Antes de Receber as Chaves: A Entrega das Chaves e a Dívida do Condomínio

A aquisição de um imóvel é, para muitos, a realização de um sonho. Contudo, a jornada entre a assinatura do contrato e a posse efetiva das chaves pode ser repleta de nuances jurídicas que, se ignoradas, transformam a alegria da conquista em uma inesperada dor de cabeça financeira. Uma dessas nuances, frequentemente mal compreendida, diz respeito à responsabilidade pelo pagamento das taxas condominiais.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe à tona um entendimento crucial que reforça a importância da atenção aos detalhes no processo de compra e venda de imóveis. A decisão, que repercutiu no cenário jurídico, estabelece que o comprador registrado na matrícula do imóvel responde pelas despesas de condomínio, mesmo que ainda não tenha recebido as chaves da propriedade.

O Marco da Responsabilidade: O Registro Imobiliário

Para compreender essa decisão, é fundamental revisitar os pilares do nosso Direito Civil. A propriedade de bens imóveis, em nosso ordenamento jurídico, não se transfere pela simples celebração de um contrato de compra e venda. Conforme preceitua o Código Civil “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.” É esse ato formal, público e solene que consolida a titularidade do bem.

Uma vez que o nome do comprador figura na matrícula do imóvel como proprietário, ele assume a condição de condômino. E, como condômino, recaem sobre ele os deveres inerentes a essa condição, incluindo a contribuição para as despesas do condomínio. As taxas condominiais possuem natureza propter rem, ou seja, são obrigações que acompanham a coisa, vinculando o proprietário do imóvel, independentemente de quem esteja na posse direta.

A decisão do STJ, portanto, alinha-se a essa lógica jurídica: se você é o proprietário legal, registrado na matrícula, a obrigação de contribuir com o condomínio já é sua. A posse física, embora relevante para outras questões, não é o fator determinante para a responsabilidade condominial.

O Dilema do Comprador: Pagar por algo que não se usa?

Essa perspectiva pode gerar um sentimento de injustiça para o comprador que, ansioso por ocupar seu novo lar, se vê obrigado a arcar com custos de um serviço que ainda não usufrui. Imagine a situação: a escritura foi registrada, mas a entrega das chaves atrasou por meses devido a problemas na obra ou burocracia interna da construtora.

Nesse ínterim, as faturas do condomínio chegam. É justo?

Do ponto de vista estritamente legal, a resposta, como visto, tende a ser sim, em relação ao condomínio. No entanto, a reflexão que se impõe é: quais são os mecanismos de proteção para o comprador diante de tal cenário?

A solução está na Prevenção e na Estratégia

Para evitar ou mitigar esse “dilema” é necessária uma análise contratual minuciosa e em uma estratégia bem definida desde as fases iniciais da negociação.

1. Análise Contratual Detalhada: O contrato de compra e venda, especialmente em casos de imóveis na planta ou em construção, deve prever expressamente a responsabilidade pelas taxas condominiais. Cláusulas bem redigidas podem estabelecer que a responsabilidade do comprador só se inicia com a efetiva entrega das chaves e a imissão na posse, ou que o vendedor (construtora/incorporadora) será responsável por eventuais atrasos.

2. Due Diligence: Antes de assinar qualquer documento, é crucial verificar a idoneidade do vendedor, o histórico da obra e os prazos de entrega. A prevenção é sempre o melhor caminho.

3. Ação Regressiva: Caso o comprador seja compelido a pagar as taxas condominiais antes da posse, ele pode ter o direito de buscar o ressarcimento junto ao vendedor que deu causa ao atraso.

A compra de um imóvel é um investimento significativo e, como tal, exige cautela e conhecimento. Não permita que a falta de informação transforme seu sonho em um pesadelo financeiro. A complexidade das relações jurídicas imobiliárias demanda uma visão estratégica e a segurança de um acompanhamento especializado.
Pense nisso: a chave para uma transação imobiliária tranquila não está apenas nas suas mãos, mas também na clareza dos seus direitos e deveres.

Alessandro Guimarães é sócio-fundador do escritório Alessandro Guimarães Advogados.

E-mail: alessandro@alessandroguimaraes.adv.br

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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