riqueza, concorrendo para que o processo colonizador fosse transformado, por muito tempo, numa aventura em busca das minas. Pessoas e grupos andaram pelas serras de Itabaiana e da região, procurando ouro e prata e nele o destaque é para o especialista minerador D. Rodrigo Castelo Branco, que nos anos que esteve como executor do Regimento Geral das Minas do Brasil, nas décadas finais do século XVII, contou com um autóctone, João Alves Coutinho, que andou por outras partes do País, com um séqüito de vassalos para servi-lo.


Continua envolvido na bruma da dúvida o mito das riquezas das minas da Serra de Itabaiana. Belchior Dias Moréia, que seria o “descobridor” das minas, deu um jeito de despistar os interessados, morrendo com o segredo que, aparentemente, só ele conhecia. Nem os parentes foram muito longe, o que deixou o assunto na categoria fantasiosa do imaginário popular, ainda que vez por outra alguém devolvesse o crédito às novas gerações de itabaianenses, como aconteceu em 1835, quando o carmelita Frei Custódio Alves Serrão (Maranhão 1799 – Rio de Janeiro 1873), professor de Zoologia, Botânica, Química e Mineralogia, da Imperial Academia Militar,  Diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, veio dar uma espiadinha e explorar a Serra de Itabaiana, “afamada por salitrosas e auríferas,” como ficou registrado pelos seus biógrafos.


No século XX, na década de 1930, o professor Florentino Menezes, um dos mais criativos intelectuais sergipanos, defendeu o uso da Serra de Itabaiana para fins turísticos, com a construção de uma “cidade” inteiramente formada para explorar as belezas, o clima e outras qualidades da Serra. Os jornais da época registraram, com generosidade, a idéia de Florentino Menezes, colhendo opiniões que justificavam o uso turístico daquele patrimônio dos itabaianenses. Não faltou quem denominasse de Florentinópolis a cidade turística, talvez a única criada para tal fim, no topo da grande serra. O projeto da cidade para o turismo, como o da exploração das minas, também não foi adiante.


Um lugar com tanta tradição popular como Itabaiana pode produzir, vez por outra, um noticiário maravilhoso, sem perder as estórias, recolhidas aos guardados do povo: Fogo corredor, chuva de sangue, chuva de peixe, chuva do rio Jordão, bicho de duas cabeças, animais falantes, que desde a Idade Média povoam as cabeças das pessoas. Disco Voador é um desses “fatos” populares que rondam as mentes abertas e crédulas das populações, desafiando a instantaneidade do noticiário eletrônico, em tempo real, que alimenta o mundo com informações, permanentemente. O que parece antagônico, na prática cotidiana convive, e se harmoniza, sem dificuldades. A aparição de ÓVNIS, em todo o mundo, é mito antigo. Cristóvão Colombo anotou no seu Diário, em 1492, que uma luz no céu acompanhou toda a sua viagem em direção às Américas. O mito das Amazonas, as mulheres guerreiras de um peito só, eximias cavaleiras, é dos mais antigos no Brasil, citado pelo mesmo almirante Cristóvão Colombo, por exploradores espanhóis, como Orelana e Carvajal, pelo francês La Condamine, e por outros confiáveis depoentes, que lançaram uma pitada de crédito no inconsciente coletivo que começava a ser formado no Novo Mundo.


O mito do Disco Voador está popularizado e vez por outra um relato de pilotos ou pessoal de bordo de aviões comerciais ou militares, põe mais lenha na fogueira das crenças populares. A Luzerna de Itabaiana é mais um capítulo, que tanto pode ser de logo desacreditado, como pode despertar outros relatos, entre pessoas simples, que viram no céu fenômenos ou coisas inexplicáveis. O povo de Itabaiana tem todo o direito de conciliar sua história, suas lendas, com fragmentos de um imaginário que é, também, uma de suas riquezas.

        

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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