Dia desses me deparei com a citação de um executivo publicitário brasileiro famoso que dizia que devemos trabalhar enquanto os outros descansam. Era algo mais ou menos assim: “Trabalhe, trabalho não mata, ocupa a mente”, e por aí vai. Eu acho intrigante pensar como um país cujo salário-mínimo é pouco mais de mil reais, um custo de vida altíssimo, é estimulado pela elite de maneira muito romântica, em tom de palestra motivacional, que o trabalho excessivo é a chave para o sucesso.
Não quero parecer óbvia, e talvez, até muitos ainda acreditem nesse conto de fadas chamado meritocracia e esforço, que levará a rios de bens materiais e contas bancárias recheadas, pois, afinal, é só se esforçar e fazer por merecer. Vamos lá, vou expor experiências pessoais para exemplificar algumas coisas, já que é antiético expor histórias não autorizadas, autorizo eu, a mim mesma, a falar sobre minhas experiências com a tal da meritocracia e esforço.
Morei por quase 7 anos em Santa Catarina, em duas cidades, Itajaí e Florianópolis. Em Itajaí, trabalhei como professora de inglês em alguns cursinhos e como assessora de comunicação numa empresa de assessoria. Sobre as aulas, trabalhei durante meses das 7h às 22h de segunda à sexta, e das 8h às 16h aos sábados, com intervalos para café e almoço. Nesse período, descobri que ganhava menos que outros professores e a justificativa era de que eu era a mais recente contratada. Até aí, tudo bem, pensei. Passados 3 meses, um professor catarinense entra na escola para dar aulas, como eu e os outros e as outras, e descubro que ele recebe, desde o início, mais que eu. A justificativa? Não houve.
Em todos os lugares que trabalhei, meus títulos, cursos, especializações nunca me garantiram melhor salário ou melhores posições, mas mesmo assim, durante os 10 anos de vida acadêmica, entre graduação, especialização, mestrado e doutorado, nem o estudo nem o esforço, me garantiu uma casa própria, um carro próprio, viagens de fim de ano, anos sabáticos ou aumentos por conta disso. Fora o ritmo intenso de leituras e produção de artigos, com ou sem bolsa de estudos, que para muitos, é um favor que o Governo concede. Ou seja, você deve dedicar-se EXCLUSIVAMENTE – em caso de recebimento de bolsa-, não há direito trabalhista, não há horário estipulado, mas você deve estar lá, lendo, escrevendo, produzindo, submetendo artigos como uma louca, como se fosse um privilégio receber esse benefício que é a bolsa. Detalhes: a pesquisa científica é feita com o objetivo de retornar à sociedade, portanto, É UM TRABALHO, bem desgastante por sinal.
Quando pensamos na classe trabalhadora por aí, pensamos no contexto na qual todas essas milhares de pessoas estão inseridas? Será que não há esforço em sala de aula, antes, durante e depois? Será que não há esforço em cortar cana no sol escaldante? Me respondam, por favor, como alguém, que mesmo com tanto estudo e tantas ideias, vai conseguir galgar o mesmo que alguém que já nasceu com uma herança pronta, aguardando para ser desfrutada, investida etc.? A minha intenção não é desmerecer as pessoas cujos privilégios tornam suas vidas profissionais prazerosas, tampouco estou dizendo que não houve ou há esforço e investimento dessas pessoas que tiveram essa abertura maior e mais facilidade para empreender, viajar, comprar imóveis e trabalhar na área sonhada com mais tranquilidade que outras pessoas.
O que quero dizer é que a meritocracia num país tão desigual não existe. Os privilégios, o jeitinho brasileiro, até mesmo o ego e a vaidade de muitos chefes, também são fatores que impedem com que esse mérito por esforço seja alcançado. Como disse meu saudoso Marx: “O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso, que é apenas a exteriorização de uma força natural, da força de trabalho humana”.
Por que temos que nos contentar com os excessos, vislumbrando algo que não existe? Por que insistimos em romantizar o cansaço, o acúmulo de funções, os desafios impostos para mostrar a capacidade de superação, que nada mais é do que exploração de mão-de-obra? Não me venham com exceções, eu quero que igualdade seja regra, quero que direito seja cumprido, e que o acesso seja de fato para todes, sem incômodos, sem egos, sem arrogâncias e atropelos de vaidades. E se isso é ser “comunista”, que façamos então, a Revolução.