ANTÔNIO, AUGUSTO e MORENO – Parte 3

ANTÔNIO, AUGUSTO e MORENO: vidas que se entrelaçam, personalidades ímpares que permeiam com luz própria e fulgurante a História da nossa Medicina, no Século XX. Heróis na arte de curar, heróis na arte de confortar, heróis na arte de servir ao próximo, com predestinação, humanismo …vitórias e derrotas, erros e acertos. Suas trajetórias na Medicina e no universo cultural se confundem na ação e no saber,  na inteligência e no altruísmo, do “ser” superando o “ter”, três vidas vividas para o bem, para os mais necessitados, doando conquistas para a sociedade. Na última parte da trilogia, falaremos sobre Garcia Moreno.

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Falar sobre  Moreno é falar sobre um ser de luz. João Batista Perez Garcia Moreno Filho nasceu em Laranjeiras,

Garcia Moreno, na década de 60

a  “Atenas sergipana”. Naquele início de século XX, a cidade gozava de grande prestígio cultural, econômico e político. Graduado em Medicina pela centenária e histórica Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, em 1933, foi, porém, na Cidade Maravilhosa que Moreno apaixonou-se pelos segredos da mente humana e abraçou a psiquiatria como especialidade. Nessa área ele foi inteiro. Clínico, docente e pesquisador, além de se envolver com as questões políticas e socias, na visão do médico José Augusto Barreto e do seu filho Guto, que ocupa atualmente a Cadeira 17 da Academia Sergipana de Medicina, cujo patrono é justamente o inolvidável alienista.

Em virtude de sua competente crítica à prática desumana pela qual os “loucos de rua”, “os insanos” e “os furiosos” eram tratados em Sergipe, logo no seu retorno para sua terra, Garcia Moreno, em 1937, foi nomeado  pelo então interventor federal, também médico, Eronides Ferreira de Carvalho, como Chefe do Serviço de Assistência aos Psicopatas. Na ocasião, ele visitou vários serviços modelares de Assistência Psiquiátrica já implantados no Brasil e ficou responsável pela elaboração das políticas públicas referentes à assistência psiquiátrica em Sergipe.

Esse fato foi um passo para que ele assumisse a responsabilidade pela construção e instalação do Hospital-Colônia, como parte da reestruturação do atendimento psiquiátrico estadual, inaugurado em 1940, quando da realização do II Congresso de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental do Nordeste, em Aracaju.

A partir da fundação da Sociedade Médica de Sergipe em 1937, Moreno esteve ao lado de Augusto durante as três primeiras diretorias, como Orador oficial da entidade. Em 1952 chegou à presidência da casa, liderando a quinta diretoria e, nos anos de 1968-1972, assumiu o cargo de diretor da Faculdade de Medicina de Sergipe, substituindo a Antonio Garcia, diretor desde 1961. Moreno comandou a solenidade de colação de grau da primeira turma de médicos sob a égide da UFS, em 1968. Presidiu o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. De temperamento afirmativo, apoiou com todas as suas forças o poeta Santo Souza, na disputa com Antonio Garcia. Para ele, a vaga de poeta deveria ser ocupada por outro poeta. Derrotado na eleição, contrariado, apresentou a sua renúncia. Felizmente, nunca foi aceita. Simplesmente o presidente da Academia de Letras, poeta Severino Uchoa, deixou o pedido dormindo numa gaveta. Creio ter pensado: um imortal não pode abdicar da imortalidade. Tempos depois, os dois garcias, o Moreno e o Antonio, tornaram-se grandes amigos. Eduardo Garcia, filho de Antonio, tornou-se médico de Moreno nas suas dificuldades circulatórias e o acompanhou até o último suspiro, em 1976, com 65 anos.

No campo científico, esse laranjeirense da gema também deu expressiva contribuição. Produziu trabalhos científicos relevantes, entre eles o de maior destaque:  Aspectos do Maconhismo em Sergipe. Mesmo sem a convicção real da magnitude de que o problema iria alcançar, ele, de forma pioneira, antevendo décadas por vir, antecipou a discussão de um dos problemas de saúde pública mais graves da atualidade e dedicou-se a investigar o problema da toxicomania entre os adolescentes abandonados e moradores de rua de Aracaju. Este relevante estudo foi inserido no livro Maconha, edição do Serviço Nacional de Educação Sanitária (1958).

No campo intelectual, foi também profícuo. Das suas obras literárias, destacamos: Cajueiro dos Papagaios e Doce Província (livros): nestas obras ele canta as belezas de sua terra, descreve o estilo sergipano, faz crítica ao materialismo, posiciona-se contra a pena de morte e contra a eutanásia. Na crônica O Homem que lavou o cérebro, alerta sobre os efeitos colaterais dos modernos métodos científicos em macular, desfigurar, massacrar, denegrir e desfigurar o homem. Uma preocupação ainda hoje atual a demonstrar seu caráter visionário.

Em suma, o Dr. Garcia Moreno foi um homem muito especial. Visionário, intelectual, bairrista, cidadão, mestre, proativo, comprometido e líder.  Dedicou-se a variados campos do conhecimento e nunca deixou de transferi-lo à comunidade aonde fora plantado. Apesar de sabedor do seu potencial para voos mais longínquos, mas seguindo a máxima de Tolstoi, “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”, Dr. Garcia Moreno optou por permanecer em Sergipe e as razões para tal decisão podem ser as mesmas do sociólogo Gilberto Freyre, como destacou Francisco Rollemberg no seu discurso de posse na Academia Sergipana de Letras, sucedendo o alienista.

“Preferi, porém, contra o conselho do bom mestre e bom amigo, patinar em areia áspera e nativa, minha, profundamente minha; e não me arrependo da decisão. Pertenço ao número dos sentimentais para quem terra alguma é igual àquela em que o indivíduo nasceu e criou-se.”

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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