José Padilha criou uma série tentando mostrar algo do que uma esfera da classe média acredita ser a “corrupção”. Tentou de todas as formas possíveis estabelecer um tipo de ficção dos fatos que deram origem à contemporaneidade da luta contra a classe política, toda ela decadente por conta das propinas e caixas dois em campanhas eleitorais.
O diretor pensou bastante antes dessa série, que tornaria polêmica ainda mais a discussão sobre uma estrutura política bem estabelecida no país. Já tinha realizado filmes de sucesso, como Tropa de Elite, a série sobre Pablo Escobar, um dos filmes da franquia Robocop… Todos, sem exceção, protagonizando um policial como um tipo heroico. Um policial complicado, cheio de dúvidas, por fazer parte de um sistema que ele tenta subverter.
Em mecanismo, esse policial enlouquece. Esse policial, inclusive, é afastado de sua profissão. É interpretado pelo ator Selton Melo. É um tipo intelectual, detetive, agente de um thriller, de um filme de perseguição, de um gênero bem estabelecido em filmes norte-americanos.
A consciência está posta. Há que se fazer esta relação com uma espécie de espetáculo organizado pelos filmes hollywoodianos. E a partir daí, tentar explicar algo inexplicável. O protagonista procura respostas para sua loucura, sua paranoia que vê em tudo e todos, um anel da corrupção.
Na série Mecanismo, Padilha reagiu mal às respostas de espectadores mais ao lado do espectro da esquerda. Ele se coloca como neutro, distante, e propositor do olhar que desorganiza o estabelecido. Mas qual estabelecido? Aquilo que por anos foi revisto, objetivamente falando, pela operação Lava-Jato. Aquilo que foi chamado de “petismo”, ou “lulismo”.
A operação lava-jato, em Mecanismo, aparece como a desorganização dessa época dominada por uma máfia que estaria no poder. Com isso, Padilha entra na irracionalidade geral que sempre busca linchamentos pela internet – e culpou, como toda a classe média o fez, um espectro da política institucionalizada por toda a corrupção do país.
A Netflix acabou produzindo a segunda temporada da série. Mas a solução encontrada pelo diretor foi mais questionada ainda. Agora não mais apenas pessoas do espectro da esquerda, mas espectadores em geral acabam se perdendo na pedância do diretor, que, longe de alguma solução pretensa, cai no ressentimento que deu origem a nossa crise atual.
José Padilha, hoje, parece estar arrependido de suas conclusões fáceis. Hoje que, ironicamente, temos uma outra classe aparentemente torta dar as caras na mídia. E, principalmente, após o grande herói da operação lava-jato ter ocupado um cargo de ministro da justiça no atual governo. A realidade, afinal, dá uma rasteira no binarismo, à dualidade (do bem e do mal) simplificadora de um pensamento de classe média ansioso por resolver absolutamente tudo.