Após o anúncio do fechamento das fábricas da Ford no Brasil, muitos consumidores estão em dúvida sobre os seus direitos e o que esperar para os próximos anos no caso de quem já comprou um modelo novo da marca.
O Código de Defesa do Consumidor exige que a empresa preste a garantia do produto, assim como garanta o fornecimento de peças de reposição e mão de obra nesse período. Independentemente de estar sediada no Brasil ou não, se isso não ocorrer, o consumidor poderá acionar a justiça para garantir o cumprimento da lei.
A descontinuidade dos produtos não altera a responsabilidade do fabricante, que continua obrigado a dar suporte ao consumidor.Caso seja identificado um problema, o consumidor poderá exigir do fornecedor o conserto do produto, ou ainda em casos de não reparação, exigir o dinheiro de volta com base no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor.
Outro fator que vem desassossegando os consumidores é a possível escassez de peças de reposição dos veículos que foram retirados de linha, como é o caso do Ford-Ka.
Neste caso, os proprietários estão amparados pelo artigo 32 do CDC que diz:
“Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto. Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei”.
Conforme consta no artigo 13 do decreto nº 2.181 de 1997, o tempo de oferta desses materiais deverá ser mantido por um período nunca inferior à vida útil do produto.
Assim, cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, ou seja, pelo tempo de vida útil do produto.
Recém compradores de carro Ford têm o direito de desistir da compra em razão da possível desvalorização do automóvel?
Essa é uma questão bastante controversa.
A decisão pegou milhares de proprietários de veículos de surpresa, pois a Ford anunciou ainda que alguns modelos de automóveis não serão mais produzidos pela montadora.
O fato de a fabricante/montadora não manter sede administrativa ou operacional no país não quer dizer, por si só, que ela não vai cumprir o dever de prestar garantia ao consumidor. Por isso, analisando-se isoladamente, não há previsão na lei que autorize ao consumidor desistir da compra em razão dessa mudança de sede da empresa.
Entretanto, no que tange a uma possível desvalorização do valor dos automóveis que vão sair de linha da marca Ford e demais modelos, devemos ter cautela na análise dos casos particulares. Tudo deve ser analisado à luz da boa-fé, dos princípios contratuais e das normas do CDC, verificando se houve a publicidade enganosa.
Por certo, ao adquirir um automóvel, o consumidor, em regra, opta pela compra do modelo do ano, isto é, aquele cujo modelo deverá permanecer por mais tempo no mercado, circunstância que minimiza o efeito da desvalorização decorrente da depreciação natural.
Um dos principais aspectos da boa-fé objetiva é seu efeito vinculante em relação à oferta e à publicidade que se veicula, de modo a proteger a legítima expectativa criada pela informação, quanto ao fornecimento de produtos ou serviço.
Desta forma, em que pese ser lícito ao fornecedor fechar a fábrica e interromper a produção, não poderá desrespeitar o direito dos consumidores e ferir a expectativa legítima gerada nos mesmos, violando os princípios da boa-fé objetiva, da confiança e da vulnerabilidade.
Por sua vez, o art. 6º, III e IV, do CDC inclui entre os direitos básicos do consumidor o direito à informação, assegurando-lhe, ainda, proteção contra a publicidade enganosa.
Em que pese a aquisição de um veículo sempre acarretar para o proprietário uma perda em relação ao seu valor de compra, causado pela depreciação natural do bem, ele deve ser informado de todos os riscos da negociação, principalmente se um carro vai sair de linha ou até mesmo se a fábrica vai fechar, sob pena de publicidade enganosa e indução do consumidor a erro.
Ou seja, se o consumidor no ato da compra fosse informado nos termos do art. 6º do CDC que a fábrica fecharia, ele teria efetivamente comprado o veiculo zero quilômetro?
Entendemos que aqueles consumidores que iniciaram a contratação antes da notícia do fechamento da fábrica terão do direito de cancelar a contratação em razão da ocorrência de fato superveniente, nos termos do artigo 6º, inciso V, do CDC.
As regras do mercado não podem se sobrepor aos princípios da boa-fé e da eticidade, aniquilando expectativas legítimas dos consumidores, parte indiscutivelmente mais fraca na relação de consumo.
Alessandro Guimarães é sócio-fundador do escritório Alessandro Guimarães Advogados
E-mail: alessandro@alessandroguimaraes.adv.br