Ainda criança e sempre curiosa, perguntava às pessoas sobre a origem do nome da cidade em que nasci e me criei. Aracaju, é de arara com caju? Na minha família, todo mundo contava uma história de que Aracaju era a terra dos cajueiros e dos papagaios. Mas, e de onde vieram as araras, eu me perguntava. Ao longo dos anos, histórias controversas sobre a etimologia da palavra Aracaju surgiam de diversas frentes. Nos discursos oficiais, como os da prefeitura da cidade, governo do Estado e governo Federal, Aracaju significa “cajueiro dos papagaios”, uma palavra composta por dois termos indígenas: “ará”, que significa ´papagaio´, e “acayú”, que significa ´fruto do cajueiro´. Como essa história é a que mais parece com a que ouvi dos meus familiares, eu acho que vou preferir ficar com ela, porém, existem várias versões e é interessante pensar sobre a diversidade das histórias que compõem o nome da aniversariante do mês de março, pois todas elas desaguam para o mesmo lugar: Aracaju vem do Tupi e se vem do Tupi, é porque é uma terra indígena.
Você, que chegou até aqui, pode estar se perguntando: Mas o Brasil não era todo indígena? Sim, mas por que não falamos ou falamos tão pouco sobre isso nas escolas? A nossa formação de base ainda trata a nossa origem com inúmeras ressalvas e quase nada de informação. Quando falamos dos territórios indígenas, eu me lembro que apenas a lenda do Cacique Serigy, que muitos chamam de maldição, e que é repassada como uma batalha em que Serigy é o vilão e os portugueses os mocinhos que trouxeram o avanço e o progresso, até transformar a nossa cidade num tabuleiro de xadrez, para mostrar que ela é super organizada, e que de tão parecida com um tabuleiro, acabou ficando quadrada em outros aspectos também.
Na escola, quando muito, aprendíamos um pouco sobre a etimologia de algumas palavras como a própria Aracaju, ou Itabaiana, Itabi, Pacatuba, Japaratuba, Gararu, Siriri, Indiaroba, Canhoba, Aquidabã, entre tantas outras que dão nome aos municípios que carregam essa ancestralidade tal qual todo o estado. Para além disso, lembro que no mês de abril, período dedicado à luta dos povos indígenas no país, durante as “apresentações” dos Kariri-Xocó, etnia indígena, que eram convidados como se fossem um grupo de cultura popular, ou de folclore, termo utilizado anteriormente, as alunas e os alunos, de maneira geral, eram desrespeitosos, e boa parte do corpo docente reforçava o olhar de que os povos originários são avessos ao tal progresso.
Mas, de que progresso estamos nos referindo? De acordo com a historiadora Emília Viotti da Costa, “um povo sem memória é um povo sem história”, e, já dizia o povo chileno: “um povo sem memória é um povo sem futuro”. Ou seja, se quisermos pensar em um futuro, devemos recorrer à nossa ancestralidade, às memórias que estão enraizadas nos solos daqui. Enquanto muitos buscam o progresso com as construções de grandes caixas de sapatos para amontoar pessoas em poucos metros quadrados, ou a construção de grandes condomínios à beira rio ou à beira mar, com experiência de praia privativa e banhos de mar regados a cheiro de esgoto e morte, uma minoria têm lutado para inserir na educação de base e formal, o ensino da cultura e história indígena e afro-brasileira, que são previstas em lei, de modo a inserir os próprios povos na elaboração e formação docente e discente para tentar preservar o pouco que resta de nossa memória.
E preservar a nossa história, mesmo dentro de um ambiente que deveria ser circular e cheio de curvas, mas foi desenhado para ser quadrado, aterrado, inflexível e reto, é fundamental e imprescindível, sobretudo diante de tantos fatos urgentes como as grandes tragédias provocadas justamente por causa do tal progresso. Uma cidade que foi planejada, mas não tem plano diretor, uma cidade que beira o rio, mas constrói às margens, que ama quebrar o caranguejo nas mesas e nos palcos, mas aterra os mangues, será que o xeque-mate do tabuleiro vai ser o aterramento do mesmo ou vamos conseguir inserir as linhas da nossa história por toda a cidade?
Eu sei, eu deveria estar parabenizando a cidade em que nasci, mas como uma boa filha da terra, aracajuana nata, apaixonada e uma mulher com corpo, essência e raízes indígenas como eu, não poderia deixar de lembrar que a minha cidade amada, que completa 170 anos de colonização, é um território indígena. E se você, cara leitora e caro leitor, assim como eu, quer saber mais sobre a nossa história, questione, procure saber, faça um Arrudeio com Osvaldinho, uma visita ao Museu da Gente Sergipana, vá dar um giro no mercado e na colina do Santo Antônio, compre os cordéis de Chiquinho do Além Mar, os livros das professoras Aglaé Fontes, Beatriz Góis Dantas, Maria Thetis Nunes, Terezinha Oliva, do mestre Severo D’Acelino, acesse o portal Kizomba dos Saberes.
Além disso, em breve, teremos Originários, a primeira série indígena de Sergipe, dirigida por duas sergipanas, Héloa e Daniella Hinch, e realizada com recursos da Lei Paulo Gustavo, que irá trazer mais informações sobre a história indígena em Sergipe, uma história que não conhecemos e que precisamos conhecer, afinal, como cita o grande filósofo, ambientalista e primeiro indígena imortal da Academia Brasileira de Letras, Ailton Krenak, “o futuro é ancestral”, e só preservando a nossa memória e conhecendo a nossa história é que conseguiremos existir neste mundo.