ARARAQUARA: A MARCA DA TRAGÉDIA

A coragem de trocar a terra onde nasceu pela aventura nos centros maiores, em busca de trabalho e de vida melhor, levou parte da família Britto, de Rosário do Catete, a viver em Araraquara, no interior de São Paulo. Repetia-se um êxodo, uma diáspora nordestina, recorrente na história brasileira. São Paulo era, para brasileiros e estrangeiros, uma nova Canaã, uma terra prometida. No Relatório do Governo do Estado de São Paulo, referente a 1897, eram mais de 70 mil os colonos chegados da Europa, à procura de oportunidades e de riqueza. Número grandioso era o dos brasileiros, especialmente nordestinos, que trocavam a seca cíclica pela garoa paulista.

 

Araraquara tinha 12 mil habitantes em 1897 e era um pequeno centro irradiador da economia, dividindo sua importância com pequenos núcleos populacionais que foram, um a um,  emancipados. Manoel Joaquim de Souza Britto, sergipano de Rosário do Catete, casado com Benvinda de Souza Brito, pai de 8 filhos, era farmacêutico formado e trabalhava como Gerente na Farmácia do Largo da Matriz, de Francisco do Amaral Barros, em Araraquara. Seu sobrinho, Rozendo de Souza Britto, filho do professor aposentado Tranquilino de Souza Britto e da professora, também jubilada, Rosa Ana de Penna Ribeiro, trabalhava como Guarda Livros de Abritta & Irmão e como Distribuidor e Partidor da Comarca de Araraquara.

 

A situação política em São Paulo aquele tempo ainda mantinha focos de luta entre partidários da Monarquia caída 8 anos antes, liderados de Joaquim Duarte Pinto Ferraz, e adeptos da República vitoriosa, que no município tinham a liderança de Antonio Joaquim de Carvalho. Os Britto eram considerados remanescentes do regime imperial, e por isto mesmo eram marcados pelos novos dirigentes que o movimento republicano fez ascender. Uma rixa tola, de disse-me-disse levou a que houvesse uma briga entre Rozendo de Souza Britto e Antonio Joaquim de Carvalho. O chefe republicano ouviu as intrigas dos grupos locais e foi tomar satisfação com o jovem sergipano, surrando-o. Defendendo-se da agressão e agindo para não morrer, Rozendo sacou de uma arma e feriu mortalmente o velho dirigente político, sendo preso, juntamente com seu tio Manuel, e recolhido a cadeia pública da cidade.

 

A morte de Antonio Joaquim de Carvalho, em 30 de janeiro de 1897,  criou uma onda de revolta entre os seus partidários e já na missa de 7º dia falava-se em justiçamento dos dois sergipanos. Na noite de 6 de fevereiro, varando a madrugada do dia 7, cerca de 80 homens, (há quem registre que foram centenas de homens, que se valeram da falta de segurança do presídio) encapuzados, invadiram a delegacia, retiraram os dois presos  e lincharam com “unhas, dentes, punhais e machados” os dois sergipanos. A tragédia abalou São Paulo e repercutiu em todo o Brasil, comovendo, em especial,  os sergipanos. O presidente do Estado de São Paulo, Campos Sales, que seria presidente da República, prometeu apuração rigorosa dos fatos, mas o processo arrastou-se, lentamente, dando a nítida idéia do acobertamento por parte dos amigos e correligionários do chefe republicano Antonio Joaquim de Carvalho.

 

Sergipanos que viviam em São Paulo – Santos, São Carlos, São Paulo capital – se mobilizaram em socorro e proteção à família das vítimas, tendo Ascendino Reis, Silvério Fontes, Olinto Dantas, dentre outros, encabeçado movimento de massa. Em Aracaju, mais de duas mil pessoas saíram às ruas, clamando por justiça e deplorando o assassinato bárbaro dos dois conterrâneos. Subscrições na capital e em diversos municípios do Estado mostraram a solidariedade dos sergipanos. Uma das listas tinha em primeiro lugar o nome do presidente do Estado, Martinho Garcez, outra ostentava a assinatura do arcebispo da Bahia, dom. Jerônimo Tomé da Silva. Uma comissão, tendo à frente o comerciante José Rodrigues Bastos Coelho, e a participação destacada do comerciante italiano Nicolau Pungitori, organizou manifestações públicas e arrecadou considerável soma, entregando-a aos familiares dos mortos, em São Carlos, São Paulo, as mãe e as irmãs de Rozendo, e em Rosário do Catete, Sergipe, a viúva e os oito filhos de Manuel. A tragédia  do linchamento de Araraquara rivalizou com o cerco a Canudos e a resistência de Antonio Conselheiro e seus adeptos. A República enfrentava percalços, valendo-se da força para frear e esmagar as resistências e reações.

 

O povo de Araraquara, mais tarde, transformou Manuel Joaquim de Souza Britto e Rozendo de Souza Britto em seus mártires, erguendo uma pequena capela e nela colocando imagens e fotografias dos dois sergipanos, “santificando-os” .

 

Em seu relatório aos deputados do Congresso Legislativo de São Paulo, datado de 7 de abril de 1897, Campos Sales assim trata do caso do linchamento dos sergipanos em  Araraquara:

                  

“ Os sucessos do mês de fevereiro, que tão vivamente impressionaram o espírito público, trouxeram por algum tempo perturbada a órdem pública na Comarca de Araraquara. A profunda emoção produzida em todo o Estado pelos bárbaros assassinatos ali praticados, com o concurso de circunstâncias que punham em evidência a excepcional perversidade de seus agentes, foi uma consoladora demonstração de quanto são repugnantes à civilização e aos costumes paulistas essas cenas de brutal selvageria.”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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