Terça-feira, dia 31 de outubro, Acrísio Cruz, jornalista, professor, gestor público, político, autor de livros didáticos e de ensaios pedagógicos, será lembrado por ter nascido, há 100 anos, em Laranjeiras. Um Centenário com muitos eventos: busto na praça da Imprensa, que fica ao lado da avenida que leva o seu nome, lançamento de carimbo comemorativo, pelos Correios, seminário, mesa redonda, lançamento de uma Antologia e de um romance inacabado, graças ao esforço de suas filhas Marta Cruz, professora doutora da Universidade Federal de Sergipe e Maria Luiza Cruz, Procuradora de Justiça.
Nascido em Laranjeiras, Acrísio Cruz desenvolveu seu talento em Aracaju, nas redações dos jornais, ao lado dos seus irmãos Levindo Cruz, magistrado, e Hercílio Cruz, médico. Foi, contudo, na área da educação que cresceu o nome de Acrisio Cruz, principalmente associado ao programa de construção de Escolas Rurais do Governo José Rollemberg Leite (1947-1951), esforço hercúleo de implantar um tipo especial de ensino no interior, zoneando todo o Estado, qual uma utopia de superar as desigualdades sociais do campo, nas salas de aula e nas malhadas de terra, plantando o que comer diário: legumes, verduras, outros alimentos.
Em torno de Acrisio Cruz há uma memória rica, expondo as múltiplas faces de um homem presente, criativamente, no cenário da capital sergipana. Testemunha ocular da Revolta dos Tenentes, em 13 de julho de 1924, tornou-se um admirador de Augusto Maynard Gomes, servindo à sua Interventoria, como Diretor da Imprensa Oficial. Tal admiração prossegue, fortalecida pela mediação de Francisco Leite Neto, que seria um dos seus mais diletos amigos, colaborador no Governo Maynard e, mais tarde, com a redemocratização de 1945, correligionário do Partido Social Democrático – PSD, e integrante da administração de José Rollemberg Leite.
Presente na redação dos jornais, como redator e colaborador, Acrisio Cruz freqüentou, nos anos de 1930, a redação do Diário da Tarde, dirigido por Deodato Maia, contando com colaboradores intelectuais, como Benedito Cardoso, Freire Ribeiro, João Passos Cabral, Luciano Lacerda, e outros. Já na década seguinte estava na redação do Diário de Sergipe, ao lado de Manoel Cabral Machado, outro dos seus fieis amigos. Coerente em sua definição política, Acrisio Cruz viveu dias felizes de vitória e amargou derrotas que marcaram a sua vida. Preservou, cuidadosamente, sua imagem de professor e de autor de livros didáticos, articulista e ensaísta, deixando as suas impressões para a reflexão da posteridade.
Há, ainda, outros aspectos da biografia de Acrisio Cruz que merecem registro, como o incentivo que deu, em 1933, a quatro garotos que formaram um conjunto musical, cada um com seu instrumento. Certo dia, levados por Acrísio Cruz, os quatro meninos – João Moreira da Silva, violão, com 12 anos, José de Oliveira, Cavaquinho, também com 12 anos, Edmundo do Prado Maia, banjo, com 11 anos e Pedro Simões de Souza, pandeiro, de 11 anos -, com violão, banjo, cavaquinho e pandeiro, instrumentos com os quais mostravam todo o talento, naquele momento de estréia, e que o tempo confirmaria. João Moreira da Silva era o “batuta”, espécie de maestro, líder do grupo, e se tornou um músico importante, compositor consagrado em vozes nacionais, como Alcides Gerardi (Eu só penso em você e Injustiçada, em parceria com Antonio Garcia Filho) e Elizeth Cardoso, participando, sempre, do grupo de violonistas liderado por Argolo. Os acordes do violão de João Moreira anteciparam, em Sergipe, uma contribuição musical e rítmica que mais tarde desembocaria no movimento da Bossa Nova. Carnera, João Melo, João Moreira, e outros músicos deram ao violão sergipano uma posição respeitável, ainda hoje referenciada por gente como João Gilberto, que viveu em Aracaju por algum tempo.
Dos 4 garotos Edmundo do Prado Maia também se destacou tocando cavaquinho, bandolim e um instrumento especial, que somente ele conseguira, um Triolim, (informação do memorialista da música sergipana Raymundo Melo) com o qual encantava as platéias do seu tempo, antes de tomar carreira jurídica e de magistrado.
Quando Acrisio Cruz conheceu os 4 garotos, eles estavam, em todos os sentidos, começando. Não apenas por conta da idade, mas do tempo de aulas e de instrumento que tiveram. João Moreira da Silva tinha apenas 3 meses de conhecimento musical, José de Oliveira tinha 1 ano de aprendizagem, Edmundo do Prado Maia 6 meses e Pedro Simões de Souza apenas 1 mês. Mas, mesmo assim, agradaram, e muito, na apresentação que fizeram na redação do Diário da Tarde, em outubro de 1933, conforme registro na edição do dia 21 de outubro:
“A convite do sr. Acrisio Cruz viemos tocar alguma coisa para os senhores da
imprensa. Andam por aí dizendo que nós somos músicos, todos a dizer que
constituímos uma esperança, uma esperança, uma esperança e nós viemos
para que os senhores mostrem de que esperança se trata – explica-nos, com
uma pose única, o “batuta”.
– Mas certamente tem razão no que afirmam. Vocês conhecem música?
– Estando a palavra escrita é na certa.
– E a nota escrita?
– Dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó,
– Apenas?
– Mente.
– Mente o que?
– Apenasmente.
– Mesmo assim tocam em conjunto?
– É o que vai se ver – responde-nos o “batuta” tirando a capa do violão, dando
sinal aos companheiros.
Firmando-se, como podia, na cadeira disse para o Edmundo:
– Diga aquele solo em fá menor.
O Edmundo roçou a palheta sobre as cordas do banjo, afinou mais uma terceira,
Ferindo o tom.
Feita a afinação, começou a tocar com um desembaraço e uma tal perfeição
Que nos deixou surpreendidos.”
Os demais instrumentistas deram demonstração do quanto tocavam. Ao final, Acrisio Cruz disse aos presentes que o repertório dos garotos era “longo e belo.” A música sergipana fica devendo a Acrisio Cruz o incentivo dado aos 4 garotos e sua orquestra.