Apontamentos sobre o começo da era industrial no interior paulista

Anita Lucchesi

Doutora em História pela Universidade de Luxemburgo/Centro para História Contemporânea e Digital

 

Vista da Cia Fiação e Tecelagem São Pedro, de autoria do fotógrafo Max Rosenfeld, década de 1930. Disponível em: http://historiadeindaiatuba.blogspot.com/2010/04/na-segunda-metade-do-seculo-xviii-mais.html

 

Na Revolução Industrial, as paisagens mudaram radicalmente com a multiplicação das fábricas e suas chaminés. Movimentos populacionais do campo para a cidade sem precedência aconteceram. A utilização do vento e outras fontes de energia natural, como a própria força braçal ou a tração animal, não podia competir com o poder das máquinas a vapor. As chaminés vieram a reboque e também foram fundamentais nesse processo.

As chaminés tinham funções importantes, como a de produzir empuxo para aumentar a corrente de ar para a zona de combustão das caldeiras e dispersar para o alto a fumaça e os gases nocivos. Matrizes energéticas como carvão mineral, madeira, óleo, gás natural, etc. variaram ao longo do tempo, assim como o design, a técnica e os materiais de construção. Após as inovações tecnológicas, se seguiram transformações sociais, econômicas e ambientais. A saúde do planeta ainda hoje batalha para acertar as contas com as atualizações dos modos de produção, numa discussão que vai dos problemas respiratórios do operariado dos séculos passados, passando pelo controle dos gases e chegando até as consequências do efeito estufa.

No Brasil, o cultivo do algodão, a cotonicultura, iniciou o país em sua própria “Era Industrial”. Nos fins do século 19, a província de São Paulo teve um papel importante nesse processo, aproveitando a oportunidade deixada pelo mercado internacional diante da crise das manufaturas inglesas frente à queda do abastecimento Estadunidense.

Em Itu, um dos responsáveis pelo desenvolvimento da cultura algodoeira, foi Carlos Ilidro da Silva (1860-1864) que, durante a Guerra Civil Americana, intermediou os interesses de fábricas têxteis inglesas e dos fazendeiros ituanos. Na Fazenda Modelo São Carlos, uma espécie de escola agrícola fundada por ele, Ilidro experimentou com sementes para conhecer as melhores espécies do algodão, bem como os melhores solos para o plantio, técnicas e instrumentos de beneficiamento. Bacharel em Direito, ao longo da vida, mostrou-se mais fascinado pelas disputas da terra do que pelos tribunais, advogando junto às autoridades apoio a atividades de “pesquisa” sobre gêneros como o chá e o algodão. Graças a Ilidro e outros importadores e estudiosos da região, as primeiras fábricas têxteis de Itu, como a São Luiz e a São Pedro, nasceram respaldadas por uma experiência técnica ímpar em território brasileiro, um acúmulo de conhecimento fundamental para o sucesso dos empreendimentos que transformaram a paisagem e a história da cidade de Itu.

Ali, em Itu, no interior paulista, às margens do Córrego do Guaraú-Brochado e da Ferrovia Ytuana, foi construída a Cia Fiação e Tecelagem São Pedro. Os trabalhos de marcação e nivelamento do terreno começaram em janeiro de 1911, com projeto encabeçado pelo arquiteto franco-brasileiro Louis Marins Amirat, profícuo construtor nas redondezas. No final de 1912, a São Pedro operava com 150 teares e cerca de 200 operários, tendo produzido 564.416 metros de tecidos brancos e tintos, e uma média de 3.000 quilos de fios crus e tintos.

Décadas depois, assolada por uma crise, a Companhia encerrou seu funcionamento em 1990. Não é dificil imaginar o impacto de uma indústria desse porte na vida de uma cidade, desde o campo produtor de algodão até a paisagem e o dia a dia do espaço urbano alterado por suas edificações, fluxo de pessoas, produtos e capitais.

Como é peculiar no patrimônio industrial, a São Pedro é praticamente uma cidadela, estendendo-se em 25.000m², sem contar a antiga Fiação Maria Cândida, a hidrelétrica construída sobre o Tietê, a creche, o clube e as mais de cem casas da sua Vila Operária. Seu tombamento estadual, via CONDEPHAAT (Resolução SC-85, 06/11/03), atinge quase 240 imóveis no perímetro do Centro Histórico de Itu.

Todo esse conjunto de edificações e os seus habitantes acabaram tendo o ritmo de vida ditado pela chaminé da Fábrica São Pedro. Construída com tijolos, travas, barras em ferro fundido e cantoneiras em concreto, a chaminé da São Pedro é um exemplar icônico da arquitetura industrial paulista. Com 18,5 m de altura total, da base ao coroamento, ela se destaca na paisagem, integrando, assim, o perímetro do Centro Histórico de Itu.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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