Poucas vezes na História recente de Sergipe, o destino, a finitude dos homens e até os desígnios de Deus modificaram substancialmente o descortinar da política sergipana. Fatos isolados evidenciam mudanças bruscas resultando desfechos inesperáveis e até imprevisíveis pelos que se dedicam a estudar as lideranças político-partidárias no nosso Estado. Senão vejamos: Por aqui jamais um governador morreu no poder, nem de doença, muito menos de morte matada, embora tenhamos, em outras eras, a fama de violência, e até o Ariano Suassuna, no seu AUTO DA COMPADECIDA, tenha criado o cangaceiro Severino do Aracaju, um personagem irônico, mas sanguinário, como maior símbolo de barbárie. Como barbárie, só se pode falar do apeamento do poder do Governador Seixas Dória, que “réu sem crime”, padeceu para sempre em cassação iníqua e equivocada. No mais o processo de mudança política jamais ensejou mudanças bruscas por inferência do acaso, e todo governo bem ou mal iniciado teve o seu final, com mais aplausos que apupos. Quem elegeu o seu sucessor saiu do governo bastante aplaudido, quem não conseguiu, recebeu, por natural, no opróbrio dos desgraciados e a vaia dos eternos ressentidos. Tudo no sentido exato das expectativas e das miserabilidades humanas, sempre sequiosas de benesses e concessões menores. Em tempos recentes, a título até de escândalo, um deputado, Joaldo Barbosa, foi morto no próprio lar, baleado qual passarinho indefeso, sem couraça e sem camisa, no próprio aconchego de seu ninho, por alguém que em seu caminho lhe queria o mandato, a importância e o ordenado. Pelo menos foi assim que a perícia denunciou e o judiciário determinou. NA ARGENTINA. Na Argentina, nos tempos de Juan Domingo Perón, a noticia da doença inexorável de Evita suscitou pichações deletérias em gozo extravagante por toda Buenos Ayres. Diziam tais faixas gotejando ódio e mágoa: “VIVA EL CÁNCER!” Infelizmente a luta política insere este tipo de reação em recalques, frustrações e inveja. Há os que nasceram para águias em vôos altos, a perder de vista, há os que voam baixo como perus, dignos, necessários e suculentos, há os que galopam como cavalos, ousados, elegantes portadores de estandartes e vanguardas, e os que se fazem urubus se resguardando para se refestelar no despojo fenecido. Se para o “bem do urubu sempre morre o cavalo”, para o riso da hiena vale também a inexorabilidade da queda e a decomposição das carnes sem vida. Nos campos de luta, a queda do cavalo destrier moribundo, e o vigoroso escoar hemorrágico do andante cavaleiro criam a legenda e a lenda, enquanto há os que desfrutam o despojo, no trágico, no riso escondido, fingido, do ser sempre ordinário, ou real sicário por carcará carniceiro, golfando em restos, mau abutre em refestelo, implacável e terminal, fruindo as misérias da condição humana. Há, porém, homens em que na horizontalidade da morte ou na fragilidade da doença se mostram maiores do que o seu entorno circundante. GAIUS JULIUS CAESAR O LÍDER POLÍTICO, GENERAL E DITADOR ROMANO Gaius Julius Caesar (100 a.C. – 44 a.C.), por exemplo, foi um destes agigantados no ataúde. César foi assassinado por bem intencionados republicanos, amantes da liberdade, cidadãos respeitáveis de Roma, defensores do povo e dos ideais paladinos da democracia. Shakespeare, na peça JÚLIO CÉSAR, coloca em Bruto e Cássio estas virtudes que a história refaz justificando aqui e acolá o assassínio e a violência em nome da liberdade e da independência. Mas é da boca de Marco Antônio que sai o mais vibrante discurso funeral jamais pronunciado, desmistificando-lhes o crime, denunciando-os em suas funestas intenções. E a turba sai vingando César, matando até Cina, um poeta menor que não tinha culpa de nada, mas fora punido por poetar maus versos. UM OUTRO EXEMPLO Jeanne d”Arc (1412 — 1431), a tola donzela de Domrémy-la-Pucelle. Era apenas uma garota tida como quase louca por ouvir vozes de santos, mas que se exibiu em audácia numa guerreira sem igual, portando apenas um estandarte, galvanizando um exército em sua pátria conduzindo-o à vitória sem pilhagem. Depois, como de costume, por desagradar os seus comandados que desejavam saquear e estuprar os vencidos, é por eles abandonada e entregue indefesa aos inimigos que a incineram viva na fogueira como herege. Seu estandarte, porém, ressurge mais vigoroso e mais pujante das cinzas e, para sempre, conduz a França à vitória virando símbolo de sua nacionalidade, cantada pelo grande historiador francês Jules Michelet, embora do outro lado, na ilha inglesa, Shakespeare a trate como bruxa, descrevendo-a como vulgar e desagradável, sem, contudo, lhe negar a coragem. Henrique VI é de Shakespeare uma peça menor e pouco conhecida. Raros são os que conhecem a sua Joana D’Arc saindo de cena gritando pragas e xingamentos. Interessante, é que ali também se desenha a ira das massas enfurecidas matando tudo e todo. Igual á tragédia JÚLIO CÉSAR em que Cina padece só por cometer maus versos. Aqui, em HENRIQUE VI, são enforcados magistrados ou quaisquer indivíduos letrados. A palavra de ordem à turba é igual contra os que pensam e escrevem: “Enforcai-o e pendurai-lhe a pena e o tinteiro ao pescoço”. Tragédias maiores ou menores. GETÚLIO VARGAS UM EXEMPLO NOSSO: Getúlio Vargas. Nunca na história dessa república houve alguém que mais tempo permanecesse no poder. Ficou quinze anos, ora como revolucionário e símbolo de uma pregação liberal, ora como democrata constitucional, ora como ditador de uma legislação social e trabalhista, nunca tão sensível aos mais necessitados. Ora, Getúlio “não prestava, era um autoritário, um caudilho, um ditador, um demolidor das liberdades”. E assim Getúlio foi derrubado do poder e voltou pra sua fazenda lá no Sul do país, no seu Rio Grande do Sul. E lá no Rio Grande o foram buscar porque queriam de “novo o seu retrato no lugar”. E Getúlio voltou nos braços do povo ao Palácio do Catete e à Presidência do Brasil, para tortura dos seus inimigos que em oposição empedernida o impediam de governar por denúncias inconfessáveis de escândalos. E o final, todos sabem. Getúlio se mata com um tiro no peito assassinando a si e a seus inimigos que se escafedem covardemente da ira do povo que continuaria ainda a ser escravo, contra todo vaticínio do presidente tombado na luta entre abastados e escravizados. Enfurecida a turba saiu matando, inclusive aqui em Sergipe com Lídio Paixão, um homem simples, sendo morto pela multidão, só porque estava no lugar errado e na hora errada, igual aos Cina, em todas os infortúnios por comédia. Estas mortes, estas derrubadas, estas irrupções surgidas por movimento e lutas, querelas, conflagrações, revoltas e insurreições têm mudado a história de povos, nações e comunidades. BEM MENOS EM SERGIPE TAMBÉM POR AQUI, mas bem menos em Sergipe, o desaparecimento precoce de alguns líderes políticos por morte ou apeiamento do poder ensejou mudanças imprevistas. Se o Governador Seixas Dória é o grande exemplo de uma mudança abruptamente ceifada do poder, a morte de José Conrado de Araújo e de Francisco Leite Neto ensejou uma renovação de figuras que por certo não teriam maior vigor, mesmo com todo aparato autoritário. Pode-se dizer também que a morte de Walter Franco, Francisco Macedo e até de Euvaldo Diniz, todos falecidos ainda relativamente jovens, pavimentou a carreira política de novos nomes, inclusive o do Governador Augusto Franco e de sua descendência. Mas, excetuando estes nomes, o que se observa é uma longevidade política dos nomes aí inseridos quase todos os que ainda hoje ainda exercem mandatos, desafiando a renovação das gerações. GIGANTES OU ANÕES, OS HOMENS SÃO FRÁGEIS. MAS OS HOMENS SÃO FRÁGEIS. Gigantes, anões, santos ou heróis, os homens são frágeis. E envelhecem e adoecem e se arrefecem também no combate. Pela sua estatura combatente, guerreira e vigorosa, muito pouco imitada e jamais igualada, tornada agora bem maior na horizontalidade e na fragilidade da doença, não estará a recente debilidade da Senadora Maria do Carmo Alves nos orfanando a cena e o discurso político?
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários