Gabriel Soares de Souza, o afamado autor do Tratado Descritivo da Terra do Brasil, traçou, com certa isenção, o modo de viver dos Tupinambás que habitavam as praias sergipanas, quando da colonização do Brasil. No século XVIII (1759) o engenheiro Caldas, com suas notícias da Bahia, acaba por apresentar, nomeadamente, um quadro de nações indígenas existentes em Sergipe, contados por casais. No século XIX o Comendador Travassos tenta organizar a presença de nações indígenas, apontando caciques que ainda hoje têm seus nomes vinculados aos capítulos inaugurais da história dos índios em Sergipe. Foi Beatriz Góes Dantas, nas últimas décadas do século XX e na atualidade, quem melhor registrou o mais seguro e amplo roteiro, acompanhando toda a questão gerada pela sobrevivência de indígenas da tribo Xocó, que viviam na Ilha de São Pedro, em Porto da Folha. O jornal GAZETA DE SERGIPE, na sua edição de 16 de outubro de 1971, publicou o seguinte artigo de Luiz Antonio Barreto, com o título de A TERRA A QUEM DE DIREITO.
“Na ilha de São Pedro, em Porto da Folha, viviam os índios xocó há muitos e muitos anos. José Angelino da Conceição – nome cristão – é filho de uma xocó que casou-se com uma da tribo dos Xucurus, de Palmeira dos Indios, no vizinho Estado de Alagoas. Hoje (1971)ele vive, com os seus, na reserva de Porto Real do Colégio. Os Cariris são, ao todo, 650 almas, divididos em várias famílias. A família de Angelino é Soya e os seus mais próximos são Enedina Sntos, Cariri, mulher, e Gildete Santos, Cariri, filha de sete anos de idade. Enedina é mameluca, teve mãe índia que se chamou Tuiê, morena. Na reserva de Porto Real do Colégio se constituem guardando o cerimonial e as tradições dos seus antepassados. A instituição autoritária ainda permanece viva, com as presenças do Pajé e do Cacique, sendo o segundo substituto do primeiro, que é a autoridade superior de onde emanam s ordens que chegam ao Cacique e deste ao restante da tribo. Vivem da pesca, com linha de mão e anzol, e ainda a pesca de caniço que é considerada a mais importante praticada pelos Cariris. Quando o rido está seco rodeiam, dez de um lado, dez de outro, saem machucando o capim, que é chamado de caniço. No caniço está o peixe: piranha, traíra, etc. outra maneira de pescar é a que utiliza de um saco de pano ralo para, em determinadas épocas, pescarem saburi. A caça ao de pássaro de pena e alguns gatos do mato, fazem roça na época do inverno e trabalham com cerâmica, desde a utilitária: pote, panela, caldeirão,papeiro, até a decorativa: bois, estatuetas de índios, pescadores, bruxas, etc. Vivem numa érea de terra de 250 hectares, doada pelo monsenhor Damas, antigo capelão da tribo, já falecido. Durante 90 dias do ano eles realizam um certo cerimonial que culmina com Festa das Florestas no setissuê, Aricuri, quinze dias de cerimônias onde as antigas tradições são revividas, as danças executadas, os costumes restabelecidos, as cantilenas que eles chama Toré, novamente entoadas. É o momento maior da união da tribo, chegando até a se constituir durante algum tempo, algo proibido, pois a comunicação aí estabelecida é no idioma próprio deles, e os ritos sãoos seus segredos, impenetráveis, trnsmitidos ao longo dos séculos sem que o acesso a eles seja possível. Dentro das cerimônias da Festa das Florestas existem momentos que até hoje nunca foram conhecidos pelos brancos, nem mesmo pelo Capelão da Tribo. Segundo Angelino, nesse momento são relembrados os tempos em que os antepassados não eram catequisados ou domesticados. A língua, da família Tupi-Guarani, continua em uso corrente entre eles, sendo que o vocabulário não permanece rico como outrora, embora haja o esforço por conservar a aprendizagem entre os mais jovens. Já em Águas Belas, onde existem parentes dos Cariris, os Carijós, do mais novo aomais velho todos falam a língua nativa. Agora está havendo uma comunicação maior entre todos os descebndentes dos Xocós de Porto da Folha, hoje cruzados com os Xucurus, Tinguís e Carijós entre Alagoas e Pernambuco e os Canelas, Craôus e Porquinhos, no Maranhão, para a ocupação da Ilha de São Pedro, antigo berço dos índios sergipanos. A ilha está abandonada (depois viria a ser desapropriada, pelo Governo do Estado), e porisso pensam eles, que com a ajuda das missões religiosas, conseguirão ocupá-la e transformá-la novamente na terra de toda a nação Xocó.”
O governador Augusto Franco efetuou a aquisição da Ilha de São Pedro, que através da FUNAI abrigou descendentes aparentados, como Angelino que também viveu em Aracaju, buscando diariamente o sustento da família. Estava consolidada a luta para dar a terra a quem de direito, contando com líderes como Dom José Brandão de Castro, Bispo de Propriá que colocou a Diocese a serviço da melhoria das relações sociais no baixo São Francisco, com êxito incomum.