Academia Sergipana de Medicina – 20 anos na História

Atento, escuto o discurso de Gileno Lima na sessão inaugural da Academia Sergipana de Medicina, há 20 anos na História (foto: acervo ASM)

Vinte anos se passaram desde a memorável noite de nove de dezembro de 1994. Naquele dia, no auditório da Sociedade Médica de Sergipe, vinte e seis médicos sergipanos assinaram a ata de fundação da Academia Sergipana de Medicina, escrita com exatidão pelo secretário geral ad – hoc daquela sessão, o saudoso professor e colega José Leite Primo. Ninguém me contou. Eu mesmo estava lá, de corpo e alma, como presidente da Sociedade Médica, participando desse momento histórico e, mais ainda, assinando a ata, como o mais jovem integrante do sodalício, com apenas 40 anos de idade, fato que honra a minha trajetória de vida associativa e do qual sou eterno devedor.

Uma delegação de médicos vinda da Bahia, liderada por Geraldo Mílton da Silveira, então presidente da coirmã baiana e Thomaz Rodrigues Porto da Cruz, sergipano ilustre que pontifica no cenário médico da terra de Castro Alves, abrilhantou a sessão. Coube ao saudoso Gileno da Silveira Lima fazer a explanação inicial sobre as providências que culminaram com a fundação e instalação da Academia, naquela memorável noite. Liderando um grupo de destacados médicos, Gileno foi de um estoicismo e determinação incomuns. Sabia que outras tentativas haviam ocorrido no passado, sem sucesso, mas mesmo assim aceitou o desafio de levar a cabo tão importante realização e assim o fez. Fica justificado, pois, o pensamento com o qual iniciei esse artigo: “ Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe por provar o contrário”.

 Pela sua tenacidade, Gileno da Silveira Lima foi escolhido para ser o Presidente de Honra da Academia. Seu amor e dedicação ao sodalício e sua paixão incontida pela criatura, terminaram sendo reconhecidas pelos seus pares quando se referem à entidade: “A Casa de Gileno Lima”. Como bem disse Ralph Waldo Emerson, "os nossos atos  são os nossos anjos".

Sinto-me, pois, no dever de relatar um pouco da vida de Gileno Lima, em curta pincelada. Quando chegou a Aracaju, vindo de Laranjeiras, onde foi médico na cidade no início dos anos 50, ele veio atuar no Hospital Santa Isabel, chegando à direção do nosocômio em 1958, substituindo a Carlos Firpo, tragicamente assassinado, no rumoroso episódio que ficou conhecido como “A tragédia da Rua Campos”.   

No Hospital Santa Isabel ele implementa uma ampla e geral reforma, transformando a centenária instituição num hospital moderno. Para viabilizar essa grande obra, Gileno recorre a um organismo internacional, a alemã Miserior ( associação católica que através dos donativos recebidos nas missas ajuda obras humanitárias em todo o mundo), que doa recursos significativos para a obra de restauração do hospital.

Outra ação marcante de Gileno Lima foi promover o retorno à casa do ilustre cirurgião Augusto Leite, para as comemorações do Jubileu de Ouro da primeira laparotomia (cirurgia abdominal) feita em Sergipe, em 1914. Conto-lhes o que se sucedeu. Corria o ano de 1962 – ano do Centenário do Hospital Santa Isabel – e com a aproximação da data, Gileno prepara uma solenidade para a inauguração das novas instalações do complexo cirúrgico, a quem denomina de “CENTRO CIRÚRGICO Dr. AUGUSTO LEITE.” Superando todas as dificuldades e apelando para a interferência de  amigos fraternos de Augusto Leite, (que prometera nunca mais pisar os pés no hospital após divergências com a diretoria da entidade), o velho cirurgião finalmente cede aos apelos e comparece ao ato inaugural. Duas grandes surpresas, porém, ainda estavam reservadas. Com mãos firmes e técnica ainda apurada, mesmo com idade já avançada, Augusto Leite repete o procedimento cirúrgico realizado 50 anos atrás, em uma paciente com fibrossarcoma uterino. Sensibilizado com a iniciativa da direção do   Santa Isabel, Augusto Leite, num gesto magnânimo, doa à entidade o BISTURI DE OURO, que havia recebido em 1958, dos seus colegas do Hospital de Cirurgia, por ocasião do Jubileu de Ouro de sua formatura. O bisturi é recebido com todo o carinho pelo Hospital Santa Isabel, que o instala numa redoma iluminada encravada nas paredes centenárias da instituição. Esse episódio é um dos mais marcantes da medicina sergipana e tem em Gileno Lima o seu idealizador e principal articulador.

 Disse Augusto Leite, naquela oportunidade: “ Não há quem possa dizer, nem pressagiar, em termos seguros, a grandeza de seu futuro, nesse seu grande voo de progressos. Estamos tranquilos. Gileno está com ele; está dentro dele, com alma e coração.” E conclui: “Cada instrumento tem uma história. O bisturi conta a história de todos. Ainda estudante, o bisturi me abria caminho à cirurgia, circunscrito às pequenas operações de estreante. Embalou-me, cedo, nas suas promessas, instigado pelos pequenos sucessos operatórios. Não parou mais. Não tive mais sossego aqui, no  Santa Isabel. A história é longa. Chegou afinal à maturidade; envelheceu, radiante, no trabalho. Homenagearam-no, certa feita. Vestiram-no de ouro. Milagres da bondade e generosidade de colegas do Hospital de Cirurgia. Voltou, de surpresa, à Casa Materna. Sentiu-se feliz, acolhido por Gileno Lima. Aqui está, na sua casinha iluminada, a recordar, com santo orgulho, a história da cirurgia em Sergipe”, arremata.

Tempos depois, o bisturi desapareceu de sua casinha iluminada, nem a parede existia, dele não mais se sabia o paradeiro. Conseguimos recuperá-lo e, doado pelo Hospital Santa Isabel, encontra-se hoje no Museu Médico de Sergipe, devidamente restaurado e guardado, como símbolo da Medicina de Sergipe.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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