Advocacia Pública e Independência Funcional dos Procuradores do Estado

A Advocacia Pública recebeu tratamento destacado da Constituição Federal de 1988. Ganhou seção específica (seção II) dentro do capítulo das “Funções Essenciais à Justiça”, apartada de outra seção que cuida da advocacia em geral e da defensoria pública (seção III).

Nessa seção II, o Art. 131 cuida da Advocacia-Geral da União e o Art. 132 cuida dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal. Estes serão “organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas” (caput do Art. 132, com redação dada pela emenda constitucional nº 19/98).

No âmbito regional, a Constituição do Estado de Sergipe prevê que “A Procuradoria Geral do Estado é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa o Estado, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo” (caput do Art. 120), no que reproduz para a Advocacia Pública Estadual as características da norma da Constituição Federal que trata da Advocacia-Geral da União (Art. 131, caput).

A lei complementar estadual nº 27, de 02 de agosto de 1996 (com modificações efetuadas pelas leis complementares estaduais nºs 58/2001, 75/2002, 102/2004, 115/2005 e 139/2006), cumprindo o objetivo traçado pela Constituição Estadual, “institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral do Estado de Sergipe e dá providências correlatas”.

Ao fazê-lo, estabelece que os princípios institucionais da Advocacia-Geral do Estado são a “unidade, indivisibilidade e independência funcional, nos termos do Art. 133 da Constituição Federal” (Art. 2º). Unidade, indivisibilidade e independência funcional que devem, concomitantemente, nortear as atividades precípuas da instituição, sempre na perspectiva do atendimento do interesse público.

Assim é que a lei complementar estadual nº 27/1996 organiza a Advocacia-Geral do Estado, traçando-lhe suas funções institucionais (Art. 3º) e delineando suas competências (Art. 4º). Para garantia de seus princípios institucionais da unidade e da indivisibilidade, cria órgãos internos como a Procuradoria-Geral do Estado, o Conselho Superior da Advocacia-Geral do Estado, a Subprocuradoria-Geral do Estado, a Corregedoria-Geral da Advocacia-Geral do Estado, as Procuradorias Especializadas e os Órgãos de Apoio e Assessoramento (Art. 5º), detalhando as competências e a forma de exercício de suas atribuições por cada qual.

É nesse espaço organizacional que os Procuradores do Estado exercem a sua independência funcional, sem perder de vista a noção de unidade e indivisibilidade da instituição. Nesse diapasão, aos Procuradores do Estado incumbe “desempenhar com zelo e presteza os serviços a seu cargo e os que, na forma da lei, lhe forem atribuídos pelo Procurador-Geral” (Art. 71, inciso I). E quais são os serviços a seu cargo? Aqueles que lhe forem expressamente atribuídos pelo Procurador-Chefe da Procuradoria Especializada em que se encontrem lotados. É a dicção do Art. 21 da lei mencionada:

 

Art. 21. Cada Procuradoria Especializada será dirigida por um Procurador-Chefe, indicado pelo Procurador-Geral, dentre os Procuradores do Estado, competindo-lhes as seguintes atividades em cada área específica:

I – orientar e coordenar o funcionamento da unidade;

II – distribuir os processos administrativos e/ou ações judiciais que lhe forem encaminhadas;

III – conhecer dos pareceres emitidos pelos Procuradores do Estado que servirem junto à respectiva unidade, submetendo-os ao Procurador-Geral, com as observações complementares que entender necessárias;

IV – promover reuniões para discussões de assuntos pertinentes às atividades de sua Procuradoria;

V – elaborar mapa mensal dos feitos judiciais em andamento, remetendo-os ao Corregedor-Geral do Estado;

VI – encaminhar relatório semestral ao Corregedor-Geral do Estado;

VII – prestar ao Procurador-Geral ou ao Subprocurador-Geral do Estado, bem como ao Corregedor-Geral da Advocacia-Geral, as informações e esclarecimentos sobre matérias que lhe forem submetidas, propondo as providências que julgar convenientes;

VIII – executar outros encargos correlatos que lhes sejam atribuídos pelo Procurador-Geral (grifou-se).

 

Ou seja: recebido o processo administrativo ou judicial que lhe foi encaminhado pelo Procurador-Chefe da Procuradoria Especializada em que atue, o Procurador do Estado é funcionalmente independente para a análise jurídica do caso e o seu equacionamento, bem como para os devidos encaminhamentos que, em se tratando de pareceres, devem ser submetidos ao Procurador-Chefe e em seguida ao Procurador-Geral, a quem compete a respectiva aprovação (Art. 7º, inciso XIII).

Fácil perceber que a independência do Procurador do Estado não lhe confere a prerrogativa de tomar iniciativas isoladas, à revelia do Procurador-Chefe da Procuradoria Especializada. Isso porque essa iniciativa isolada estica a corda da independência a ponto de comprometer a unidade e a indivisibilidade da instituição, com claro prejuízo ao interesse público. A atuação isolada do Procurador do Estado, à revelia do Procurador-Chefe da Procuradoria Especializada, permitiria a ocorrência da anômala situação jurídica de ter-se o Estado em juízo propondo ações contraditórias ou com pedidos incoerentes, incongruentes ou contrapostos, ou ainda propondo ações com objetivo de invalidar pareceres aprovados pelo Procurador-Geral. Propiciaria, por exemplo, que o mesmo Estado pudesse ser autor de ações judiciais em face de determinado ato administrativo, uma com a finalidade de obter declaração judicial de sua validade, outra com a finalidade de obter declaração judicial de sua invalidade, porque ações propostas a partir de iniciativas isoladas de diferentes procuradores que possuem pontos de vista distintos sobre a validade jurídica do hipotético ato administrativo. O que seria, à toda evidência, uma teratologia.

E o que o Procurador do Estado pode fazer, enquanto procurador – na hipótese de não lhe ter sido atribuída determinada missão ou não lhe ter sido distribuído determinado processo, judicial ou administrativo – em situação em que vislumbre lesão ao interesse público ou lesão ao erário? Pode, no exercício de sua independência, mas sem perder de vista a unidade e a indivisibilidade da Advocacia-Geral do Estado: a) propor ao Procurador-Chefe da Procuradoria Especializada que promova “reuniões para discussão de assuntos pertinentes às atividades de sua Procuradoria” (Art. 21, inciso IV), onde terá espaço para apresentar seu olhar sobre o tema e tentar convencer da necessidade de sua prevalência; b) “representar ao Procurador-Geral sobre irregularidades, desde que afetem o bom desempenho de suas atribuições” (Art. 71, inciso IV – competência dos Procuradores do Estado); c) pedir ao Conselho Superior da Advocacia-Geral do Estado “reconsideração de atos praticados pelo Procurador-Geral do Estado e pelo Subprocurador-Geral do Estado, pelo Corregedor-Geral e pelos Procuradores-Chefes de Procuradorias Especializadas” (Art. 9º, inciso IX); d) provocar o Procurador-Geral do Estado para que este proponha ao Conselho Superior da Advocacia-Geral do Estado pronunciamento “sobre matéria de caráter institucional” (Art. 9º, inciso II).

A independência funcional do Procurador do Estado é, portanto, prerrogativa indispensável ao bom exercício de suas funções e ao eficiente desempenho da Advocacia Pública como um todo. Todavia, essa independência está limitada ao concomitante atendimento dos demais princípios institucionais da Advocacia-Geral do Estado (unidade e indivisibilidade). De outro modo o que se tem é o transbordamento dos limites legais de suas atividades, o que não é compatível com a subordinação das condutas de todos os agentes públicos aos comandos da lei, expressão da democrática vontade geral da sociedade.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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