Todos os povos, dos ágrafes aos mais letrados, catalogaram seus feitos, exaltaram seus líderes, guardaram memória e com ela construíram o sedimento cultural da história. No Brasil a memória é quase opaca, como uma jazida intocada, a espera de ser descoberta, para explicar porque o brasileiro é como é, nas suas carências, aspirações, sentimentos, no cotidiano de sua existência. Não há inventário que possa ser, pedagogicamente, um guia de fontes, esclarecendo fatos, acendendo a tocha do conhecimento, na direção dos dias vindouros. Sergipe, em particular, viveu ciclos e eventos de grande importância para o registro da vida social, desde os primeiros tempos da ocupação do território, e por isto mesmo tem uma bibliografia que serve, sempre, de referência. Refiro os livros História de Sergipe, de Felisbelo Freire (Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1891, com 2ª edição pela Editora Vozes, em 1977) e Álbum de Sergipe, de Clodomir Silva (Rio de Janeiro:Pongetti/Governo do Estado de Sergipe, 1920), que dão a mais completa idéia da curso da história, agregando informações do meio e etnográficas, que completam a qualidade dos dois textos. A relação dos sergipanos que galgaram ilustração e posição na vida local e nacional tem, no Dicionário biobibliográfico sergipano, de Armindo Guaraná (Rio de Janeiro: Pongetti/Governo do Estado de Sergipe, 1925), editado após a morte do seu autor, com a colaboração de dois intelectuais sergipanos igualmente ciosos das coisas da terra, Prado Sampaio e Epifânio Dória. Prado Sampaio escreveu sobre a geografia e o tipo sergipano, o folclore, a literatura e a filosofia, enquanto Epifânio Dória, um exímio organizador de acervos, concorreu com um conjunto novo de dados, enfeixados principalmente no seu, ainda inédito, Efemérides sergipanas. As lacunas têm sido preenchidas, no tempo, por alguns autores e obras, que precisam ser recenseados, e por uma massa crítica produzida em torno de eventos, especialmente as datas redondas de aniversário, de nascimento e morte de pessoas, ou de evocação de fatos singulares para a vida do Estado e do povo sergipano. Parece que os organismos públicos, as entidades culturais e as empresas privadas se tornam sensíveis diante das efemérides, colaborando para que sejam realizados atos de inteligência, em favor de um maior e melhor conhecimento da terra e da gente de Sergipe. O ano de 2006 tem sido particularmente importante, celebrando algumas datas cujo relevo não é nem preciso destacar. A chamada “tragédia de Sergipe”, também conhecida como Revolta ou Revolução de Fausto Cardoso, que completou 100 anos em agosto, ensejou seminários, debates, exposições, e publicações com foco sobre Fausto Cardoso e Olímpio de Souza Campos, personagens centrais da tragédia. O Governo do Estado, pela Secretaria da Cultura, mandou reeditar o livro do padre Antonio Carmelo – Olímpio Campos perante a história e mandou organizar uma Antologia de textos de Fausto Cardoso. Outras datas, como os centenários de nascimento de Acrísio Cruz e de Gonçalo Rollemberg Leite, dois eminentes professores, ligados à história do ensino em Sergipe, também contam com seminários, debates, e publicações enriquecedoras. Outras datas, no entanto, não despertaram as mesmas motivações, a começar com os 400 anos da colonização do baixo São Francisco, que permitiria uma melhor compreensão da função econômica, cultural e social do velho Chico, patrimônio a um tempo material e imaterial dos sergipanos, que o querem revitalizado e perene, passando com suas águas a caminho do mar. Outras datas pessoais, de homens atuantes em vários setores da vida sergipana, passam em branco, sem qualquer registro ou reflexão. São os casos dos 150 anos do nascimento de Marcelino José Jorge, militar republicano, do grupo ligado ao Clube Republicano de Laranjeiras, integrante da Junta de Governo, juntamente com Olinto Dantas e Leandro Faro Diniz , responsável pela administração do Estado, de 24 de novembro de 1891 a 15 de maio de 1892; dos 100 anos de nascimento de João Hora de Oliveira, comerciante nascido em Riachão do Dantas, em 22 de dezembro de 1906, dono da Loja A Moda e construtor do Edifício Mayara, na rua de Laranjeiras, esquina com João Pessoa e um dos maiores desportistas sergipanos, que dá nome ao Estádio do Clube Esportivo Sergipe; dos 100 anos de nascimento de Carlos Carvalho, engenheiro civil, nascido em Laranjeiras em 15 de dezembro de 1906, construtor de várias obras no Estado, candidato a prefeito de Aracaju, na eleição de 1962; dos 100 anos de Damião Mendonça de Santana, militar, nascido em 27 de agosto de 1906, participante do movimento revolucionário de 1930 e autor de vários livros sobre as revoluções tenentistas; e dos 50 anos de morte do farmacêutico Silvério da Silveira Fontes, nascido em 7 de março de 1879 e falecido, em Aracaju, em 6 de agosto de 1956, pai do professor e intelectual José Silvério Leite Fontes; dos 50 anos de morte do advogado e jornalista Álvaro Fontes Silva, irmão de Clodomir Silva, maçom e venerável da Loja Cotinguiba, presidente da Ordem dos Advogados, que nasceu em Aracaju, em 6 de setembro de 1884 e morreu em Aracaju em 25 de junho de 1956, e dos 50 anos da morte do farmacêutico Pedro Garcia Moreno, filho do padre de Lagarto, João Batista de Carvalho Daltro, e que nasceu em Simão Dias, terra de seu pai, em 1 de novembro de 1880, proprietário da Farmácia União, em Maroim, patriarca de uma família ilustre – João Batista, Pedro, Canuto, Adjebran -, e que morreu em 22 de junho de 1956. Certamente outros nomes, outras datas, poderiam estimular a responsabilidade dos que tratam da memória sergipana, trazendo à tona para o interesse de quem pesquisa, estuda e interpreta Sergipe, sua sociedade e sua cultura.
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