Ainda o Futuro da América de Simon Schama.

Ao encerrarmos o artigo anterior no qual discutíamos a festejada obra do historiador Simon Schama, “O Futuro da América”, questionamos, à luz da recente ação do presidente Barak Obama, “assassinando” ou “justiçando”, o terrorista Osama Bin Laden, a bucaneira e atrabiliária invasão do território paquistanês, em absoluto desrespeito às convenções e acordos internacionais.

Perguntávamos se tal ato de ousadia, pirataria mesmo, não seria a reedição da velha política de Theodore Roosevelt, de falar macio, e ser hábil e mais contundente no manejo de um grande porrete.

Porque a chegada ao salão oval da Casa Branca de um “afro-americano”, portando nome estranho de parecer infiel, por islamita, (Barack Hussein Obama II, mistura de um economista nativo do Kénia, que lhe deu nome completo, e de uma antropóloga americana, Ann Dunham, de Wichita, no Kansas), ensejara expectativas de convívio ameno e polido, uma esperança de novos métodos e de novos tempos.

E também, porque o discurso de Obama embevecera o mundo, parecendo a reedição de um fato novo, com alvíssaras de culto à liberdade dos povos, mais festejado que o próprio John Kennedy, o último Presidente Democrata destacável, campeão contra a intolerância racial, que assassinado restou em meio a um sorriso suave, seu melhor epitáfio.

Kennedy, que fora como Abraham Lincoln, um misto deflagrador de boas novas, continuou um ousado defensor de velhas ações guerreiras, bem cientes da manutenção territorial, sem a qual a América não teria maior futuro.

Mas, a temática de Schama, perquire a história americana norteada na criação de uma nação democrática, única no mundo, na qual aos homens fosse possível a realização plena em felicidade, onde todos fossem iguais e cidadãos, onde não vigessem interesses opressivos e escorchantes, como aqueles da britânica lei imperial, no qual os interesses individuais e coletivos se submetiam aos do Rei e de seu parlamento de nobres, império do qual o povo não participava.

E isso não se esperaria numa verdadeira República, onde todos fossem iguais, afinal a união daquelas treze colônias pioneiras, em ótica, tão romântica quão sublime, mas tão pragmática quão necessária, se fizera para unidade e combate ao impiedoso dominador inglês.
Ora, o domínio inglês, repelido pela nascente América, sempre fora duro, inflexível, concentrador. Nenhum povo colonizara tantos povos com força mais cruel.

Que o diga a sua história de dominação protetora, ou melhor, que o diga a maneira como os ingleses, mundo afora, foram banidos e expulsos do seu antigo império além mar, porque não houve povo mais agressivo na manutenção das suas conquistas imperiais em todos os quadrantes da terra.

Onde erigiram suas barracas de acampamento, os ingleses só saíram à força do sabre e do canhão, mesmo nos últimos tempos com os conflitos de libertação da Índia, sufocados por gigantesca e monumental massa humana a rebelar-se.

Fatos repetidos em sangrias mais recentes na Irlanda, onde os massacres ainda ressoam na voz de Bono Vox, e sua internacional denúncia; em “Sunday Bloody Sunday” ( http://www.youtube.com/watch?v=JFM7Ty1EEvs ), cantada e repetida por jovens e velhos no mundo inteiro: “Não posso acreditar nas notícias de hoje / Não posso fechar os olhos e fazê-las desaparecer / Quanto tempo, quanto tempo teremos de cantar esta canção? /… / E a batalha apenas começou / Há muitos que perderam, mas me diga: quem ganhou? / As trincheiras cavadas em nossos corações / E mães, filhos, irmãos, irmãs dilacerados. /…/ Domingo, sangrento domingo // Quanto tempo, quanto tempo teremos para cantar esta canção.”

Pois bem! Os pais fundadores da Nação Unionista, à frente George Washington, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, se vivo estivessem conosco no vigor de sua ação, por certo acompanhariam Bono Vox nesta sua canção, pregando concórdia e tolerância.

E é abordando este contexto que Simon Schama insere os postulados balizadores da jovem nação suscitando tanta esperança para o mundo, que até a França se abeberou desta nova doutrina, fazendo a sua grande Revolução, em embriaguez tão traumática, quão definidora da finitude monárquica, que ousou decapitar reis e deuses, estabelecendo o império da lei, norteado no laicismo e nos direitos universais do homem.

Se nos Estados Unidos vingou a primeira República no estilo pensado por Montesquieu, com o esboço tripartite de poder, executivo, legislativo e judiciário, a concepção federalista fora realmente um fato novo, afinal a nacionalidade nascente se firmava no respeito à independência dos treze estados membros, com suas leis e costumes.

Mas, o belicismo americano viria repelindo este germe de fraqueza, inerente à descentralização federalista, prevalecendo uma política de centralização unionista, diante de inúmeras dificuldades de ordem administrativas.

A cobrança de impostos foi, por exemplo, algo implantado com dificuldade pela União nascente, afinal a luta pela independência fora fulcrada contra tal arrecadação imposta pelo Rei.

Como fazê-lo agora, dizendo que não era para o rei, mas destinada ao poder central tão distante da União?

Por outro lado, como conseguir recursos para executar políticas de governo, entre elas a institucionalização de um exército, para defesa permanente da nação?

É neste ponto que Simon Schama destaca duas correntes que permanente se fizeram e continuam na história americana, como “pombas e falcões”, porque até a criação de um exército nacional regular, defendido por Alexandre Hamilton, fora relutantemente adiado. Alguns, como Thomas Jefferson, que viria muito tempo depois criar a academia de West Point, achavam a instituição de um exército regular, uma excrescência imperial inglesa a ser evitada, por incompatível com uma república de democracia plena.

Thomas Jefferson, homem de sentimentos puros e cultor da liberdade.

Era a negação tola do velho brocardo latino “Si vis pacem, para bellum”. (Se queres a paz, prepara-te para a guerra).

Se George Washington fora o timoneiro equilibrado dos primeiros momentos da jovem nação, Thomas Jefferson e Alexandre Hamilton inauguraram estas duas correntes majoritárias.

De Thomas Jefferson viria um pensamento liberal, norteado no livre pensar, na valoração do homem, enquanto dono do seu destino.

À criação de uma Academia Militar, Jefferson preferia erguer uma grande Universidade Americana. Neste particular foi o fundador da Universidade da Virgínia.

Já Hamilton, era um homem sem sonhos românticos ou utópicos de uma república democrática perfeita, que jamais suscitaria inimigos, satisfazendo todos os anseios ditados pelo desejo livre dos homens sem peias nem limites, e, sobretudo, sem cobranças de impostos.

Ora, não se ergue um edifício sem recursos financeiros, muito menos uma nação.

Alexander Hamilton, pragmático e não afeito a ideais românticos, desejava criar um exército americano forte.

E logo houve a necessidade da arrecadação de impostos pela União, um tema repelido e só vencido, como previsto, à força do sabre e da pólvora; uma taxa que deveria ser bem justa e aceita, por ser cobrada no consumo do uísque, supremo pecado para os puritanos, suscitaria motim e revolta.

Talvez, uma questão de sorriso, afinal os puritanos, mesmo hoje, ainda não acham graça na galhofa poética de Vinícius de Morais: “o uísque é o supremo amigo do homem; o cachorro engarrafado.”

E assim a República Americana, com dez mil soldados de um exército de voluntários, para defender um território tão vasto quanto das Treze Colônias Unionistas, se viu ameaçada de desagregação, já em 1791, com a chamada “Rebelião do Uísque”. Rebelião só vencida com a mobilização das milícias dos Estados Membros e um crescimento temporário dos alistamentos.

Algum tempo depois, em 1802, vinte e seis anos após a reunião inicial de Independência na Filadélfia, o Congresso Americano superou tal discussão aprovando a criação da Academia Militar dos Estados Unidos.

Academia Militar de West Point, às margens de uma curva estratégica do rio Udson.

Surgia então a Academia de West Point, erigida numa curva estratégica do Rio Hudson, ponto de defesa contra os inimigos do norte, do oeste e do sul, bastião de defesa de Washington, a capital.

E, mais que isso, destaca Simon Schama; “a West Point de Jefferson foi fundada para negar aos Estados Unidos seus Césares (dos quais, Jefferson suspeitava, Hamilton poderia aspirar a ser o primeiro) e para assegurar a permanente vitória do liberalismo sobre o militarismo.”

E assim, em bicentenária história, West Point tem sido um testemunho de submissão militar aos guardiões civis da democracia.

Ali não vigeu a conspiração castrense, nem os golpes militares tão comuns em outras repúblicas; no Brasil, por exemplo.

Se os Estados Unidos tiveram muitos presidentes-soldados, sua história  constata “que eles deixaram para traz suas espadas e uniformes (mas não suas histórias de guerra) quando partiram para as campanhas eleitorais”.

Nestes duzentos anos, “West Point tem sido uma sentinela contra, e não a favor do poder marcial”.

Para Simon Schama, isso aconteceu porque fora assim a intenção do homem que a fundou (Thomas Jefferson em 1802) e que, assim legou como sua missão, em discurso pronunciado, duzentos anos passados, em 1811: “a paz tem sido o nosso princípio, a paz é o nosso interesse e a paz tem guardado para o mundo esta única planta de governo livre e racional que existe hoje no planeta.”

Mas, se há muita intenção boa, a realidade tem sido mais cruenta, e a história americana tem exibido um debate entre falcões e pombas, sempre respeitando ao que eles entendem como verdade e liberdade.

Um assunto para muita discussão, sobretudo porque os Estados Unidos, uma vez vencendo os ingleses em 1812, viveriam dias de tragédia fratricida, e se tornariam imperiais e intolerantes, mundo afora.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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