William Soares, companheiro de jornada e confrade da Academia Sergipana de Medicina conhece bem essa história. Quando ele tomou posse da cadeira 27 na Academia Sergipana de Medicina, que tem como patrona a Dra. Maria do Céu Santos Pereira, de inesquecível memória, proferiu na oportunidade um valioso discurso cujo escopo principal foi prestar uma homenagem às mulheres, principalmente às médicas, de ontem e de hoje, num belíssimo trabalho de pesquisa. Falei principalmente porque ele também homenageou sua esposa e filhas e suas professoras do passado. Foi uma noite de raro encantamento e de uma beleza ímpar. Por conta do trabalho de resgate da biografia dos médicos sergipanos dos séculos XIX e XX, que está sendo conduzido pelo Núcleo de História da nossa Academia, do qual faço parte ao lado de Petrônio Gomes, Antonio Samarone e do próprio William, levantamos a história de algumas mulheres médicas e percebemos como era difícil em tempos remotos elas ocuparem espaços até então reservados às pessoas do sexo masculino. Para conseguir avançar nesse terreno inóspito, a mulher teve que ousar, enfrentar toda uma gama de adversidades. Dra.Ítala Silva, primeira médica sergipana
Em visita à Academia Nacional de Medicina da França, observamos em uma de suas galerias um monumento contendo uma placa de bronze que reverencia a figura de Agnódice. E quem foi Agnódice? Foi a primeira médica mulher da humanidade.
Agnódice ou Acnodice, que viveu na Grécia antiga, era uma mulher que queria ser médica. Naquela época, o exercício da Medicina era expressamente vedado para elas. Para concretizar seu sonho, viajou a Roma, onde aprendeu a fazer partos, obtendo conhecimentos básicos de ginecologia e obstetrícia.
Voltando à Grécia para exercer a profissão, tomou uma drástica decisão: travestiu-se de homem e dessa forma sentiu-se segura para exercer a Medicina. Sua competência foi tanta que logo atraiu a atenção de inúmeras pacientes, gerando descontentamento e ciúme nos outros médicos. Enfurecidos com Agnódice e acreditando que ela realmente fosse homem, eles a acusaram falsamente de estar praticando atos libidinosos com as pacientes.
Foi levada ao tribunal e para se defender da falsa acusação, tomou outra atitude ousada: despiu-se completamente diante do juiz e dos jurados. Imaginem a surpresa e a comoção causadas por essa atitude extrema! O juiz reconheceu a injustiça que estava sendo cometida contra Agnódice, livrou-a da acusação e, melhor que isso, promulgou uma lei determinando que, a partir daquele momento, as mulheres teriam o direito de praticar a Medicina na Grécia. Graças à atitude ousada e corajosa de Agnódice, as mulheres começaram a galgar novas posições.
A primeira médica a obter a graduação na América Latina foi a chilena Eloísa Diaz Inzunza, em 1886. A primeira brasileira foi a gaúcha Rita Lobato Velho Lopes. Ela nasceu em São Pedro do Rio Grande, no Rio Grande do Sul em 1867 e formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia em 10 de dezembro de 1887, portanto um ano após Eloísa. Retornando ao sul e atuando nas áreas de ginecologia e pediatria, ela passou a clinicar em casa e nos arredores da cidade, , atendendo à população mais carente e sofrendo muita discriminação por parte dos outros médicos homens. Com a abertura dos votos para as mulheres, Rita ingressou na carreira política, tornando-se vereadora em Rio Pardo. Morreu em Porto Alegre em 1960, aos 93 anos.
Acredita-se que a primeira médica sergipana a colar grau tenha sido a Dra.Ítala Silva de Oliveira (foto), pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1927, após defender a tese “Da sexualidade e da Educação Sexual”. Na tese, defendia a instrução feminina e a importância da educação sexual para as mulheres, bem como salientou a necessidade do prazer feminino nas relações sexuais. Ela nasceu em 18 de outubro de 1897 em Aracaju, filha de Silvano Auto de Oliveira e Marcionila Silva de Oliveira. Desde jovem publicou artigos em jornais sergipanos, principalmente o “Diário da Manhã” e o “Correio de Aracaju” sempre defendendo a instrução pública, o engajamento da sociedade na luta contra o analfabetismo e a emancipação feminina. Colaborou também na “Revista Feminina” editada em São Paulo. Foi professora e primeira secretária da Liga Sergipense contra o Analfabetismo. Também foi professora particular de meninas e professora da Escola Normal. Condenou a moda, o cinema, a leitura de romances e as danças da época para as jovens. Indicava a necessidade da leitura de jornais, da ampliação da escolaridade feminina e o envolvimento das mulheres em atividades filantrópicas e sociais, para o favorecimento da emancipação feminina. Atuou no Rio de Janeiro logo depois de formada e exerceu a Medicina como ginecologista e clínica geral em um posto de saúde público no bairro da Penha. Alguns anos mais tarde ela também abriu um consultório particular, neste mesmo bairro. Depois da mudança para a capital carioca, nunca mais retornou a Aracaju, falecendo no Rio de Janeiro em 1984.
A primeira médica a graduar-se em Medicina em Sergipe, na verdade foram quatro, todas da primeira turma de nossa Faculdade: colaram grau em 1966 Lídia Salviano, Simone Matos, Rosa Mendonça e Zulmira Freire Rezende, que também foi a primeira médica a ingressar na Academia Sergipana de Medicina em 1994. Hoje na constelação do sodalício fulguram mais duas estrelas: Geodete Batista e Déborah Pimentel, que aliás se tornou agora em 2006 a primeira mulher a presidir a nossa Academia de Medicina.
Agnódice, Eloísa, Rita, Ítala, Zulmira, Lídia, Rosa, Simone, Déborah e Geodete são pioneiras, cada uma no seu tempo, abrindo portas e caminhos, superando todos os obstáculos, para atingirem seus objetivos.