A MORTE DE DR.SOBRAL

Não foi um bom início de ano. Perdemos logo no dia 3 de janeiro o médico José Sobral. Ele foi um dos mais representativos nomes da medicina de Sergipe nas últimas décadas, na especialidade que escolheu: a ortopedia e traumatologia.

Dr.José Sobral
De temperamento afirmativo, não deixava para depois o que incomodava o seu coração. De uma bondade profunda, não era de guardar mágoas e ressentimentos. De espírito bonachão e risada marcante, bem de acordo com  o seu biotipo, era também de uma seriedade exemplar quando o momento assim o exigia.

Certa feita, na função de  superintendente do antigo INAMPS, na década de 70, enfrentou alguns colegas no que costumava chamar de “furor cirúrgico”, corrigindo distorções na autorização de guias para tratamento operatório. Um colega seu foi então reclamar dos cortes que estavam sendo processados em suas guias, que isso era um absurdo, um excesso de rigor na análise por parte da perícia. Ele de pronto rebateu: “você esqueceu que eu sou o seu auxiliar nesses procedimentos?”   O colega retirou-se sem ter o que contra-argumentar. Era assim José Sobral, austero e correto nas suas ações e atos administrativos.

Nascido em Frei Paulo em 20 de junho de 1930, filho de Manuel Sobral e Maria Ramos Sobral, fez sua formação educacional básica no Colégio Tobias Barreto e o secundário no Atheneu Sergipense. À noite, cursava ainda a Escola de Comércio. Optou por fazer medicina e em 1950 seguiu para Salvador onde se graduou em 1955 pela vetusta Faculdade de Medicina da Bahia, no Terreiro de Jesus. Já no segundo ano da faculdade, passando férias em Aracaju, comparecia ao ambulatório do Pronto Socorro do Hospital de Cirurgia como observador. Conheceu então Osvaldo de Souza e Francisco Bragança, que atuavam na área de ortopedia e que o estimularam a trilhar o caminho da especialidade. Em Salvador, ainda por interferência deles, estagiou no melhor serviço de ortopedia da Bahia, chefiado pelo saudoso professor Benjamim da Rocha Sales e seus digníssimos auxiliares, dos quais se destacava a figura de Fernando Filgueiras, tido na época como o melhor cirurgião da “Boa Terra”. 

Logo após a formatura, regressou a Aracaju, antes porém atuando por breve período em Itabaiana. Ingressou no corpo clínico do Hospital de Cirurgia ao lado de Bragança e O.Souza, compondo a primeira equipe realmente especializada em ortopedia e traumatologia do Estado. Depois se transferiu para o Hospital Santa Isabel, onde permaneceu até encerrar suas atividades profissionais. No Santa Isabel, Dr.Sobral montou seu consultório na área do pequeno ambulatório que funcionava no anexo do laboratório, que possuía três salas. A maior, logo na entrada, foi toda montada por ele. Foi o seu único e definitivo recinto, o consultório ortopédico onde atendia aos seus inúmeros clientes. Ao lado, havia o consultório da oftalmologia, ocupado por Álvaro Santana e Antonio Carlos, e no menor, funcionava o serviço de gastroenterologia, inicialmente ocupado por Wellington Ribeiro e depois por mim e Marcos Prado, onde fazíamos os exames proctológicos. Durante vários anos, tivemos uma convivência diuturna e fraterna nesse pequeno espaço da vida. Foi ali que aprendi a admirá-lo, ao ouvir suas histórias e aconselhamentos. Durante mais de 20 anos, a ortopedia de Sergipe esteve nas mãos dos três esculápios,  somente mais tarde foram chegando os novos como Marcelo Villasboas e outros. Então falar de ortopedia em Sergipe nessas décadas era falar de Bragança, Osvaldo e Sobral, sendo que os dois últimos foram os primeiros professores da disciplina na nossa Faculdade de Medicina fundada em 1961, Sobral auxiliando O.Souza. Bragança comandou a disciplina de cirurgia. Idealistas e humanitários, ensinaram de graça, sem nada receber, por dois anos. Por suas mãos e ensinamentos, formou-se toda uma geração de ortopedistas. Ingressou nos quadros do antigo IAPI no setor de perícias e prosseguiu assumindo diversas funções no órgão e acompanhando suas diversas transformações ao longo do tempo, até se aposentar.

Comentava-se muito à época que existia uma rivalidade entre ele e Osvaldo, uma rixa antiga, ressentimentos e mágoas. Pura conversa. Eram dois profissionais que tinham seus estilos próprios mas ambos com a mesma e sólida formação moral. Quando o Departamento de Medicina da nossa Universidade, sob o comando de Fernandinho Maynard, promoveu uma série de homenagens aos seus professores pioneiros na ortopedia e cirurgia, coube a Sobral fazer a saudação a Osvaldo, numa bela peça de oratória que revelou o seu lado humano e grande preparo cultural e científico.

Em 1958 José Sobral casou-se com Dona Maria Quitéria Fontes Sobral e teve 2 filhos, Sérgio José Fontes Sobral, nascido em 1962,  analista de sistemas e Mércia Maria Fontes Sobral de Oliveira, em 1965.

Nas horas de lazer, preenchia o seu tempo com a música e o cinema, de preferência no recesso de seu lar ao lado da sua querida esposa. Quando instalamos o Cineclube da Sociedade Médica, em 1995, 1996, não sei bem, ele foi um dos seus mais assíduos freqüentadores e sempre me  indicava títulos para serem exibidos.

O que guardo na memória de Sobral é a sua simplicidade e generosidade, de um ente despojado de vaidade e inveja, estando presente para ajudar ou colaborar com todos, um amigo dos amigos, valorizando quem devia ser valorizado e criticando que deveria ser criticado, participando enfim da boa luta.

Confidenciou-me a sua querida e única irmã, a Sra.Josefa Sobral que, quando do correr da aposentadoria, em função do afastamento de suas atividades e do convívio com os colegas, ele comentava abatido que não tinha mais amigos, que não teria sido um vencedor por não ter acumulado riquezas. Ledo engano. Não só tinha amigos, possuía admiradores. Não acumulou fortuna financeira, mas sim um patrimônio moral intangível. Milhares de pessoas encontraram em suas mãos a cura de suas doenças e o lenitivo para os seus males. Nós que convivemos mais de perto e principalmente essas pessoas, que se beneficiaram com sua conduta, sempre guardarão na memória o seu exemplo de vida. Sobral se foi, mas deixa um legado de realizações em prol da medicina de Sergipe.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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