O parque estava praticamente deserto quando eu me sentei, para pensar, embaixo dos longos ramos de um velho carvalho. Eu me sentia desiludido da vida. Depois de muitos anos de trabalho, uma aposentadoria ainda jovem, família criada, casa, carro, mas eu estava mergulhado em um mundo de lamentações e tristezas… Acreditava, naquele momento que estava sem rumo. O que fazer agora para ocupar o meu tempo? Como fazer? Para onde ir? Um garoto de uns dez anos brincava só perto de mim. E eu, estava mergulhado profundamente em minhas tristezas quando ele chegou ofegante junto a mim. De cabeça baixa ele me disse, cheio de alegria: “Veja que linda flor eu encontrei!”. Mergulhado nas minhas mágoas olhei para a flor que ele tinha nas mãos. Murcha, pálida, pétalas quebradas e sem vida… Uma visão lamentável… Querendo me ver livre do garoto que invadia o meu mundo de tristezas, dei-lhe um pálido sorriso e me virei. Esperava que com isso ele respeitasse a minha dor… Mas… Ao invés de recuar ele sentou-se ao meu lado. “Garoto chato”, pensei eu… Ele levou a flor ao nariz, e declarou cheio de alegria: “O aroma é ótimo, é muito bonita e tem pétalas macias, também…” “Por esse motivo apanhei-a para você, tome, é sua”, disse o garoto. A flor estava morta, sem cores, sem vida, mas eu sabia que tinha que recebê-la para que ele me deixasse em paz… Então estendi a mão para recebê-la e disse meio sem graça: “Obrigado, era mesmo o que eu estava precisando”. “Mas… ao invés de colocá-la em minha mão ele a jogou em minha direção e levantou a cabeça para mim…”. Nessa hora, notei, pela primeira vez, que o garoto era cego… E, quase que imediatamente a minha voz sumiu e as lágrimas começaram a brotar em meus olhos inundando silenciosamente a minha face. “De nada!”, disse o garoto, “Eu a escolhi especialmente para você…” Aí ele levantou-se do banco e foi a brincar sozinho um pouco afastado de mim. E, permaneceu lá longe sem ter a mínima noção do impacto que ele tinha causado a minha vida… Eu continuei sentado sob o velho carvalho, e as lágrimas corriam pela minha face. Como ele percebeu a minha cegueira interior? Talvez, o seu coração tenha sido agraciado com a verdadeira visão. Então foi aí que eu finalmente percebi, através dos olhos de uma criança cega, que o problema não era do mundo a minha volta e sim meu, só meu… E, nesse momento, agradeci a Deus por ter tido durante toda a minha vida ter a oportunidade de ver a beleza à minha volta, mesmo em todos os momentos em que estava literalmente cego e não enxergava a beleza do universo. A beleza de um parque ao fim da tarde, a realeza de um secular carvalho que me ampara com a sua magnífica sombra, da brisa soprando macia, das folhas caindo suavemente das árvores, do canto dos pássaros…Da minha casa, da minha família querida…Do netinho que vou ganhar… Tudo isso eu não havia enxergado antes e agradeci a Deus por aquele magnífico encontro. Levei a flor até o meu nariz e senti o mais puro aroma. E ainda com meu rosto molhado pelas lágrimas dessa descoberta, senti-me forte, leve e vivo… E sorri ao ver aquele abençoado garoto brincando com outra flor. Com certeza ele estaria preste a mudar a vida de um outro cego igual a mim… * Extraído, adaptado e modificado da Rede da Teia da Paz. * Fernando Viana é diretor presidente da Fundação Brasil Criativo presidente@fbcriativo.org.br