ARACAJU: REFLEXÕES SOBRE UMA CIDADE

Aracaju foi uma das mais felizes vitória da geografia. (Fernando Porto – A Cidade de Aracaju) A praça Fausto Cardoso, antiga praça do Palácio, foi a cabeça de Aracaju, como seu peão de ordenamento, de onde nasceram e cresceram as ruas do centro, para o norte até a praça da Cadeia, depois 24 de Outubro, mais tarde General Valadão; para o sul pela rua da Aurora, em direção à praia Formosa, hoje 13 de Julho, até a Fundição, e para o oeste até onde estavam depositadas, alvas, as areias do morro da Borborema. A rua que passava em frente ao Palácio, e que unia as ruas de Maroim e Laranjeiras, tomou o nome de rua da Conceição, depois rua do Barão, mais tarde rua Japaratuba, por fim rua de João Pessoa, na homenagem sentida ao político paraibano, morto na Revolução de 1930. Plantada à margem do rio Sergipe, confundido, por séculos, com o rio Continguiba, a praça do Palácio e a rua da Aurora viam nascer radioso, por sobre o verde do coqueiral da Barra, o sol de todos os dias, banhando de luz a nova cidade, fazendo evaporar as águas dos pântanos, saneando as ruas, arejando a vida. O sol foi o grande aliado de Aracaju, na infância de suas construções, nos primeiros passos de sua vida social. Os jardins ainda floriam e já uma comitiva ilustre pisaria o solo da praça. Na sua extremidade, na beira do rio, entrando na água, homens trabalharam, dias seguidos, na construção de uma ponte. Ali, os que chegavam pelo mar, vindos de longe, desembarcavam nos ombros dos trabalhadores do cais. Sua Alteza Real, Dom Pedro II, mulher e comitiva de nobres e titulados, não podiam ser levados às costas negras e mulatas dos escravos e estivadores do porto improvisado da praça. A Ponte do Imperador é um marco de 1860, quando Aracaju fazia 5 anos de vida como cidade e como capital. A visita imperial enchia a praça de construções. Um grande arco foi montado para representar a Porta de Aracaju, a Porta de Sergipe, pela qual Pedro II palmilharia a Província e conheceria um povo de muitos ofícios e de fala fácil e de poesia na ponta da língua. Ao centro um Forte, do qual canhões salvaram o Imperador, sob os olhares surpresos dos sergipanos que, na mesma noite de janeiro de 1860, viram os fogos de artifício fazerem piruetas no céu da jovem e bela Capital. Fogos de vista, luz da praça. No canto, a casa que serviu da Paço e que abrigou Pedro II, hoje Delegacia Fiscal. Na frente da praça, como dois olhos fitando o sol que atravessava o rio com sua luz possante, prédios em construção, para sediarem o Poder dos governantes, e o Poder dos governados: Palácio e Assembléia. A praça do Palácio era, na verdade, a praça dos Poderes. Nela está o Palácio, sede do Executivo, a Assembléia, sede do Legislativo e o Palácio da Justiça, sede do Judiciário, este último, somente a partir de 1978. Outros prédios, como o edifício Walter Franco, construído nos anos 50, são sedes de repartições públicas e do Ministério Público. As palmeiras cresceram lentamente, enquanto as casas eram plantadas e as repartições mudadas de São Cristóvão, as pedras do chão, os trilhos dos bondes, os postes com os lampeões, os Coretos, a réplica da Torre Eifel, o chamariz, e, finalmente, a estátua do mártir político Fausto Cardoso, poeta e filósofo, morto na praça, pelo fuzil anônimo do Poder reinstalado no Palácio que encima o nome do seu desafeto, o Monsenhor Olímpio Campos. Fausto Cardoso criou o Partido Progressista, mobilizou e liderou o povo, fez uma revolução, depôs o Governo de Guilherme Campos, até tombar vencido e morto, em 26 de agosto de 1906. Foi o Presidente do Estado, José de Siqueira Menezes, quem legou, em 1913, aos sergipanos a imagem de Fausto Cardoso e suas frases de efeito: “A liberdade só se prepara na história, com o cimento do tempo e o sangue dos homens” “Bebo a Alma de Sergipe. Morro mas a vitória é nossa, sergipanos”. Há, na praça, uma tradição de liberdade. Conservadores, radicais, liberais, católicos, republicanos, comunistas, integralistas, udenistas, leandristas, pessedistas, trabalhistas, emedebistas, defensores da paz e vítimas da guerra passaram pela praça e deixaram as lembranças de suas vozes. Ainda hoje, quando a praça Fausto Cardoso não é mais o único ponto de convergência da cidade, alguns voltam a bradar, chamando o povo à consciência cívica. A praça foi o princípio, mas também foi o fim. Por ela passavam as pessoas e os animais, os bondes e as carroças, os estudantes em desfile e os militares em paradas, fardados, armados. Por ela passou o povo, nos momentos mais ricos da história sergipana. E nela o canto do galo era evocado ano a ano pela multidão de fiéis que, na meia-noite de Natal, enchiam os seus jardins e as suas calçadas, movidos pela fé. A mesma fé que comprimia o povo, de roupa nova, nas tardes do dia 1º de janeiro, em frente do rio, como a viajar com o Bom Jesus dos Navegantes. Da praça dava para ver os bancos enfileirados, lado a lado na outra praça, em frente a Catedral, por onde passavam as populações dos bairros, buscando o agito dos bares, dos bazares, das bancas de comidas, arroz com galinha, confeitos e alfinins, gasosas e amorosas. Era o Natal e se ouvia nítido o cantar dos eixos dos carrosséis, ondas, barcos, rodas gigantes, repletas de pessoas sorridentes. A praça viu o comércio crescer, a Cidade toda se marcar de construções, Aracaju avolumar sua gente entre crianças, famílias, velhos, entre brancos senhores, negros escravos, mulatos libertos, mestiços e morenos que jamais precisariam do sol das praias para expor a cor da pele que marca a gente sergipana. Na praça os jovens namoraram, passearam de mãos dadas, e foram aos beijos, entre os ficus e as palmeiras, nos caminhos de pedra dos jardins. Aos domingos, todos os domingos, a praça recebia, em seu corpo ajardinado, moças e rapazes, aos pares ou em pequenos grupos, no “quem-me-quer”, caminhada que marcava o fim da missa da Catedral e o começo da segunda sessão do Cine Pálace. Da praça os jovens saíam pela rua de João Pessoa, até a rua de São Cristóvão, desfilando beleza, perante as vitrines arrumadas, com luzes acesas, no flerte semanal da Cidade centenária. A praça Fausto Cardoso assistiu amizades e discórdias e foi cenário de amor e de morte. Foi, sempre, um lugar de intimidades, contraditória em sua beleza e em seu Poder, mas sempre um lugar do povo, centro de todas as convergências, que pouco a pouco perdeu seu brilho noturno, seu relógio, seus canteiros, suas construções, o corso carnavalesco, a passagem dos clubes Mercuriano e Cordovínico, dos blocos Arranca e Baco, o desfile anárquico da calourada, os comícios, os atos políticos, a festa atrativa de muitas motivações. Aracaju quase não viu quando fechou o Hotel Democrata, ou o Hotel Brasil, e, depois, o Hotel de Rubina, que estiveram por muito tempo na praça, servindo de abrigo aos viajantes e turistas. Mas, viu e acompanhou, em 1937, a construção do prédio da Biblioteca Pública, que hoje é sede do Arquivo Público. Viu, também, surgirem dois grandes edifícios: O Palácio da Justiça, que leva agora o nome de Tobias Barreto e o Palácio João Alves Filho, onde funciona a Assembléia. Certamente Aracaju sentiu a dor de perder velhas casas, sobrados estreitos, restos de uma paisagem que marcou a história de 145 anos de Cidade. O Poder Executivo não está utilizando a sede da praça. O velho Palácio, mais uma vez reformado, abre poucas vezes as suas portas e mostra, no salão de entrada, os painéis inacabados de Jordão de Oliveira, encomendados no Governo de Leandro Maciel, nem as figuras mitológicas das escadarias, doadas pelos estudantes sergipanos de medicina, da Bahia, para o centenário de 1920. As pinturas de Belando Belandi e de Oresti Gatti, da missão italiana de 1918, também foram restauradas, e devem ser peças fixas de uma Pinacoteca que reuna a arte sergipana. Não importa o que tenha perdido, ou o que tenha mudado na praça, mas o que ficou na memória de Aracaju, como um referência à qual sempre se poderá recorrer, tanto para avivar o projeto de engenharia que traçou, definitivamente, praças e ruas, e que exalta o talento e a competência do Engenheiro Pirro e de outros técnicos, como para evocar, com saudade, os vários fazeres desse espaço mágico, mais que qualquer outro, da Cidade e do povo. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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