A vitória de Angela Merkel e a Europa

Ante um complexo panorama até a vitória, Angela Merkel garantiu neste último domingo, 24 de setembro de 2017, seu quarto mandato de 4 anos de chanceler alemã, mantendo o partido Democrata Cristão (CDU) no comando por mais um período de governo. Ao mesmo tempo foi mantida a maioria individual dentro do Bundestag (Parlamento Alemão), com 33% de votos, superando os ex-aliados sociais-democratas, com 20% de votos, e a surpresa desse pleito: 13% de votos para a Alternativa para a Alemanha (AfD, sigla em alemão), partido de extrema-direita que marca a volta desse estigma ideológico para o parlamento alemão desde o final da Segunda Guerra mundial. Apesar da vitória, o sabor do sucesso para o CDU detém tons agridoces, caracterizados pela queda da representatividade no legislativo de 8%, contrastando com o avanço “fulminante” do AfD.

Neste quadro formulado, o novo governo Merkel já se vê perante largos desafios na política doméstica que podem interferir na condução de sua política internacional. Primeiramente, o rompimento da aliança com os sociais-democratas no período eleitoral representou a perda de uma coalizão majoritária dentro do Bundestag, forçando o novo governo a negociar com outros partidos. Dentro dos pequenos e minoritários estão a tradicional oposição à política historicamente conservadora do CDU, os trabalhistas e os partidos de base socialista. Além disso, uma aproximação com a AfD não aparece como uma alternativa aceitável, seja pela crítica do próprio novo partido para com as medidas do governo Merkel na condução da crise grega e de refugiados, seja pela concentração e apoio de grupos xenófobos que criticam a “escolha pela Europa” e “multiculturalismo” que tem sido as bandeiras alemãs desde a segunda metade do século XX.

Assim, o novo governo do CDU representado pela chanceler Merkel terá de lidar com seus antigos aliados como opositores bem como uma nova força à direita que pressiona para uma ação mais “nacionalista” do governo. Ainda assim, o CDU sofre crítica de ex-membros acerca de sua “centralização” política, afastando-se de um aspecto mais “sóbrio” da direita e cedendo para medidas que não atendem aos “verdadeiros” interesses alemães, como no caso de autorizar empréstimos aos países em desequilíbrio financeiro na Europa e pela admissão de refugiados advindos do Oriente Médio. Não por acaso, esses críticos hoje vinculam-se à AfD que, além de sustentar tais propostas, acionam o euroceticismo- i.e. críticas à União Europeia e seu processo de integração, em especial no quesito monetário e social-, uma das principais lutas políticas dos últimos governos alemães para resgatar sua relevância e poder no cenário internacional.

Não obstante, a ascensão do AfD no Bundestag e de forças de pautas de extrema-direita, com seus delineamentos xenófobos e racistas- já que se focam em etnias ou crenças específicas-, não são exclusividade da Alemanha, país que convive com o fantasma do nazismo como cicatriz profunda de sua história e do imaginário coletivo. Dentro da Europa, o maior fenômeno que foi presenciado nos últimos tempos foi a vitória do Brexit no Reino Unido e o contexto do diálogo formulado pelo UKIP (partido da direita britânica) para leva-lo a cabo, baseando-se tanto em quesitos matérias- impostos e reversão tributária da UE para o Reino Unido- tanto quanto por motivos culturais e migratórios. Outro ponto que foi fortalecido tem sido no Parlamento Europeu, na presença de partidos eurocéticos e xenófobos- em destaque austríacos e poloneses-, além do caso da própria Frente Nacional na França, que deteve expressiva votação no último pleito. Esse avanço, apesar de difuso, converge em termo de agenda política: atacando os refugiados; a fé islâmica- que destrói a cultura “ocidental-cristã-europeia-secular” (por mais anacrônico que juntar todos estes termos pareça); a União Europeia e sua moeda comum, que “destrói a soberania fiscal e monetária dos países”.

A AfD não se exclui e, de fato, faz coro a tal agenda. Nesse ponto, o novo governo Merkel não apenas terá fortes dificuldades regionais para manter o poder e seu plano europeu para a Alemanha, como também encontrará maiores adversidades internas para sua execução. Se tal processo aproximará o CDU da esquerda ou se terá uma retomada à direita, apenas o tempo poderá confirmar. Nesta mesma toada, seria possível encarar os prognósticos para a UE, pertencente a uma liderança assimétrica franco-alemã que ainda lida com os problemas de sua recente crise econômica e conturbada saída britânica, dependentes do que possa ditar a aliança Macron-Merkel e como atenderão (ou responderão) às demandas das coalizões internas as quais lhes farão pressão. A certeza é que a radicalização da desigualdade econômica crescente na Europa acentuará o alcance dos partidos de extrema-direita e que, caso as alternativas convencionais não resolvam as contradições de um modelo econômico intrinsicamente contraditório, os discursos desses partidos ganharão corpo, voz e substancialidade. Quiçá, tenebrosamente, ganhem impulso para alcançar até um governo nacional.

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