ANTÔNIO, AUGUSTO e MORENO – Parte 1

ANTÔNIO, AUGUSTO e MORENO: vidas que se entrelaçam, personalidades ímpares que permeiam com luz própria e fulgurante a História da nossa Medicina, no Século XX. Heróis na arte de curar, heróis na arte de confortar, heróis na arte de servir ao próximo, com predestinação, humanismo, …vitórias e derrotas, erros e acertos. Suas trajetórias na Medicina e no universo cultural se confundem na ação e no saber,  na inteligência e no altruísmo, do “ser” superando o “ter”, três vidas vividas para o bem, para os mais necessitados, doando conquistas para a sociedade.

 

  Parte 1 – ANTÔNIO

 

Em vida, Antônio Garcia Filho foi intrépido, corajoso, determinado. Foi assim na criação do primeiro museu público do estado, hoje Museu Histórico de Sergipe, em 1960, com a colaboração decisiva de Jenner Augusto e de seu irmão, o jornalista Junot  Silveira Foi assim na fundação da primeira escola médica de Sergipe – a Faculdade de Medicina –  em 1961, concretizando a ideia de Moreno. Foi assim na criação do Centro de Reabilitação Ninota Garcia, em 1962, um dos primeiros do país, inspirado nas ações sociais de Augusto.

O clímax da atuação de Antônio Garcia pode ser fixado, a meu ver, nas décadas de 50 e 60. O ano de 1961, começou com um fato que provocou um grande rebuliço nos meios intelectuais do estado. Na primeira semana de janeiro, em eleição disputadíssima, ele se elege para a Academia Sergipana de Letras, na vaga surgida com a morte do poeta Garcia Rosa, que ocupava a cadeira do patrono Tobias Barreto de Menezes. Antonio Garcia supera em votos o poeta Santos Souza, que também pleiteava a vaga, por onze votos a nove. Desmentindo parte da intelectualidade que apoiava o seu opositor, de indiscutível mérito cultural, Garcia teve uma trajetória expressiva e meteórica no sodalício, chegando a exercer a presidência da Casa de Tobias por muitos anos, conseguindo, inclusive, uma sede definitiva para a agremiação. Já Santos Souza, autor de “A Ode e o Medo” e “Deus ensanguentado”, entre outras obras que o marcaria como um dos maiores poetas órficos da língua portuguesa, chegou ao sodalício anos depois, em 1970, para a cadeira de número três, patrono Fausto Cardoso, na sucessão de Cleômenes Campos.

Ainda em 1961, Sergipe ganha a sua primeira escola médica, tendo no Instituto Parreiras Horta a sua sede inicial. Fundada por um grupo de médicos liderados por Antônio Garcia, a escola contou com a participação do Dr. Silvano Isquerdo Laguna, médico de grande prestígio na cidade de Salamanca, na Espanha, possuidora da segunda faculdade de Medicina mais antiga da história. Por essa época, o eminente esculápio se encontrava sob forte perseguição da ditadura franquista, vivendo praticamente na clandestinidade. Foi então que o professor Juan José Rivas Páscua, oriundo da mesma cidade e há pouco tempo residindo em Itabaiana, sugeriu o seu nome para o Dr. Antônio Garcia e para o Bispo Diocesano D. José Vicente Távora, que de pronto oficializaram o convite para ele vir a Sergipe. O professor Silvano chegou e se instalou num apartamento do Edifício Atalaia, na Rua da Frente, às expensas do Governo e sua presença entre nós foi de fundamental importância para a estruturação inicial da nossa faculdade, tendo sido inclusive o primeiro professor de Anatomia Humana e ministrado a aula inaugural da Faculdade de Medicina, em sessão magna realizada no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

No ano seguinte, o curso médico foi transferido para o Hospital de Cirurgia, graças a um convênio firmado entre o Governo Luiz Garcia e a Casa de Augusto. Houve uma conjugação de esforços e um encontro de interesses. O hospital precisava de recursos e do saber e a Faculdade precisava de um hospital para aglutinar as diversas clínicas. Reconhecendo que a vida de Augusto Leite se confundia com a história do hospital e com a própria história da Medicina de Sergipe, Antônio Garcia Filho, diretor da Faculdade e membro atuante do corpo clínico e do Centro de Estudos do hospital, propôs em assembleia geral do Conselho Administrativo, a mudança do nome de Hospital de Cirurgia para Hospital de Clínicas Dr. Augusto Cezar Leite, sendo aprovado por aclamação. A vida de Augusto e de Antonio mais uma vez se entrelaçavam num momento crucial para o futuro da Faculdade. Anos antes, Augusto operara Antonio num quadro grave de abdome agudo por perfuração intestinal. O velho cirurgião salvando o clínico dos diagnósticos difíceis, quase impossíveis, na visão de Luiz Antônio Barreto.

 

A importância de Antonio Garcia no contexto da vida sergipana é extraordinária e qualquer relato, por mais apurado que seja, pode não representar com fidelidade a sua história. Antonio Garcia se destacou na medicina e na política cultural, em suas múltiplas vertentes: na literatura, na música, na poesia, nos discursos memoráveis: “Acorda Laranjeiras”, manifestação poética antológica na visão do ministro Carlos Ayres de Brito. Antonio Garcia foi um homem que viveu permanente e intensamente o seu tempo, muitas vezes até se antecipando a ele, realizando coisas absolutamente fantásticas, típicas dos visionários.

 

Evoco os romanos de priscas eras, para lhes dizer que a emoção que invade o peito rivaliza com a dos gladiadores, em plena arena, com o coração palpitante e captando vibrações de um “coliseu” incansavelmente ávido por desafios intelectuais. Os três, Augusto, Moreno e Antônio foram gladiadores contemporâneos.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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