A Saga de Jean Divinamor I.

O seu nome todo mundo já sabia: ecessidade de mudar o mundo sob pena de danaçmente a Deus, ensejaqndo-lhe a Jeansenpater do Divinamor Faria. Uns o conheciam, isso por maioria, como Jean Divinamor. Outros, em minoria, o irritavam com o apelido Jean Patifaria.

 

Jeansen do Divinamor Faria era um jovem inquieto que se revelava um espalha brasa, uma espécie de espanta coió, aquele fogo junino barato, numa tira comprida como espoleta, que sem estrondo de luz e cor, repete-se gaiatamente como um galo cocoricando em cascata.  E como espanta coió, passava por brincalhão, alegre, barulhento, ensejando espantos e risos.

 

Em criança sempre fora um menino hiper-ativo e inquieto, chamando a atenção do jardim de infância ao secundário, por estripulias de menino maluquinho, dando muito trabalho e recebendo vários castigos.

 

Há quem diga que foi expulso, isto é, que chegou a ser convidado a sair do Colégio Granadeiro Bismarck, um dos melhores da cidade, disciplinador por tradição teutônica.

 

Afirma-se, consubstanciado pelas atas das reuniões de congregação do Bismarck, que Divinamor não conseguira ali se enquadrar, e à sua disciplina germânica, chegando até a ensaiar uma rebelião contra a direção da escola.

 

O motivo todo mundo sabe, mas depois preferiu esquecer, pelo desfecho que sucedeu. Prefere-se hoje lembrar como uma tolice relacionada com uma vidraça quebrada numa aula de geografia, dada pela Professora Dorinha Miraflores, uma educadora que sempre fora um doce de figura, em simplicidade e ternura.

 

E era com muita ternura que os alunos a seguiam passeando no tempo e no sonho, por mares, cabos e ilhas do mundo. Porque Dorinha Miraflores tinha o dom de a todos encantar, promovendo em plena classe, uma excursão em fantasia e em cultura, entremeando sabedoria, ternura e singeleza.

 

Mas, naquele dia, aproveitando um momento em que a mestra descrevia no mapa o vulcão Aconcágua, ensejando desafios de cansaço de escaladas perigosas, alguém quebrara uma vidraça, justamente da janela de sua sala de aula.

 

Fora Jeansenpater, justamente aquele aluno inquieto, que no momento parecia o mais atento e bem comportado na sala e na aula.

 

Todo mundo tinha visto, menos a professora que estava de costas tentando escalar os Andes, na imaginação e na inspiração.

 

Jeansenpater jogara um apagador na cabeça de um colega, apelidado de bobinho, por trejeitos de efeminado, e por erro e maior fatalidade, o grave atingiu, em cheio, um dos vidros da janela, terminando por alvejar a cabeça de Dr. Rafael Nepomuceno, magistrado destacado por extrema pompa de traje, e meneios de pavão.

 

O apagador desfaria qualquer parvoíce, mal assumida por bem afamada, afinal atingira a luzidia careca do magistrado, justamente no momento em que este passava pela calçada e despretensiosamente “limpava o salão”, como se dizia então, com o dedo indicador atolado na narina esquerda de seu protuberante narigão de papagaio.

 

Desnecessário dizer que na sala houve uma papagaiada de risos entremeados de muitas protuberâncias de chiliques e muitos sustos de guiné.

 

Debalde também falar que o magistrado ingressou furibundo, apagador na mão e resíduo nasal ainda agarrado no dedão, colégio a dentro, prometendo sanções cíveis e penais, alegando ofensa moral, por desacato de autoridade e ataque de lesões corporais.

 

Mas, na sala ao riso gaiato estudantil, que tudo vira e aprovara, sucedeu uma crise de choro convulsivo da Professora Dorinha, que de tão humilhada e ofendida fora pedir providências à Direção da escola, na pessoa da Supervisora Dona Ofélia de Morais, exemplo de disciplina autoritária por demais, e de Dona. Cosette Maçaranduba Pasdecoeur, Diretora daquele modelar estabelecimento de ensino.

 

Dona Ofélia e Dona Pasdecoeur nunca se viram tão malucas entre um Nepomuceno furibundo, exibindo um apagador como troféu e uma Dorinha num pranto incontido e sem cessar. O juiz pedia providências, enquanto a professora gritava quase em histeria que não ministraria mais aulas a uma turma de vândalos como aquela. Preferia vender acarajés no beco do açúcar e churrasquinho de gato no beco dos cocos a lecionar alunos tão cruéis e insensíveis.

 

Cruéis, inclusive com o majestoso Aconcágua, e insensíveis à imponência andina, e até à própria geografia, sua ciência e seu sacerdócio.

 

Sem sacerdócio e sem ciência, o resultado, como sói costumeiro naquele cenáculo modelar de ensino, foi apurado mediante enquête anônima e por escrito de todo alunado da classe, ensejando a delação e a fraqueza inominadas, conduzida por Dª. Ofélia de Morais.

 

– Identificamos o sicário, disse Dª. Pasdecoeur ao Dr. Nepomuceno. –Quinze alunos identificaram o malfeitor! Um indivíduo deste merecia ter sido abortado pela mãe! Será expulso do colégio!

 

A título de parêntese em nossa estória, talvez por um processo de precessão, o pião da vida mudou para sempre o viver de Dr. Nepomuceno e da Professora Dorinha. De tanto se encontrarem, nas sucessivas análises, depoimentos e apurações, Dr. Nepomuceno, um solteirão sessentão, conhecido por borboletão e celibatário, passou a nutrir por Dorinha um sentimento terno e amoroso, que logo cedo restou correspondido e terminou em matrimônio sem filhos.

 

Diga-se de passagem, que a título de complemento e evitando desviar-se da saga aqui enunciada, o Dr. Nepomuceno, logo após o casamento progrediu rápido na magistratura atingindo inclusive a desembargadoria. Pena é que após três meses de empossado veio a falecer, vitima de uma incontrolável infecção intestinal.

 

Legou, porém, uma pensão confortável a Dorinha. Pensão que permitiu a ex-professora conhecer o mundo do Oiapoque à Oceania, do Tibet ao Mar Morto, dos longínquos Bering e Puntarenas, passando pelas ilhas Sacalinas, por todo Decão, o Peloponeso, o Bósforo e o Kilimanijaro, inclusive com direito a abraçar o Mickey e o Pateta na Disneylândia. Tudo o que uma modesta aposentadoria de professora não felicitaria, nem lecionando geografia.

 

Infeliz ficara Jean Divinamor, sem pensão e sem sustento, com este nome sicário e a referência ao criminoso abortamento, que atingiram sobremodo a Hildebrando Faria e a Maroquinhas do Divinamor, pais do assim denominado facínora Jeansenpater, convidados a retirar o seu filho do Colégio.

 

Era como vindo mesmo de um facínora covarde e de um desalmado malfeitor, que D.Cosette Pasdecoeur entendia o ato daquele adolescente inquieto, por excesso de sinergia e falta de disciplina.

 

Inútil dizer que o transgressor negando de pés juntos até o fim a sua ação, preferira rebelar e escandalizar a sociedade e o bom nome do colégio pela acusação de sicário e pusilanimidade, termos ofensivos, por politicamente incorretos e passíveis de processos.

 

E assim, quando tudo acabou, restou Jeansenpater transferido, agora pro Colégio Santo Ambrósio, mais tolerante e condescendente com o pecador.

Dizem, por repetido rotineiro do próprio Divinamor Farias, que este teria recebido uma indenização por danos morais do Colégio Granadeiro Bismarck, não fosse à influência nefasta do Dr. Nepomuceno no desfecho do processo.

 

Processo, repito, que culminou com a sua transferência negociada para o Colégio Santo Ambrósio, o Colégio dos Padres, como era conhecido então, mais tolerante e menos rigoroso, onde os alunos podiam jogar bola nos intervalos das aulas, aprender aulas de teatro, bailado e canto orfeônico, com direito a tocar zabumba, surdo ou corneta na sua mais que famosa banda marcial.

 

Uma coisa ficara, porém, na estória, seja como conto, como lenda, ou apenas como reverberação zabumbeira e zombeteira do narrado e já passado; um apelido. Quem de Jeansenpater não gostava lhe esquecia o doce Divinamor, preferindo chamá-lo à surdina de Jean Patifaria.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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