ANTONIO, JOÃO E PEDRO Os Santos de Junho

A população multiétnica do Nordeste celebra a mais antiga tradição religiosa, originária da Idade Média européia, na fusão de culto agrário, – a colheita do milho -, promovendo a mais descontraída, farta e alegre das festas brasileiras: o São João, nome que toma todo um ciclo, que começa no dia 31 de maio, reza a trezena de Santo Antonio, e somente é encerrado no dia 29, consagrado a São Pedro, podendo, em alguns lugares, incluir o culto a São Paulo, celebrado no dia 30 de junho. A Igreja católica dividiu, na Idade Média, todo o tempo da vida em quatro partes: o do Desvio, iniciado quando Adão se afastou de Deus, durou até Moisés; o da Renovação, ou do Retorno, iniciado com Moisés e que vai até o nascimento de Cristo; o da Reconciliação, que é aquele que trata da reconciliação da humanidade com o Cristo; e o da Peregrinação, tempo da vida presente, de mudança e de combate. Com o tempo dividido a Igreja organizou o seu calendário de festas, dedicando a cada um dos antigos santos a honra da exaltação, pondo em relevo qualidades e virtudes que dignificavam as biografias e que, também, correspondiam à imagem que a hierarquia queria passar para os seguidores do Cristianismo, notadamente do Catolicismo. Segundo a Legenda Áurea – Vidas de Santos, livro de Jacopo de Varazze (1229- 1298), arcebispo de Gênova, recentemente editado, pela primeira vez, no Brasil ( São Paulo: Companhia das Letras, 2003) com tradução de Hilário Franco Júnior, era no Tempo da Peregrinação que era celebrada a festa da Natividade de São João Batista – 24 de junho, de São Pedro, apóstolo – 29 de junho, e São Paulo, apóstolo – 30 de junho. O Santo Antonio constante da Legenda era um eremita da Antiguidade, que viveu 105 anos, e morreu no século IV, como informa Atanásio, bispo de Alexandria, morto no ano de 373 e que escreveu a história de sua longa vida. O Santo Antonio cultuado no medievo era celebrado em 17 de janeiro, e exaltado em seus dotes morais. É dele a afirmação de que “Quem adota a solidão e nela permanece é libertado de três inimigos: a audição, a fala, a visão, e então só lhe resta lutar contra um, seu coração.” Ele também aconselhava: “Domine seu ventre e sua língua, esqueça as coisas passadas.” Seu principal ofício era combater o Diabo, que certa vez lhe apareceu sob a forma de um menino negro, ao que teria dito Santo Antonio: “Você é tão pequeno, que daqui para a frente não o temerei mais.” O Santo Antonio da tradição junina brasileira, conhecido como Santo Antonio de Lisboa, por ter nascido em Portugal e como Santo Antonio de Pádua, por morrer naquela cidade italiana, viveu nos séculos XII e XIII, tendo nascido, provavelmente, em 1191 ou 1192, morrendo no dia 13 de junho de 1231, deixando imagem de grande pregador, um dos maiores de todos os tempos, o que levou o Papa Pio XII, em 1946, a considerar o franciscano doutor da Igreja, dando-lhe o título de Doutor Evangélico. O imaginário consagrou em Santo Antonio a imagem do que ressuscita os mortos, que cura as enfermidades, que foi dotado com o dom da bilocação, que falou aos peixes, que converteu os hereges, que alivia o bolso dos ricos em favor dos pobres necessitados, que assegura e multiplica as provisões, que suaviza os obstáculos que dificultam os matrimônios, que encontra as coisas perdidas e que amigavelmente conversa com o Menino Jesus. No Brasil São João é celebrado na data do seu nascimento, 24 de junho. Primo de Jesus, a quem anunciou e batizou, João Batista, foi santo antes de ter nascido, profeta e no nascimento recebeu três tipos de graça: ser milagroso, santo e alegre. A fogueira queimada no período de festas juninas lembraria, para uns, o sinal utilizado entre Maria, mãe de Jesus, e Isabel, mãe de João, para comunicar o nascimento dos seus filhos. Para outros, porém, o costume de acender fogueiras está ligado a uma crença antiga de afugentar os dragões com a fumaça, queimando ossos de animais. Há, ainda, uma terceira hipótese, que é a de evocar o próprio João, que teve seus ossos queimados pelos infiéis, na cidade de Sebasta. São Pedro, apóstolo, ou príncipe dos apóstolos, morreu em 29 de junho do ano 64, deixando em crescimento a Igreja e a comunidade de cristãos que fundara. Não há, na tradição, festa em louvor de São Paulo, que morreu no mesmo dia, na mesma hora e na mesma cidade – Roma -, e pelas ordens do mesmo Imperador – Nero. Pedro, por ser estrangeiro, foi crucificado e Paulo, sendo cidadão romano, foi decapitado. Ambos marcaram a história do Cristianismo, merecendo biografias exemplares de vários autores. O ciclo junino, principalmente com as festas nordestinas, é um complexo de crenças antigas e medievais, transplantadas e adaptadas desde a colonização, associadas ao culto agrário da colheita do milho, no solstício. Mastro, fogueira, queima de fogos, ramagem, adornos coloridos, comidas de milho, música e danças, simpatias, casamentos, reforçam a idéia de comunidade, num cenário preparado para as festas – os arraiais. Alguns desses elementos já raream, enquanto outros surgem, privilegiados pelo gosto popular, como é o caso das apresentações artísticas, que reúnem multidões, como são exemplos Aracaju, Areia Branca, Estância, Itaporanga, Capela, Muribeca, dentre outros pontos do Estado de Sergipe. Não há, como no Brasil e especialmente como no Nordeste brasileiro um ciclo de festas em torno de Santo Antonio, São João e São Pedro, tão rico como manifestação de arte e cultura. Através dele a Igreja renova, a cada ano, a imagens de seus santos, os mais populares do Brasil, como nos versos da velha marchinha junina: “Com a filha de João/ Antonio ia se casar/ Mas Pedro fugiu com a noiva/ Na hora de ir pro altar.” Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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