As vertentes de interpretação judicial da aplicação, às greves de servidores públicos, dos dispositivos da Lei n° 7.783/89, de matriz conservadora, dividem-se em, basicamente: a) potencializar a negociação a que alude o seu Art. 3°, como requisito formal inafastável, cuja inobservância implica caracterização da greve como abusiva e ilegal; b) caracterizar como ilegais e abusivas greves realizadas em “atividades essenciais”; c) adentrar no exame do mérito dos interesses defendidos por meio da greve.
O Art. 3° da Lei n° 7.783/89 e o esgotamento das negociações
O art. 3° da Lei n° 7.783/89 estabelece que “frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho”. Esse dispositivo vem sendo interpretado pela justiça estadual comum como condicionante da validade da greve, que somente pode ser legalmente deflagrada como último recurso, após “frustrada a negociação”.
Se negociações ainda estiverem em curso, ainda que meramente formais, como acontece na maioria dos casos (é dizer: os entes públicos recebem as pautas de reivindicações, marcam reuniões, não apresentam propostas ou respostas aos pleitos, colocam-se à disposição para novas reuniões, mas nada avançam concretamente em relação ao mérito dos interesses defendidos pelos servidores públicos), as greves têm sido declaradas ilegais.
Tomem-se como exemplo as seguintes ementas:
DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DECLARATÓRIA – GREVE – MAGISTÉRIO ESTADUAL – APLICAÇÃO DA LEI Nº 7.783/89 (MI Nº 670/ES E MI Nº 708/DF) – NÃO OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 3º DA LEI DE GREVE – NEGOCIAÇÃO EM CURSO – NÃO REALIZAÇÃO DE ASSEMBLÉIA GERAL PARA A DEFLAGRAÇÃO DA GREVE – FATO NÃO IMPUGNADO NA CONTESTAÇÃO – APLICAÇÃO DO ART.302 DO CPC – PRINCÍPIO DO ÔNUS DA IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA – ABUSIVIDADE DO MOVIMENTO GREVISTA CONFIGURADA – AÇÃO DECLARATÓRIA PROCEDENTE – UNÂNIME. (AÇÃO DECLARATÓRIA Nº 2012110569, , Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, DES. EDSON ULISSES DE MELO , RELATOR, Julgado em 20/03/2013) (grifou-se);
Constitucional e Processo Civil – Ação declaratória – Julgamento antecipado da lide – Preliminar de perda do objeto – Rejeitada – Greve de servidor público – Aplicação da Lei Geral de Greve (Lei nº 7.783/89) – Jurisprudência do STF – Inobservância dos requisitos previstos em lei – Ilegalidade do movimento grevista – Litigância de má-fé – Inocorrência.
(…) III – A Suprema Corte, ao se debruçar sobre os MIs 670, 689, 708 e 712, não apenas censurou o legislador ordinário pelo menoscabo em relação à conformação do inciso VII do art. 37, como também determinou que, enquanto não sanada a deficiência legislativa, dever-se-ia aplicar a Lei Geral de Greve (Lei nº 7.783/89); IV – In casu, ante a inobservância ao requisito referente ao esgotamento das negociações (art. 3º da Lei nº 7.783/89), bem assim ao quantitativo mínimo necessário à continuidade do serviço público, não se mostra plausível a legalidade do movimento grevista, evidenciando-se indevida a interrupção dos serviços públicos prestados; V – Malgrado o equívoco do autor na referência à retomada do movimento paredista no dia 10/02/2012, quando, em verdade, se deu somente no dia 19/03/2012, não se verifica, in casu, a ocorrência de má-fé processual, por ter sido o erro plenamente escusável, haja vista a possibilidade da ocorrência de mero erro de digitação, afastando a configuração da alegada atuação maldosa por parte do requerente, mormente por não haver causado qualquer prejuízo à defesa; VI – Declaratória procedente. (AÇÃO DECLARATÓRIA Nº 2012107117, , Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, IOLANDA SANTOS GUIMARÃES , JUIZ(A) CONVOCADO(A), Julgado em 13/03/2013) (grifou-se);
AÇÃO DECLARATÓRIA MOVIDA PELO DETRAN/SE. DIREITO DE GREVE. APLICAÇÃO DA LEI GERAL DE GREVE (LEI Nº 7.783/89). INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS EM LEI. PROCEDÊNCIA DO PLEITO AUTORAL.
1 – Não havendo legislação específica que regulamente o direito de greve do servidor público, deve ser aplicada a Lei Geral de Greve (Lei nº 7.783/89). Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
2 – No presente caso, não comprovado o preenchimento dos requisitos legais, tais como não esgotamento das negociações, bem como restando ausente a definição do quantitativo mínimo de servidores para manutenção dos serviços essenciais, patente se mostra a ilegitimidade do movimento paredista.
3 – Procedência do pleito autoral.
(Declaratória de Constitucionalidade Nº 201300126836, TRIBUNAL PLENO, Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, LUIZ ANTÔNIO ARAÚJO MENDONÇA , RELATOR, Julgado em 28/05/2014) (grifou-se);
AÇÃO DECLARATÓRIA – DIREITO DE GREVE – PROFESSORES DO MUNICÍPIO DE MONTE ALEGRE DE SERGIPE – MÉRITO – SERVIÇO ESSENCIAL – APLICAÇÃO DA LEI Nº 7.783/1989 NO QUE LHE É CABÍVEL – VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DO MOVIMENTO PAREDISTA – NÃO PREENCHIMENTO – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
– É competência do Tribunal Pleno do TJSE apreciar as questões relacionadas a greve dos servidores públicos estaduais ou municipais, quando o movimento estiver adstrito à Unidade da Federação.
– Aplicação da Lei nº 7.783/89 no que lhe for aplicável conforme decidido no MI nº 708/DF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
– No caso em tela não foram preenchidos os requisitos estabelecidos na Lei nº 7.783/1989, uma vez que não estavam esgotadas as vias próprias da negociação.
– Ação julgada procedente.
(AÇÃO DECLARATÓRIA Nº 2011116397, , Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, DES. OSÓRIO DE ARAÚJO RAMOS FILHO , RELATOR, Julgado em 12/12/2012) (grifou-se).
Ora, essa postura hermenêutica, a prosperar, inviabiliza o direito de greve; basta ao ente público estabelecer tratativas ou negociações meramente formais que qualquer greve será tida por ilegal, porque ainda não “frustradas” as negociações; essa postura interpretativa faz tábula rasa inclusive da jurisprudência da justiça do trabalho, segundo a qual o impasse quanto ao mérito das reivindicações é sinal inequívoco de que as negociações foram frustradas, com o que a greve é totalmente lícita aos trabalhadores como mecanismo de pressão para obtenção concreta de propostas e de efetiva negociação.