A TESE DE DOM LUCIANO DUARTE

Finalmente é editada em língua portuguesa a tese de doutoramento de Dom Luciano José Cabral Duarte, defendida na Sorbonne, na França, em 1957: “A Natureza da Inteligência no Tomismo e na Filosofia de Hume”. O livro, com tradução de Antonio Carlos Mangueira Viana e prefácio de Edmilson Menezes, tem o patrocínio do BANESE, ENERGIPE e Secretaria de Estado da Cultura. O então padre Luciano José Cabral Duarte, com 32 anos (ele nasceu em 21 de janeiro de 1925, estudou nos Seminários de Aracaju, de Olinda e de São Leopoldo, foi ordenado em 11 de janeiro de 1948, pelo Bispo de Penedo, depois de Aracaju, Dom Fernando Gomes dos Santos) se propôs a levar adiante uma exegese tomista, confrontando São Tomás de Aquino (dominicano italiano, 1225-1274) com David Hume (Edimburgo – Inglaterra, 1711-1776), em “aspectos fundamentais”, como ele próprio diz, da teoria do conhecimento. Valendo-se de uma técnica de questionamento, que permite raciocinar afirmativamente em defesa de suas teses, Luciano José Cabral Duarte propõe um estudo filosófico, a partir das idéias de vários autores, tendo, aprioristicamente, a defesa das idéias de São Tomás de Aquino. A França daqueles anos era receptiva ao esforço da Igreja católica em consolidar o pensamento tomista, como síntese harmonizadora do Aristotelismo com o Cristianismo. Convém não esquecer que o neotomismo espalhou-se para várias partes do mundo, através da Revista Contemporânea de Paris, em plena efervescência cientificista da década de 1870. Louvain, na Bélgica, formava os novos quadros, como o pernambucano José Soriano de Souza, com a filosofia do Santo Angélico, ainda que o renascimento tomista decorresse da Encíclica Aeterni Patris, de Leão XIII, de 1879. O papa estava preocupado com o perigo que corria a fé católica com a divulgação de novas idéias e sistemas filosóficos e recorria a São Tomás de Aquino, naquilo que distinguia a razão da fé, no sentido de que a primeira podia alcançar, com suas próprias forças, uma verdade filosófica. E aconselhava o estudo das ciências naturais, como o próprio São Tomás, e seu mestre Alberto o Magno, ou Grande, havia feito no século XIII. Em 1931, Pio XI, na constituição Deus scientiarum Dominus, dirigida a universidades e faculdades de estudos eclesiásticos, pede que as faculdades de filosofia elaborem uma síntese da doutrina completa e coerente, segundo os princípios e o método de São Tomás de Aquino. O que deveria, então, entender-se pela doutrina filosófica de São Tomás de Aquino? A Congregação romana de Seminários e Universidades promulgou uma lista de 24 teses tomistas consideradas “normas diretivas seguras”. O mesmo Pio XI, 8 anos antes, em 1923, na Encíclica Studiorum ducem declarava que “havia de seguir o método, a doutrina e os princípios do doutor angélico.” A tese de Luciano José Cabral Duarte parecia estar situada entre as teses XIX, XX e XXII, que condensam as seguintes idéias: “tese XIX – Recebemos, pois, nosso conhecimento das coisas sensíveis. Como o sensível não é inteligível em ato, há que admitir na alma, ademais o intelecto (Intellectus é o vocábulo com o qual São Tomás, como os escolásticos, traduzem inteligência) formalmente inteligente, uma virtude ativa para abstrair das imagens as espécies inteligíveis; tese XX – Por meio dessas espécies inteligíveis conhecemos diretamente os universais; percebemos os singulares pelos sentidos e também pela inteligência em virtude de um retorno às imagens, enquanto as coisas espirituais nos elevamos a elas por meio da analogia; tese XXII – A existência de Deus nos é conhecida não por uma intuição imediata, nem por uma demonstração a priori, sim por uma demonstração a posteriori, é dizer, pelas criaturas, pois a argumentação vai dos efeitos à causa, a saber: das coisas que são movidas e que não podem ser o princípio de seu próprio movimento a um primeiro motor imóvil; pelo fato de que as causas deste mundo procedem de causas subordinadas entre si a uma primeira causa que não causada; das coisas corruptíveis às que é indiferente ser ou não ser a um ser absolutamente necessário; das coisas que segundo as perfeições diminuídas do ser, da vida e da inteligência têm mais ou menos o ser, a vida e a inteligência, a aquele que é soberanamente ser; por último da ordem do universo a uma inteligência separada que ordenou e dispôs todas as coisas e que as dirige até o fim.” A matriz filosófica da tese de Dom Luciano José Cabral Duarte tem, portanto, duas vertentes claras: a que recoloca São Tomás de Aquino no centro da inspiração católica, ideológica, como a fonte matricial de todo o pensamento filosófico, para o enfrentamento de um contraditório científico e filosófico que na própria França estava sendo renovado, com correntes francamente materialistas; e a que toma inspiração no conjunto de teses franqueadas como o mais amplo acervo intelectual e filosófico de São Tomás de Aquino, breviário de sustentação dos credos religiosos. A tese doutoral do religioso sergipano cumpre, com o louvor que conquistou na própria Sorbonne, o intencionário proposto nos seus enunciados. Homem de inteligência além da média, de formação fortemente religiosa, Luciano José Cabral Duarte avançou além de sua tese, sendo um intelectual renomado, um articulista brilhante, um pregador genial, um escritor e nesta condição acadêmico da Academia Sergipana de Letras – Cadeira 18, uma cadeira de padres, como o Patrono, o vigário José Gonçalves Barroso, um dos mais destacados intelectuais do século XIX em Sergipe, nascido em Laranjeiras, o Ocupante Dom Mário de Miranda Vilas Boas, gaúcho sergipanizado no Seminário Diocesano Sagrado Coração de Jesus, um dos padres de Dom José. Dom Luciano José Cabral Duarte, que celebrou a sua primeira missa na Igreja do São Salvador, em Aracaju, foi Bispo Auxiliar e Arcebispo da capital sergipana, sendo também professor, fundador da Faculdade Católica de Filosofia, em 1950/51, e um dos criadores da Universidade Federal de Sergipe, em 1967. Com a publicação de sua tese passa a figurar, com todos os méritos, na galeria dos grandes valores da vida intelectual sergipana. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais