Março de 2013. Com incentivos fiscais e outros “apoios” concedidos pela Prefeitura de Aracaju e pelo Governo de Sergipe, a empresa italiana AlmavivA, especializada em telemarketing e call center, se instalou em Aracaju.
Naquele momento, o anúncio da possibilidade de geração de mais de três mil empregos diretos, sendo 600 já na inauguração da empresa, foi comemorado por representantes da PMA e do Governo do Estado. Em troca, redução do ISS, isenção do IPTU, cessão de estrutura e pessoal de órgãos públicos para o processo de contratação dos funcionários da empresa, dentre outros benefícios, foram garantidos por Edvaldo Nogueira e Marcelo Déda e mantidos por João Alves e Jackson Barreto.
Para coroar a parceria entre poder público e uma multinacional, visitas à sede da empresa no Bairro Industrial, fotos com dirigentes da AlmavivA e declarações eufóricas na imprensa a respeito do “sucesso” que representava a entrada da empresa italiana no Nordeste brasileiro.
Junho de 2015. A funcionária Barbara Souza, de 26 anos, morre durante o horário de trabalho, dentro da AlmavivA. Segundo colegas de trabalho, a jovem estava submetida a uma sobrecarga de trabalho e não recebeu imediata assistência médica da empresa, porque, ainda de acordo com colegas de Barbara, a empresa não dispõe de equipe médica aos feriados.
Mas o que há no intervalo de pouco mais de dois anos entre a chegada da AlmavivA em Aracaju e a morte de uma funcionária dentro da empresa? Alguns poderão dizer “nada, foi uma fatalidade. Poderia ter acontecido com qualquer um”.
Mas basta observarmos o histórico da AlmavivA em terras sergipanas que veremos que há muito de problemático nesse pouco tempo que guarda relação direta ou indireta com a morte de Barbara: condições precárias de trabalho, negação de direitos trabalhistas, assédio moral, perseguição, rotatividade, doenças físicas e psicológicas.
Não são poucos os relatos que já surgiram e já foram denunciados a respeito da realidade a que estão submetidos os trabalhadores da AlmavivA. Relembremos alguns.
Em setembro do ano passado, uma carta de um funcionário da empresa, lida no plenário da Câmara pelo vereador Emanuel Nascimento (PT), denunciava, por exemplo: que a empresa não depositava as passagens de transporte, alterava a carga horária dos trabalhadores, realizava descontos na mensalidade do sindicato sem autorização, o forçava a fazer hora extra e trancava a catraca para impedir a saída de funcionários em alguns momentos.
Um mês depois, em outubro de 2014, dezenas de funcionários da AlmavivA realizaram uma manifestação pública denunciando inúmeros problemas. À época, uma funcionária deu uma declaração sobre a perseguição que sofrem internamente: "Tenho um ano e um mês na empresa. Só que depois que coloquei na justiça, eles estão me perseguindo. Por sinal, hoje estou suspensa por dois dias e só volto na sexta. Quando eu voltar, eu posso até levar uma justa causa porque fui até a coordenadora, que disse que não pode dar mais suspensão. Somos perseguidos verbalmente, até andando. Não temos valor nenhum para eles".
Em janeiro deste ano, circulou um vídeo na internet em que a mãe de uma funcionária desabafou e denunciou, na porta da empresa, que a filha havia adquirido depressão por conta das pressões psicológicas que sofria.
Para que esta realidade não pareça exclusiva da AlmavivA, importa frisar que o setor de telemarketing e call center é dos mais denunciados por exploração dos trabalhadores. Disfonias, problemas nas cordas vocais, estresse físico e mental, insônia, depressão, irritabilidade, perdas temporárias e permanentes de audição, distúrbios de humor e LER Dort (que engloba diversos quadros ortopédicos e neurológicos, como tendinites nas mãos, bursites e cervicalgias, dentre outros) são algumas das doenças relacionadas à atividade.
Em reportagem do Fantástico, da TV Globo, em dezembro do ano passado, a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Renata Coelho, disse que esse “é um problema nacional e indiscriminado, generalizado nesse setor”. A gravidade é tamanha que neste ano, 2015, o setor foi escolhido como prioritário para as investigações do MPT.
Por esse histórico tanto da AlmavivA em Aracaju quanto do setor de telemarketing e call center em nível nacional, é duro afirmar, mas é necessário: a morte da jovem Barbara Souza representa, infelizmente, a culminância do acúmulo de uma série de abusos e explorações. Não apenas contra ela, mas uma prática comum e cotidiana contra os trabalhadores dessas empresas. Uma tragédia imensa, que nos fará abrir os olhos, precedida de tragédias menores diárias, que fomos ignorando.
Aos familiares e amigos de Barbara Souza, a solidariedade. E aos que comemoraram a chegada da empresa em Sergipe – na qualidade de gestores públicos – cabe agora assumirem também a sua responsabilidade e adotarem as medidas necessárias para que outras mortes não venham a ocorrer dentro da AlmavivA. A primeira medida fundamental seria a imediata suspensão dos benefícios fiscais que têm a empresa (ou, no mínimo, a revisão desses benefícios, com maior rigor e previsão de punição quando confirmados casos de desrespeito às condições de trabalho e direitos dos funcionários).
———————————————————-
Direito de Resposta
A Assessoria de Comunicação da AlmavivA fez contato telefônico com o autor desta coluna e solicitou a publicação de um texto do seu Diretor de Relações Institucionais, como forma de esclarecimento a algumas questões por mim apresentadas no artigo. Como defensor da importância da opinião contraditória para o debate de ideias e para a democracia, publico a carta da AlmavivA na íntegra logo abaixo.
Caro Paulo Victor Melo,
Em resposta a citações feitas à AlmavivA do Brasil no texto publicado no em seu blog no dia 25 de junho de 2015, com o título “AlmavivA e as tragédias que se anunciam”, tomo a liberdade de apresentar alguns esclarecimentos sobre a atuação da companhia no município.
Em primeiro lugar, enfatizo que, como uma das empresas líderes no setor de Contact Center no País, a AlmavivA do Brasil vem investindo muito em regiões que demandam esforço de companhias privadas em apoio aos respectivos Governos de Estado e Prefeituras para diminuir o número de empregos informais e levar oportunidade para famílias e, principalmente, para jovens sem experiência e com reduzidas chances de ingresso no mercado.
Em 2013, a AlmavivA assumiu um compromisso com o município, investindo mais de R$ 30 milhões para o desenvolvimento da unidade e, consequentemente, do bairro Industrial, onde está localizada sua sede operacional. O compromisso da empresa também se estende à população da capital sergipana, ao possibilitar que milhares de jovens tenham acesso ao primeiro emprego, com perspectivas de crescimento profissional.
Além disso, a companhia valoriza a integridade e bem-estar de seus colaboradores, cumprindo a legislação trabalhista brasileira de forma integral e garantindo todos os direitos e condições de trabalho aos mais de 5 mil colaboradores da unidade de Aracaju (SE). Para manter um contato direto com cada um deles, desenvolvemos um canal de ouvidoria interna e contínua, disponibilizado para todos, com garantia de sigilo e confidencialidade.
Mais do que isso, a companhia, comprometida com o progresso de Sergipe, tem realizado investimentos em ações de desenvolvimento social e cultural da cidade, ao patrocinar projetos como a Orquestra Jovem, iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura de Sergipe que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, capacitando-os na prática musical erudita e oferecendo uma bolsa-auxílio aos participantes. Por fim, é com muito orgulho que a AlmavivA patrocina um dos clubes mais populares do Estado, a Associação Desportiva Confiança, contribuindo com o crescimento do esporte regional.
Feitas essas considerações, coloco-me inteiramente à disposição caso o Senhor necessite de mais informações ou esclarecimentos adicionais.
São Paulo, 25 de junho de 2015
Douglas Fernandes Junior
Diretor de Relações Institucionais
AlmavivA do Brasil