Afagos e pontapés Vivemos uma época de inconformidades. Por apanhar a vida inteira, quando somos afagados mostramos logo as nossas unhas com medo. Dois gatos foram trazidos pela mãe na boca para minha casa. Depois que desmamaram ela os trouxe e deixou lá. Ainda os amamentou por um mês, deixando-os depois definitivamente. Eu nunca entendi o por que ninguém nunca conseguiu acariciá-los, colocá-los no colo ou mesmo pegá-los. Com o tempo eles foram ficando mais dóceis, mas sempre muito assustados, prontos para azunhar quem chegasse perto ou fizesse qualquer menção de afago. Com o tempo fui percebendo que há pessoas que também são assim, são selvagens, ásperas na essência. Vejo isto a cada momento. Homens que têm pavor a um afeto público, odeiam quando a namorada diz que ama, tem pavor a mãe falando como criança pra eles e não suportam elogios, desconfiam de tudo, odeiam terno de outra cor sem ser o preto, têm pavor a ousadias ou algo que fuja do preestabelecido e, aí vem uma montanha de preconceitos que vão desde cor, destino sexual, idade, nacionalidade, condição financeira e etc. Nas minhas conversas diárias com as pessoas e convivência com amigos, ficou claro que existem aquelas que sempre vêem o mal em tudo. Se recebem uma roupa de presente a pessoa está chamando de gorda porque comprou um número a mais; se o perfume não é francês a pessoa está achando que ela é pobre; e se foram flores ou bombons quer levar para cama. Existe, no fundo, nessas pessoas uma crueldade íntima. Um ódio secreto. Elas são más na essência. Estão sempre na auto-defesa, no ataque, como os gatos da minha casa trazidos pela mãe. Você pode enchê-las de presente, de declarações de amor, escrever, telefonar, abrir o coração, mas são sempre implacáveis, possuem a síndrome do amante traído,rejeitado, como Lolita em Nabokov. Mas não é isso que quero chamar a atenção. Essas pessoas que preferem os pontapés aos afagos são as mais sórdidas que já conheci. São capazes de tudo pelo dinheiro, pelo poder, pelo sexo, por toda sorte de ganho. Não acreditam na amizade genuína, só acreditam no afago pelos pés. Conseguem inclusive transformar corações bons em corações selvagens, e usam Deus, versículos, confissões de profetas, pedras, dicionários, mapas astrais e imagens de toda sorte de “iluminações” para convencer a sua própria auto-estima de que só pode mesmo acreditar nestes seres que já morreram porque não estão mais vivos para discordar. Há crianças que já são más desde cedo. Há outras que a um simples afago se derretem. O filho especial de um amigo meu, o André Lee, com encefalite cerebral, ao se despedir de mim no carro, disse “te amo meu amor”. Por isso nada tem a ver com o cérebro sadio, o comportamento de auto-defesa. Muito bom se essas pessoas pudessem dormir com leões, ursos, gatos, cobras, políticos e assassinos frios. Elas poderiam com esta convivência decifrar o próprio enigma: lobos e cordeiros podem conviver, eles com eles mesmos, elas com elas mesmas. “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós vestidos de cordeiros mas por dentro são lobos vorazes” . É isso.
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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