O aniversário de Aracaju, desde 17 de março de 1855 cidade e capital, põe ao alcance de todos os seus habitantes a história de um projeto da engenharia militar do Império brasileiro, e que no dizer sábio de Fernando Porto se constituiu numa “vitória da geografia”. Escolhido, tecnicamente, para ser sede da nova capital da Província, Aracaju não passava de um pequeno povoado, com poucas casas, em torno de uma pequena elevação, onde estava a capela dedicada a Santo Antonio. Aquele minúsculo arruamento, pertencente a Freguesia de Nossa Senhora do Socorro da Cotinguiba, foi distinguido pelos deputados e pelo presidente da Província, em meio a outras opções, como Laranjeiras, na margem do rio Cotinguiba, Riachuelo, margeado pelo rio Sergipe, Maroim, banhado pelo rio Guanhamoroba. A velha São Cristovão perdeu completamente o prestígio, porque nem tinha porto e nem tinha o que exportar. A pujança econômica de Sergipe estava concentrada, quase toda, nos vales produtores de açúcar, que contavam com uma rede de rios, formando um estuário largo e profundo, mais adequado a receber ancoradouros e trapiches para a exportação da produção açucareira. O Ato Legislativo, convertido em Resolução pelo presidente Inácio Joaquim Barbosa, elevou o povoado à categoria de cidade e de capital, mas o projeto da engenharia preferiu buscar, nas partes úmidas da margem do rio Sergipe, distante aproximadamente dois quilômetros do encapelado do Santo Antonio, o local ideal para erigir a cidade. Esta decisão implicou em aterrar e sanear toda a área onde ficou o núcleo central das construções da cidade, ordenada a partir de um ponto referencial, a se desenvolver para o norte, para o oeste e para o sul. Aracaju foi construída, pedra sobre pedra, tijolo sobre tijolo, em poucos anos, para atender as responsabilidades de ser a capital da Província. Praças, ruas, avenidas foram dispostas a partir do ordenamento dado pelos engenheiros, e assim surgiram os prédios das repartições, as casas do comércio, as residências, escolas, hospital, igrejas, tudo enfim que o planejamento de uma cidade exigia. Cada construção, cada rua aberta, cada jardim nas praças serviram para estabelecer a empatia entre a cidade e seus habitantes, parte dos quais removidos, compulsoriamente, de São Cristovão, uns com a boa vontade de entender os problemas da cidade nova, outros indiferentes. O ambiente insalubre, desfavorável à vida, vitimou o próprio presidente Inácio Barbosa, mas não foi suficiente para afugentar os demais moradores, formando grupos cada vez maiores, como pioneiros. A falta de estrutura não pareceu incomodar os habitantes de Aracaju, mas, ao contrário, encorajava o surgimento de um amor que o tempo tem selado, há 149 anos, e que ganhou arte, música, literatura, na expressão de muitos intérpretes. Ao longo da sua história Aracaju teve muitos cronistas, tecendo loas à sua beleza, seu jeito simples, provinciano, de ser cidade. Teve, também, escultores, pintores, músicos, poetas que embalaram seus talentos nos dias e noites da cidade, descobrindo em cada esquina uma beleza a mais para catalogar. Os jornais refletiam, como luas, as luzes dos textos enamorados, como se fossem declarações de amor, contínuas, à cidade envaidecida com a constatação de que, por exemplo, vista do alto “a mais bela das cidades brasileiras”, como anotou o comandante do Graaf Zepelim, flutuando lentamente no céu, por cima das ruas e das casas de Aracaju. De tantos cronistas talvez Mário Cabral tenha sido o mais persistente, anotando fatos, descrevendo personagens, tecendo a crônica da cidade, e ainda fazendo o registro da lúdica infantil, dando alma a tudo o que escreveu sobre a capital sergipana, especialmente sobre a década de 1940. Neste tempo de comemorações as escolas deveriam reler os textos de Mário Cabral, revistando a década rica de detalhes, com fatos que marcaram a história. O Centenário de 1955 permitiu que outros escritores, como Sebrão, sobrinho, Corinto Mendonça, na esteira das obras de José Calasans e de Fernando Porto, construíssem uma bibliografia tipicamente aracajuana. A voz de Vilermando Orico, então com 11 anos, vibrava pela cidade, cantando o dobrado Terra da Promissão (Há cem anos passados/ surgiu em meu Brasil/ um torrão abençoado/ cheio de encantos mil. / Aracaju/ oh terra querida/ Aracaju, oh terra bendita/ viverá sempre em meu coração/ Deus que te abençoe/ Oh terra da promissão.) Raimundo Santos, cantor sergipano que fez carreira discográfica no Recife, gravou uma das músicas do Centenário, um hino, na verdade, com versos de Sales de Campos e música de José Feijó, que tirou o 1º lugar no concurso municipal. Do outro do disco Mocambo, Ernani Dantas interpretou o hino que conquistou o 2º lugar, de autoria de Freire Ribeiro, com música de Alfeu Menezes. O Centenário parecia ser uma revisão dos primeiros cem anos de história e de vida da cidade. Finalmente, o Morro do Bonfim havia sido desmontado, o Aribé (hoje bairro Siqueira Campos) tinha uma estrada, pela rua de Laranjeiras, ligando-se ao centro, a Atalaia ganhava, com a abertura da estrada do Raposo, (hoje Parque da Sementeira) uma comunicação com Aracaju. Outras conexões permitiam que a cidade continuasse estirando-se nos três sentidos originais, até que ganhou, logo depois das festas centenariantes, prédios novos que iriam marcar seu crescimento vertical. Maiara, São Carlos, Walter Franco, Santana, Atalaia, IAPC, foram surgindo e logo foram seguidos de outros tantos edifícios para escritórios, consultórios e residenciais, numa tendência que ainda hoje marca o crescimento urbano, notadamente em direção à zona sul e às praias. Enquanto isto a Chegança de Zé do Pão, o Reisado das Moreninhas, de Oliveira, o Reisado de Durvazinho, a Zabumba de Quendera, o Guerreiro de Mestre Euclides, entoavam os sons das festas natalinas, na mais aberta mistura cultural. Os terreiros de Mãe Nanã e de outros pais, que deram origem as casas de Lê, de Marisete, enfrentaram o preconceito guardando uma tradição que Aracaju ganhou nos seus primeiros tempos, quando se fez a cidade de todos, título com o qual chega, hoje, às vésperas dos 150 anos. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”