Francisco Diemerson
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
Doutorando em História Comparada – PPHGC
Universidade Federal do Rio de Janeiro
O número de produções científicas e jornalistas buscando determinar ou descrever caminhos para o futuro pós-pandemia ressalta que discutir o que já está presente tornou-se obsoleto. Não interessa mais pensar sobre surgimento do covid-19, o isolamento social, as vacinas e todo esses elementos do universo clínico e da saúde pública.
No lugar disso, o que se torna urgente é a tentativa de desenhar o roteiro do agora, com descrição de ideias, possibilidades, sistemas e formas para que a sociedade assustada possa construir seu novo normal, redefinir suas prioridades, recolocar no eixo o que tenha sido realocado, apresentar propostas, metas, críticas e direcionamentos.
Esse quadro atípico que estamos vivenciando face ao atual momento é um recorte interessante sobre a característica talvez mais marcante desta segunda década do século: a urgência do presente. Redes sociais e interatividade digital, uma infinidade de fotos e vídeos, o cotidiano sendo catalogado e armazenado em celulares, sites e na “nuvem”.
A necessidade de se registrar imediatamente o agora provocou uma alteração importante na forma que a sociedade tem se comportado com relação às questões que pareciam sólidas e definidas. Torna-se sempre possível causar uma linha de ruptura baseada em dados flutuantes, em recortes que surgem do nada ou mesmo da velocidade que uma falsa notícia percorre e se enraíza.
Talvez isso justifique uma onda paralela de saudosismo de um passado não vivido. Uma busca por antigos discos de vinil, por câmeras fotográficas analógicas, por remakes de clássicos das décadas passadas; a efervescência de sucessos literários antigos agora revisitados e colocados em pautas apaixonadas (Capitu traiu?).
Afogados na produção massiva de elementos que a todo momento ressalta essa urgência do agora, da cobrança do presente, a sua manutenção se torna possível olhando para o passado, porém sem reflexão, sem crítica, apenas marcando com cores interessantes o que for útil, transformando a memória em vintage, objetos de luxo que, retirados do ontem, sejam celebração do agora.
E o amanhã, o futuro, como fica nesse processo? Os séculos XIX e XX foram marcantes pela ansiosa confiança no futuro. A literatura, as artes e as ciências produziram uma vastidão de possibilidades e promessas para um futuro mirabolante e colorido. Os cotidianos previstos eram de grandes alterações tecnológicas e avanços mirabolantes nas estruturas urbanas e das relações sociais.
Não podemos dizer que as previsões foram fracassadas; afinal, o mundo evoluiu e avançou em variados aspectos, o que não quer dizer que problemas ligados à miséria, fome, guerras e conflitos foram solucionados constituindo um idílico amanhã.
Este talvez seja o ponto central: pensar no futuro cansou, tornou-se desnecessário e, portanto, o agora se tornou objeto imediato de desejo. Congelar o presente, mantê-lo em vigilância para que se possa vasculhar os detalhes: é necessário construir conceitos profundos sobre o que acontece, como se não houvesse tempo para se estudar, ampliar, convergir.
A urgência do agora se reflete também nas pesquisas acadêmicas. Para se justificar as conclusões impossíveis, é necessário que se busque o referencial da academia, havendo risco de, na tentativa de se criar pontes para dialogar com a sociedade, os próprios pesquisadores ajudarem na propagação de conceitos rasos que irão se espalhar e, na velocidade das redes, causar mais estragos que explicações ou reflexões.
Em Fausto (1808), a obra de Goethe (1749-1832) que simboliza uma geração, um dos trechos mais interessantes é a conclusão que o Mefistófeles pode conceder todos os desejos, menos parar o tempo. Esta, possivelmente, é uma alegoria que se posiciona em nossa realidade: diante de tantas ferramentas tecnológicas, velocidades quânticas e estruturas globais, ainda não conseguimos controlar o tempo.
Sobra, portanto, a esperança de que entender e prender-se na urgência servirá como uma solução prática para responder aos dilemas, angústias e questionamentos do agora.