As Cartas de Apolônio

A imprensa sergipana nem sempre foi bem humorada. Exceção para as pequenas folhas, como A Zorra, que anunciava ser “crítico, pilhérico e chistoso”, que circulou nos anos de 1876 e 1876, A Carapuça (1878/79), O Memento (1902/03), O Riso (1906) e A Trombeta (1907), para recortar apenas 63 anos de história do jornalismo em Aracaju, e seus 136 jornais. Por todo o século XX a relação não mudou muito, e o humor serviu para ridicularizar adversários políticos, desafetos, nunca para exprimir um sentimento crítico, que pudesse tornar engraçada a realidade.

        

A caricatura e a charge são, ainda hoje, as mais permanentes das expressões humorísticas da imprensa sergipana, muitas vezes como válvulas livres, distendendo conflitos e desbloqueando censuras. A imprensa, pobre de textos bem humoradas,  contrasta com o cotidiano da vida social, pela via da oralidade, repleta de gracejos, duplo sentido, pulha, externizando situações, trafegando o riso como linguagem, ampliando a comunicação.

        

As Cartas de Apolônio, que o CINFORM publica semanalmente, desde 2003, é o que de melhor a imprensa sergipana produziu de humor, de crítica, de resenha debochada dos fatos locais, com pitadas nacionais e internacionais. Durante muitos meses o pseudônimo encobriu, de tal forma, a autoria das crônicas que surpreendeu, depois, o anuncio do seu autor, Paulo Lobo.

 

Paulo Lobo é um artista de muitos talentos, com anos de estrada, sempre bem sucedido. Poeta, compositor, cantor, publicitário, instrumentista, apresentador de TV, múltiplo, enfim, em sua carreira agraciada pelo reconhecimento público. Ligado, vigorosamente, às coisas da terra, Paulo Lobo cumpre o belo papel de remexer nos seus guardados para mostrar, e mostrar sempre, por ângulos nunca vistos, ruas, praças, avenidas, modos de viver da sua Ará. A junção perfeita entre quem canta e quem mostra Aracaju aos sergipanos, faz de Paulo Lobo um Curador informal do patrimônio artístico e sentimental da cidade.

 

As Cartas de Apolônio são como tiras sem quadrinhos, onde um personagem se mostra múltiplo nos seus relacionamentos, experiências e capacidade de tratar fatos, com a intimidade que somente o humor é capaz de produzir. As Cartas, que reinventam a crônica como gênero jornalístico, testemunham que o talento não tem limites, podendo explodir de repente, mesmo quando o artista já galgasse a plena glória da admiração e do aplauso.

 

Com a reunião das Cartas de Apolônio em livro a literatura sergipana enriquece sua estante, aumenta e qualifica a sua bibliografia, fixando o nome do autor no rol dos que recriam a realidade, ordenando o caos com o fino humor das crônicas, elaboradas sem o jargão das piadas, das anedotas, das outras formas que circulam nas rodas de conversas.

 

As Cartas de Apolônio criam um novo sotaque para o humor, se é que a escritura pode ter sotaque, como as vozes da oralidade.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais