No dia 22 de outubro Murilo Mellins fez aniversário, completou 80 anos. Andando pelas ruas de Aracaju, desfilando os seus cabelos brancos, o memorialista, originário do interior, filho de Mário Mellins, que dentre outras coisas foi Intendente de Neópolis (antiga Vila Nova) parece fazer parte da paisagem humana de um modo especial, como guardião de velhas lembranças de ruas, festas, figuras populares, e de aspectos e fatos que marcaram a vida provinciana da capital sergipana. Murilo Mellins tem com Aracaju uma intimidade cumpliciada, como poucos, e ambos, o escritor e a cidade, guardando de cada um muitos segredos. Murilo Mellins na cadeira do engraxate Caio Francisco Matos, um dos seus personagens
Homem nascido em bom berço, trabalhador em várias funções no Correio, na Prefeitura, noutros lugares, Murilo Mellins amealhou, contudo, um outro tipo de capital, o lúdico, que gasta parte dele nas edições que faz do seu Aracaju romântica que vi e vivi, que teve 3ª edição em 2007, graças ao patrocínio cultural do SEBRAE, do BANESE e da UNIT. A própria evolução do livro, com novos assuntos e muitas outras fotografias, é suficiente para atestar o quanto o autor tem a dizer e o quanto acumula de imagens com as quais encheu sempre as suas retinas, que a velhice não destrói.
Murilo Mellins concorre com grandes cronistas das décadas de 1940 e 1950, que mais parecem uma belle epoque retardatária na cidade de Inácio Barbosa. Garcia Moreno e Mário Cabral, e mais recentemente Lauro Fontes, que morreu na Bahia, neste ano de 2008, na fixação do cotidiano, de algum modo surpreendente, de uma capital cuja qualidade mais conhecida no País é a de ser pequena, como o Estado. O Brasil não conhece os domínios da sua própria federação e não tem intimidade além do alcance próprio do olhar. O Brasil sabe pouco dos brasileiros e não celebra com eles a festa da vida situada, no contato natural e cultural que mais e mais se integram.
Sergipe também não fica longe. Muitos fatos de sua história são deixados na masmorra do esquecimento, acondicionados em velhos papéis, frágeis jornais, ou na memória pessoal e social dos mais velhos, onde um mundo literário ágrafe ganha relevo, quando feita a interface com o cabedal imaterial do velho mundo. A conquista de Sergipe, feita pelas armas dos soldados de Cristóvão de Barros, em nome do escudo monárquico da Espanha, e que encobre a resistência indígena, não inspira pesquisas, as lendárias minas de prata de Itabaiana, que ouriçaram o imaginário dos europeus, não apetecem sequer a mera curiosidade dos serranos, a presença jesuítica, carmelita, franciscana, com seus tesouros de arquitetura, de arte e de prédicas, foi igualmente reduzida a poucos alinhavos, as divisões do território, alocados em Freguesias, jamais serviram de objeto de estudos esclarecedores, a evolução de cada povoação, vilas, cidades, regiões, continuam carecendo de interpretações econômicas, demográficas, sociais e culturais. Isto é apenas um pouco, quase nada do débito no campo da historiografia.
Nas décadas de 1940 e 1950, que são da especialidade de Murilo Mellins, outros fatos marcaram Aracaju, como a presença de Gilberto Freyre, em 1940, à frente de um grupo de cientistas da saúde pública e mental, ou os torpedeamentos dos navios mercantes, pelo submarino U-507 alemão, em agosto de 1942, as lutas democráticas de 1945,o assassinato do operário Anízio Dário, em 1947, a morte, trucidado na praça Fausto Cardoso, de Lídio Paixão, o crime da rua de Campos, que ceifou a vida de Carlos Firpo, o crime perpetrado por La Conga, que tirou a vida do menino Carlos Werneck, o fim dos bondes, o desmonte do Morro do Bonfim, e isto é tão somente um pedaço ínfimo de um inventário de muitos e muitos fatos, que estão empoeirados pela falta de interesse em estudá-los. O papel de Murilo Mellins na crônica da cidade do Aracaju é inigualável, pela oportunidade das abordagens, variedade temática, e precisão informativa.
Aos 80 anos, Murilo Mellins é credor de um trabalho incansável que faz como curador de memórias aracajuanas. E, fagueiro como os jovens, já prepara livro novo, com fatos curiosos, diferenciados, que nutriram o noticiário dos jornais, os programas de rádio e muito especialmente ficaram alojados nos guardados do povo. Que Murilo Mellins seja louvado como anjo da guarda do memorialismo aracajuano e que a cidade, pelas suas elites dirigentes, culturais, empresariais saibam ser dignas do esforço que ele empreende, em favor de um saber simples, mas ao mesmo tempo especial, como fonte onde são identificadas as lembranças que tanto animam a vida.