Arrendatário de terras: O STJ e o Direito de Preferência Rural

Imagine que você, como arrendatário de uma propriedade rural, investe anos de suor e dedicação no cultivo da terra, construindo não apenas uma renda, mas um verdadeiro legado familiar.

De repente, surge a notícia de que o imóvel será vendido, e você se pergunta: tenho prioridade para comprá-lo? Essa dúvida aflige muitos produtores rurais, especialmente em contextos de recuperação judicial ou alienações forçadas.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe clareza a esse tema em um julgado que reforça a proteção aos verdadeiros “homens do campo”, mas impõe limites rigorosos para evitar abusos.

No Recurso Especial nº 2.140.209/SP, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o STJ analisou a pretensão de arrendatários que buscavam exercer o direito de preferência previsto no artigo 92 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964). Os recorrentes, uma família de produtores, alegavam arrendamento de uma fazenda em Franca/SP, avaliada em cerca de R$ 6 milhões, que seria alienada no âmbito de uma recuperação judicial da empresa proprietária, Calçados Samello S.A. Eles argumentaram que não foram notificados adequadamente e que, como pequenos agricultores, tinham prioridade para adquirir o bem em igualdade de condições com terceiros.

O Tribunal de Justiça de São Paulo havia negado o direito de preempção, e o STJ manteve essa posição. Por quê? Porque o Estatuto da Terra não concede essa preferência a qualquer arrendatário, mas especificamente aos que exploram a terra de forma direta e pessoal, alinhados à função social da propriedade rural.

Os recorrentes, embora alegassem simplicidade e endividamento para obter financiamento, possuíam outras propriedades rurais, utilizavam o imóvel para criação de gado em escala empresarial e demonstraram capacidade financeira para depositar o valor integral do bem – o que os afastou do perfil de “pequeno homem do campo” protegido pela lei.

Essa decisão provoca uma reflexão essencial: o que realmente define um arrendatário protegido? Não é apenas o contrato de arrendamento, mas o contexto de vida e atividade.

No caso, o contrato de um dos arrendatários havia terminado em maio de 2021, e o depósito judicial foi considerado intempestivo. Além disso, o STJ rejeitou alegações de prejudicialidade externa com ações paralelas de despejo e declaratória, afirmando que o incidente de alienação em recuperação judicial deve prosseguir para beneficiar credores, sem tumulto processual.

Não houve surpresa decisória, pois as provas sobre o arrendamento verbal já eram discutidas em outros autos.

Essa nuance legal é crucial para quem vive do campo. Muitos arrendatários, como famílias humildes que cultivam para subsistência, enfrentam o risco de perder o chão sob seus pés sem o amparo devido.

O Estatuto da Terra visa promover a justiça social, distribuindo terras de forma equitativa, mas interpretações erradas podem excluir quem mais precisa.

O STJ nos lembra que a lei protege o pequeno produtor, mas exige prova concreta de vulnerabilidade.

 

Alessandro Guimarães é sócio-fundador do escritório Alessandro Guimarães Advogados.
E-mail: alessandro@alessandroguimaraes.adv.br

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais