A jornada empreendedora é repleta de desafios e recompensas, um caminho onde a inovação e a resiliência são moedas de troca. Muitos empresários, ao longo de suas carreiras, constroem não apenas negócios, mas também o lar que abriga suas famílias, um refúgio de segurança e estabilidade. A casa própria, para a maioria, representa a materialização de anos de trabalho árduo, um patrimônio que se acredita estar blindado contra as intempéries do mundo dos negócios. Mas e se essa crença, tão arraigada, não for mais uma verdade absoluta? Uma recente e impactante decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tema 1.261, proferida em junho de 2025, trouxe à tona uma flexibilização significativa na proteção do bem de família, acendendo um sinal de alerta para todos os que dedicam suas vidas ao empreendedorismo.
Você realmente conhece os riscos que seu patrimônio familiar pode estar correndo em função de suas atividades empresariais?
O Escudo do Bem de Família: Uma Proteção em Evolução
Desde a promulgação da Lei nº 8.009/1990, o conceito de bem de família tem sido um pilar fundamental na proteção social e econômica do cidadão brasileiro. A intenção legislativa era clara: garantir que o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar fosse impenhorável e não respondesse por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, salvo as exceções expressamente previstas em lei. Era um verdadeiro escudo, concebido para preservar a dignidade da família e seu direito à moradia, mesmo diante de reveses financeiros.
Historicamente, a jurisprudência brasileira tem sido robusta na defesa dessa impenhorabilidade, interpretando a lei de forma a maximizar a proteção do lar. Contudo, o dinamismo do cenário econômico e a complexidade das relações empresariais têm provocado o Judiciário a reavaliar certas premissas. O empreendedorismo, que é o motor da economia, muitas vezes exige garantias e riscos que, até então, pareciam não tocar o bem de família. A questão que se impõe é: como equilibrar a proteção do lar com a segurança jurídica das relações comerciais e a responsabilidade dos empresários? É nesse contexto que a recente decisão do STJ se insere, marcando um ponto de inflexão na interpretação do instituto.
As Novas Fronteiras da Penhora: O Que Mudou na Prática?
A decisão do STJ no Tema 1.261, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, em junho de 2025, representa um marco. O Tribunal Superior, ao analisar a questão da penhora do bem de família de empresários, fixou duas teses que alteram substancialmente o panorama de proteção.
Em termos práticos, a primeira tese estabelece que a impenhorabilidade do bem de família pode ser afastada quando o imóvel é dado em garantia hipotecária ou fidejussória (como fiança) para dívidas contraídas em benefício da própria entidade familiar ou da empresa da qual o proprietário é sócio. A chave aqui é o “benefício da entidade familiar ou da empresa”. Isso significa que, se você, como empresário, ofereceu seu imóvel residencial como garantia para um empréstimo que beneficiou sua empresa – seja para capital de giro, expansão ou qualquer outra finalidade empresarial –, essa proteção pode ser relativizada.
A segunda tese, não menos importante, inverte o ônus da prova. Antes, cabia ao credor provar que a dívida não se reverteu em benefício da família ou da empresa. Agora, é o devedor (o empresário) quem deve demonstrar que a garantia não foi dada em benefício da entidade familiar ou da empresa. Essa mudança é sutil, mas de impacto gigantesco, pois coloca sobre os ombros do empresário a responsabilidade de comprovar que seu bem de família não deve ser penhorado, caso tenha sido oferecido como garantia.
Imagine a seguinte situação: antes, seu lar era como uma fortaleza impenetrável, a menos que o credor conseguisse provar que você o usou para fins não protegidos. Agora, se você o usou como garantia para sua empresa, a fortaleza tem uma porta que pode ser aberta, e cabe a você provar que ela deveria permanecer fechada. Essa é a nova realidade.
Você Realmente Conhece os Riscos de Suas Garantias Empresariais?
A decisão do STJ nos convida a uma reflexão profunda sobre a forma como os empresários gerenciam seus riscos e protegem seu patrimônio. Por anos, a máxima de que “a casa não se mexe” foi um mantra de segurança. Contudo, a realidade jurídica se mostra mais complexa e dinâmica.
Quantos empresários, em momentos de necessidade ou de oportunidade de crescimento, não hesitaram em oferecer seu imóvel residencial como garantia para obter financiamentos, empréstimos ou para avalizar dívidas de suas empresas? Acreditava-se que, em última instância, a Lei do Bem de Família seria o porto seguro. Essa crença, agora, precisa ser revista.
Pense nos cenários:
● Empresas Familiares: Onde a linha entre o patrimônio pessoal e o empresarial é frequentemente tênue, e as decisões são tomadas em um contexto de confiança mútua. Um sócio que oferece seu imóvel como garantia para a empresa familiar pode, sem perceber, expor não apenas seu próprio lar, mas também o futuro de sua família.
● Sócio Minoritário vs. Sócio Majoritário/Único: As responsabilidades e os riscos podem ser desiguais. Um sócio minoritário que, por lealdade ou pressão, oferece seu bem de família como garantia para uma dívida da empresa, pode se ver em uma situação de vulnerabilidade extrema, mesmo que sua participação nos lucros e na gestão seja limitada.
● Impacto Sucessório e Planejamento Familiar: A exposição do bem de família não afeta apenas o empresário em vida. Em caso de falecimento, a dívida pode recair sobre os herdeiros, comprometendo o planejamento sucessório e o futuro financeiro da família, que pode se ver desprovida de seu lar.
A pergunta que ecoa é: você tem clareza sobre todas as garantias que já ofereceu em nome de sua empresa? Você compreende as implicações de cada documento assinado, de cada aval concedido? A proteção que você imaginava ter pode não ser tão sólida quanto parecia.
Riscos Reais: Onde a Proteção do Seu Lar Pode Falhar
A flexibilização da impenhorabilidade do bem de família para empresários não é um mero detalhe jurídico; é uma mudança que expõe a riscos concretos e tangíveis. A maioria dos empreendedores, focada no dia a dia de seus negócios, não se preparou para essa nova realidade.
Vejamos algumas situações de vulnerabilidade que podem surgir:
1. Garantias Pessoais em Contratos Empresariais: Muitos empresários, ao buscar financiamentos bancários ou linhas de crédito para suas empresas, são solicitados a oferecer garantias pessoais, incluindo hipotecas sobre seus imóveis residenciais. A partir de agora, a alegação de que o imóvel é bem de família pode não ser suficiente para afastar a penhora, se o empréstimo beneficiou a empresa.
2. Aval ou Fiança em Dívidas de Terceiros (Empresariais): Se você avalizou ou foi fiador de um contrato de locação comercial, de um empréstimo para um parceiro de negócios ou para a própria empresa, seu bem de família pode ser alcançado. A presunção é que essa garantia foi dada em benefício da atividade empresarial.
3. Reestruturação de Dívidas: Em momentos de crise, empresários frequentemente renegociam dívidas, e, para isso, podem ser compelidos a oferecer novas garantias, incluindo o imóvel residencial. Sem o devido cuidado, essa renegociação pode se tornar uma armadilha.
4. Desconsideração da Personalidade Jurídica: Em casos de fraude ou confusão patrimonial, a justiça pode desconsiderar a personalidade jurídica da empresa para atingir o patrimônio pessoal dos sócios. Com a nova interpretação, o bem de família pode se tornar um alvo mais acessível.
5. Planejamento Sucessório Inadequado: A ausência de um planejamento sucessório e patrimonial bem estruturado pode deixar o bem de família desprotegido. Em caso de falecimento do empresário, as dívidas empresariais podem recair sobre o imóvel, comprometendo o futuro dos herdeiros.
6. Falta de Documentação Adequada: Com a inversão do ônus da prova, a ausência de documentos que comprovem que a garantia não beneficiou a empresa ou a família pode ser fatal. A organização e a clareza na documentação de todas as operações financeiras e garantias se tornam cruciais.
Esses cenários demonstram que a gestão de risco patrimonial para o empresário se tornou uma tarefa ainda mais complexa e urgente. A vulnerabilidade é real, e a exposição do seu patrimônio mais valioso é uma probabilidade que não pode ser ignorada.
A Solução Está ao Seu Alcance: Proteja Seu Patrimônio Familiar
Diante desse novo cenário, a inação não é uma opção. É fundamental que empresários e suas famílias ajam proativamente para proteger seu patrimônio. A boa notícia é que existem medidas concretas e eficazes para mitigar esses riscos e garantir a segurança do seu lar. A solução não é complexa, mas exige conhecimento especializado e um planejamento estratégico.
Você está realmente seguro? Ou a tranquilidade que você sente hoje pode ser uma ilusão diante das novas interpretações legais?
Não espere que a adversidade bata à sua porta para buscar soluções.
Alessandro Guimarães é sócio-fundador do escritório Alessandro Guimarães Advogados.E-mail: alessandro@alessandroguimaraes.adv.br