APOSENTADORIA: O CONHECIMENTO DESPERDIÇADO? (*)

Há algum tempo, durante quase um ano, acompanhei um estranho diálogo na empresa que trabalhava. Praticamente toda semana um profissional da área de RH ligava para um colega meu e perguntava se ele ia se aposentar ou não. A idéia, segundo esse sábio indivíduo (do RH), era de que para “enxugar” o quadro da empresa, conseqüentemente os aposentáveis deveriam ser os melhores alvos. Aparentemente, tudo parecia matematicamente correto, todavia, esse sábio homem do RH, estava querendo tirar da Companhia um especialista preparado durante muitos anos para uma determinada fatia do negócio e que esse mesmo RH estratégico não havia se preocupado sequer em saber se haveria um substituto a altura e preparado para o posto.

 

Não deu outra, um dia, cansado de tanta cobrança essa pessoa entregou os pontos literalmente, e no outro dia, o seu gerente estava com um monumental problema para resolver, e que problema. Não quero culpar apenas o RH, evidentemente, faltou visão sistêmica do gerente imediato dessa pessoa para perceber essa realidade iminente e faltou visão estratégica da Companhia em não ser se preocupado em preparar um possível substituto e, principalmente, por liberar tão rapidamente um profissional preparado durante quase duas décadas para um trabalho tão específico e fundamental para o negócio da Companhia e que infelizmente havia se esquecido de preparar uma segunda pessoa para uma eventual necessidade.

 

Nesse momento, com esse fato nas mãos, vem a pergunta: Será que esse mal acontece só numa grande empresa ou se ele é reflexo do pensamento nacional? As respostas a essa pergunta começaram a ser percebidas por mim a partir de 1997 quando iniciei as minhas participações anuais de um grande evento internacional sobre processo criativo promovido pela Creative Education Foundation em Buffalo, USA.

 

Portanto, só quando comecei a ir a Buffalo, e a constatar “in loco” as experiências dos mais velhos eram justamente as que estavam sempre nas grandes “vitrines”. Ou seja, famosos executivos, especialistas e acadêmicos americanos ou europeus, a maioria deles acima dos 65 anos, eram as grandes estrelas do espetáculo. Todavia, uma coisa interessante de se ver, quase nenhum deles se comporta como uma “estrela de cinema”. Não é que os jovens não tivessem vez, mas essa tônica sempre dá uma espécie de sentido do “conselho tribal” dos índios americanos.

 

Lá em Buffalo conheci pessoas maravilhosas com mais de 70 anos que trabalham arduamente 8 a 10 horas por dia em consultoria, em pesquisa nas universidades, em eventos os mais variados e um exemplo impar de se ver. Cito alguns dos mais famosos e queridos: Sidney Parnes, psicólogo, famoso, querido e respeitado e que juntamente com Alex Osborn desenvolveram a metodologia resolução criativa de problemas (CPS), Bia Parnes, pedagoga, Ruth Noeller, doutora, professora e pesquisadora do Centro de Criatividade da Universidade Estadual de Buffalo e dezenas de outros de igual quilate e valor.

 

Mas, infelizmente não é essa a realidade brasileira. O que percebo muitas vezes nas organizações que o sonho de muitas pessoas é se “aposentar” para descansar, para realizar os seus sonhos. A mim isso soa estranho e inusitado. Mas, o que pode levar as pessoas a isto, o que faz com que as pessoas pensem que a vida termina, ou melhor, começa a terminar aos 40 anos? Acredito que é a nossa própria cultura, percebemos que estamos voltando novamente ao culto ao excesso de juventude. Vemos executivos muitos novos, cheios de títulos, de viagens, mas com a sua inteligência emocional (maturidade) praticamente a nível zero, e quando a decisão não é lógica, não pode ser explicitada em um gráfico, não pode ser resumida em números, percebe-se que, literalmente, os mesmos desmoronam.

 

Isso é dito, com outras palavras, evidentemente, em todas as entrevistas que lemos. Lembro da célebre Lei da Fazenda, uma lei universal, bastante falada por Stephen Covey (Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes), e a lei da fazenda diz que precisamos: 1 –preparar a terra; 2- cuidar da planta, 3 – colher o fruto. Não é possível ter conhecimento (colher resultados), sem passar pelas etapas anteriores, portanto, não adianta querer ter maturidade emocional, quando desenvolvemos apenas conhecimento técnico, percebe-se isso muito claramente.

 

Por outro lado, a maioria dos aposentáveis ou aposentados, vê o dia de se aposentar como um dia de libertação da escravatura, sonha, imagina, e faz festa quando chega esse dia. Com o passar do tempo, ele começa a perceber que agora tem muito tempo e muito pouco o que fazer. Muitas começam a fazer visitas diárias às suas empresas, por outro lado sentem o constrangimento dos ex-colegas atarefados e que não têm tempo para recebe-los, começam a se sentir frustrados e a não voltar a sua empresa. Muitos começam a jogar, a beber, a passar o dia no clube dos aposentados da sua categoria, revendo velos colegas também aposentados, relembrando fatos do passado, chorando magoas e reclamando que a aposentadoria está baixa…

 

A realidade na maioria dos casos é esta. Por outro lado, uma minoria que vai de 5 a 10% pensou no futuro e encarou a aposentadoria não como o final de ciclo, mas como o início de um novo processo. Nada terminou e tudo apenas começou, agora tem tempo e pode aproveitar o seu tempo para fazer aquilo que gosta e na maioria das vezes ainda ganhar dinheiro. Essa é a nova visão, a visão de quem sabe fazer a diferença e de quem não pretende esperar “com a boa escancarada a hora de morrer”.

 

E a pergunta é e como as empresas podem fazer? Acredito que cada caso é um caso. As empresas poderão analisar cada saída e ver se compensa para ela perder aquele talento ou até mesmo se é mais interessante que aquele indivíduo vá embora porque ele já deu o que tinha de dar, e ele mesmo já se sente desmotivado e pronto para se aposentar. De todo modo, para mim a empresa não deve se comportar linearmente deve analisar cada caso e perceber os seus ganhos e perdas estratégicos.

 

Não vejo, não percebo esse raciocínio na maioria das grandes empresas que conheço, pelo menos não está explicitado na sua cultura organizacional. O que percebo hoje é que muitas estão preocupadas com os trainees que estão recebendo, como se os mesmos fossem resolver todos os problemas, como se os mesmos tivessem todas as soluções, como se os mesmos tivessem uma vida que permitisse compreender todos os problemas que justamente por falta de vivência e experiência irão ter dificuldades em resolver.

 

Acredito, mais uma vez que está na hora de repensar esses modelos, não há nada mais importante do que um “sábio conselho tribal” em uma organização. Não foi por acaso que muitas vezes os sábios e respeitados anciãos conseguirem com a sua experiência e maturidade salvar muitas vidas e retomar o curso da história da humanidade várias vezes.

 

E, dependendo da situação vai uma questão para pensar, se você é dirigente de uma empresa que está aposentando as pessoas para “enxugar”, reduzir ou eliminar os custos, pense o quanto de conhecimento está indo embora ralo abaixo… Por outro lado, se você está sendo convidado por sua empresa para se aposentar questione o que você tem de bom que poderá levar para fora da empresa, que poderá transformar numa grande diversão para você, que poderá ajudar a outras pessoas a ganharem com a sua experiência. Isso com certeza dará sentido à sua vida e mais ainda você não irá ficar sentido, vestindo um pijama, ou de camisola em casa esperando a hora de morrer… Pense nisso, e veja que escolha você quer dar para o seu futuro!


(*) Fernando Viana é diretor presidente da FBC

fbc@fbcriativo.org.br

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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