Você Confiou na Palavra da Família. A Justiça, Não

Doações em Vida: Quando a Concordância dos Herdeiros NÃO evita problemas jurídicos

É comum que pais, em vida, desejem antecipar a partilha dos seus bens entre os filhos, fazendo doações com o objetivo de organizar o patrimônio e evitar conflitos no futuro. Porém, mesmo com as melhores intenções, esse tipo de ato pode gerar grandes dores de cabeça jurídicas se não for feito de forma correta e respeitando os limites estabelecidos pela lei.

Um recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe novamente esse tema à tona. No caso analisado, o pai havia transferido um imóvel para apenas um dos filhos, com a anuência expressa dos demais herdeiros. A princípio, tudo parecia estar em ordem. Contudo, anos depois, o Judiciário reconheceu a nulidade da doação por entender que ela comprometeu a parte da herança que é reservada por lei aos herdeiros necessários — a chamada “legítima”.

Mas afinal, o que isso significa?

O Que é a “Legítima”?

A legítima é uma parcela do patrimônio que obrigatoriamente deve ser reservada aos herdeiros necessários (filhos, pais ou cônjuge). De acordo com o Código Civil, metade do patrimônio de uma pessoa deve obrigatoriamente ser destinada a esses herdeiros. A outra metade pode ser livremente disposta pelo autor da herança, inclusive por meio de doações em vida.

O problema ocorre quando a doação feita em vida ultrapassa essa parte disponível e acaba invadindo a legítima. Nesses casos, ainda que todos os herdeiros tenham concordado com a doação no passado, o Judiciário pode considerá-la nula — como aconteceu nesse julgamento do STJ.

A Concordância dos Herdeiros Não Basta
É natural imaginar que, se todos os filhos concordaram, não haveria razão para contestar a doação no futuro. Mas a realidade é diferente. A lei brasileira entende que esse tipo de concordância não é suficiente para validar um ato que, por sua própria natureza, desrespeita normas de ordem pública, como a proteção da legítima.

Ou seja, mesmo que todos assinem um documento ou estejam de acordo no momento da doação, a irregularidade pode ser questionada judicialmente — inclusive por outros familiares ou por herdeiros que se sintam prejudicados no momento da abertura da sucessão.

Os Riscos de Doar Sem Planejamento

A boa intenção de antecipar a partilha pode acabar gerando insegurança jurídica, nulidade de atos, disputa entre irmãos e, em muitos casos, longas batalhas judiciais. Além disso, esses conflitos costumam emergir justamente em momentos de fragilidade emocional da família — como o falecimento de um ente querido — agravando ainda mais a situação.

Por isso, é fundamental que qualquer doação ou organização patrimonial seja feita com acompanhamento técnico adequado, respeitando os limites legais e estruturando as decisões de forma segura, clara e estratégica.

O julgamento do STJ deixa um alerta importante: doações que comprometem a legítima são nulas, ainda que haja concordância dos herdeiros.

Assim, mais do que boa vontade, é preciso conhecimento técnico para proteger o patrimônio e preservar a paz familiar.

Evitar problemas futuros passa, inevitavelmente, por um planejamento sucessório responsável e amparado pela lei. Cada família tem suas particularidades e, por isso, soluções prontas e generalizadas raramente são eficazes. O caminho seguro é sempre buscar orientação jurídica especializada e personalizada.

O melhor momento para evitar problemas futuros é agora — antes que eles aconteçam.

Alessandro Guimarães é sócio-fundador do escritório Alessandro Guimarães Advogados.
E-mail: alessandro@alessandroguimaraes.adv.br

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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