“Herói é todo homem ou mulher que desempenha um papel principal em qualquer acontecimento ou ação importante.” Lorna Catford & Michel Ray – The path of the Everyday Hero, 1991 Acredito que a maioria das pessoas da minha geração passou a sua infância embalada por heróis muitos especiais: mocinhos do faroeste, “superman”, “tarzan”, “flash-gordon”, “batman e robin”, “zorro” e muitos outros heróis eletrizantes que sempre apareciam nos momentos mais especiais, seja para salvar a mocinha, seja para salvar os pobres e oprimidos.
Lembro da minha infância quando ia ao cinema e no momento em que as “séries” [1] começavam era uma gritaria generalizada de euforia e, muitas vezes, até os adultos acompanhavam. Momentos de muita magia, esperados ansiosamente, a cada semana, para uma matinê do sábado, quando nossos heróis apareciam nas telas e a nossa adrenalina ia para o espaço.
Os anos passaram, os heróis se foram em sua maioria e, por mais incrível que possa parecer, muitas pessoas continuam esperando pelo zorro, pelo superman ou por um sinal do morcego no ar. Hoje em dia, infelizmente, os heróis são outros, ora são os astros televisivos, ora são os colarinhos brancos que impregnam os noticiários de impunidade cínica, ora são os chefes do chamado “crime organizado”. Como a impunidade grassa e na verdade só vai para a cadeia aqueles que não possuem condições para pagar um bom advogado, tudo continua como dantes. Nada mudou muito, mas os heróis sumiram de verdade são cada vez mais escassos.
Constatamos que muitas pessoas não percebem que não podem nem devem viver sempre à espera de um herói que venha resolver um problema; todavia, isso está impregnado na cultura brasileira. Culpa de quem? De ninguém, apenas da realidade do modelo e das experiências culturais que nos foram oferecidas.
Confiamos cegamente num político que adotamos como herói, e que acreditamos e esperamos que o mesmo vá “salvar a pátria” e esquecemos, muitas vezes, que ele tal qual nós foi criado no mesmo modelo em que os heróis apresentados falavam inglês, montavam cavalos, carros-foguetes ou possuíam uma capa que os deixavam voar para onde quisessem. Todavia, o mais importante de tudo, e é o que está gravado no nosso inconsciente é que esses heróis resolviam todos os problemas, dos mais simples aos mais homéricos.
Esse mito do herói permeia em muitas organizações. É a realidade do dia a dia, na qual os funcionários, muitas vezes até bem graduados, despejam a responsabilidade por tudo que acontece de errado, preferencialmente, no seu chefe imediatamente superior. Essa pessoa poderosa é um “semi-deus” que controla a vida, a alegria, a felicidade e a esperança de todos na organização. Todavia, o pior de tudo é que esse deus do Olimpo, na maioria das vezes nem sabe que assim está classificado.
Trata-se de uma solução extremamente cômoda e de pouca inteligência quando sem querer ou perceber as pessoas delegam o seu poder pessoal de decisão a um indivíduo, o qual muitas vezes, por suas próprias responsabilidades, tarefas e preocupações peculiares ao cargo, não pode nem deve conhecer tudo que se passa nos famosos meandros e subterrâneos da organização.
Assim sendo, se um gestor quer se livrar de um funcionário não produtivo, adivinhe quem mandou demitir? Isso mesmo, o “poderoso chefão” foi quem decidiu e sabem como isto irá acontecer? Leia abaixo:
“Olha, José, você sabe como gosto de você, do seu trabalho, considero você um excelente funcionário, mas acontece que o chefão encontrou você na cantina tomando um cafezinho na hora do expediente e não gostou, ligou para mim e me mandou demiti-lo imediatamente. Tentei argumentar, falei das suas qualidades, da sua importância para a empresa, falei tudo o que pude, mas, infelizmente, ele foi irredutível. Sinto muito, passe no setor pessoal para assinar a sua demissão.”
Essa é uma realidade de centenas de organizações. O mais interessante de tudo é que o “chefe bonzinho” não percebeu ainda e, muitas vezes, passa toda a sua vida e não percebe que ele mesmo foi o maior perdedor nessa parada. Quem se desmoralizou por não assumir o ônus do seu cargo foi ele mesmo e, cedo ou tarde, irá pagar caro por essa falta de preparo.
Toda vez que um gestor declina para um outro o seu poder de decisão atribuindo uma decisão natural do seu cargo a um chefe imediato ou a uma diretoria, vai afundando pouco a pouco no lamaçal da mediocridade. E esse, quase sempre, é um caminho sem retorno, sem volta e sem segunda chance.
Infelizmente, é ainda um modelo bem brasileiro, ele aparece em centenas de organizações, grandes, médias e pequenas porque as pessoas não foram preparadas para enfrentar a vida como ela é; a maioria de nos fomos preparados em toda a vida escolar para encontrarmos um bom emprego[2], para garantir o “pão de cada dia”, como ouvimos as pessoas dizerem constantemente. Mas, a nossa realidade é diferente, não existem empregos bons e seguros para todos. Além do mais acredito que na maioria das vezes não são as empresas quem demitem as pessoas; essa decisão inicial parte do próprio quando ele não descortina o mundo de oportunidades no seu trabalho, não se torna indispensável e não cresce na velocidade esperada pela empresa. Portanto, cada vez mais se faz necessário que prepare as pessoas para a vida, para os desafios, para os obstáculos, para buscarem soluções não pensadas e assim conseguirem viver com dignidade e muitas vezes sem necessariamente terem um chefe ou um padrão à sua volta.
Tudo na vida é uma questão de escolhas, e todas as vezes que escolhemos precisamos, antes de qualquer coisa, pensar se estamos prontos e preparados o suficiente para pagarmos o preço da escolha que fizemos. Se não estamos prontos ainda é melhor nem arriscar porque o arrependimento virá cedo ou tarde com certeza velozmente e a galope.
Assim sendo, como muito cedo fomos preparados para o emprego e não para a vida, ao chegarmos às organizações procuramos, muitas vezes, adivinhar o que o nosso “chefe” pensa, procuramos copiar a sua “alma”, a sua “essência” porque acreditamos que assim agindo estamos “garantindo” o nosso emprego, a nossa sobrevivência e estamos sendo profissionalmente corretos. È muito comum encontrarmos em organizações gestores que não possuem identidade própria, eles são cópias dos seus chefes, tem os mesmos “tiques nervosos”, as mesmas posturas, o mesmo estilo.
É bem verdade que muitos gestores maiores acham isso bonito, e até acreditam que a sua equipe de “cordeirinhos” está pronta para ir à luta; todavia ai está o grande perigo. A inteligência e a estratégia organizacional nos dizem que devemos ter na nossa assessoria pessoas preparadas, que dominem suas especialidades, inteligentes, mas principalmente que possuam brilho próprio e personalidade para dizer que não concordam com uma determinada decisão, seja ela tomada pelo gestor maior ou por uma diretoria, quando essa decisão lhes parece, como base no conhecimento que possuem errada ou prejudicial à organização.
São posições como estas que fazem as organizações darem saltos quânticos, crescerem e se expandirem. As organizações que mais cresceram na última década foram justamente aquelas que permitiram que os seus gestores exprimissem suas idéias, participassem de decisões, atuassem no seu planejamento estratégico, delegassem mais e, sobretudo, pudessem exprimir as suas opiniões sempre que se fizesse necessário.
Cada vez mais o pensamento criativo impregna as organizações, porque só através do seu exercício constante as pessoas se sentem preparadas para divergir (receber o novo, adiar o julgamento, buscar novas idéias) e depois convergirem (julgar afirmativamente, manter o foco e buscar a qualidade). No mundo competitivo que se descortina não existe mais lugar para os super-heróis organizacionais, cada vez mais é necessários a colaboração, o pensamento sistêmico, a proatividade e a velocidade na capacidade de decidir e quem não conseguir acompanhar essa velocidade, vai sempre estar olhando para o céu da organização esperando que o “superman” voando ou um sinal do morcego no ar para acalmá-lo. Infelizmente, ou felizmente, os tempos são outros e esses tipos de heróis precisam rapidamente serem esquecidos e substituídos, de preferência por gente de carne e osso, mas que pense…
[1] Seriados de pequena duração que antecediam os filmes em cartaz.
[2] De preferência numa instituição governamental, segura, que não nos demita.