As Religiões e a Paz – Arnóbio Patrício de Melo

Viveram em Sergipe vários padres ilustres, intelectuais respeitáveis, aclimatados ao ambiente cultural do Estado. Desde os tempos da colonização que jesuítas, carmelitas, franciscanos, procedentes de vários países da Europa deram contribuição ainda hoje lembrada, a começar por Gaspar Lourenço e João Salonio, que catequisaram os indígenas em 1575. De lá para cá, ao longo da história,  estabeleceram povoações, deixaram marcas efetivas de suas presenças como pastores e predicadores em São Cristovão, em Japaratuba, em Pacatuba, em Itaporanga, Porto da Folha, Frei Paulo e muitos outros pontos do território sergipano, incorporados ao modo de ser local.

 

A criação da Diocese, em 1910, que trouxe um bispo nascido no Rio Grande do Norte – Dom José Tomaz Gomes da Silva -, abriu novas perspectivas para o clero, com o funcionamento do Seminário Sagrado Coração de Jesus, formando os chamados “padres de Dom José.” Um deles, alagoano de nascimento, Avelar Brandão Vilela, terminou sua carreira religiosa como Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil. Dom Avelar, ordenado em Aracaju, onde exerceu o sacerdócio e foi influente líder, participando da vida católica e cultural sergipana, pode ser considerado um dos símbolos dessas presenças.

 

Com a criação da Província Eclesiástica de Sergipe, transformando a Diocese em Arquidiocese e criando as Dioceses de Estância e de Propriá, Sergipe conviveu com D. José Vicente Távora, cearense de família ilustre, aqui amado como se fosse um sergipano. Para Estância veio o cearense Dom Coutinho e para Propriá o mineiro Dom José Brandão de Castro. O Bispo de Propriá tornou-se, por sua luta em favor dos trabalhadores sem terra, dos parceleiros do arroz, dos remanescentes Xocó da Ilha de São Pedro, uma referência dos movimentos sociais, valendo-se da bagagem intelectual para dar ampla dimensão ao seu trabalho pastoral.

 

Na esteira de outros padres, como o gaúcho Dom Mário de Miranda Vilas Boas e os sergipanos Domingos Fonseca, Carlos Camélio Costa , José Augusto da Rocha Lima e Dom Luciano José Cabral Duarte, Dom Brandão foi eleito para a Academia Sergipana de Letras, pondo em relevo sua obra literária, jornalística, panfletária, dedicada as causas que ardorosamente abraçava.

A Diocese de Propriá atraiu padres estrangeiros, com Gerard e Etiene, em Japaratuba, dentre outros, e frades nordestinos como Frei Enoque Salvador, prefeito, como Gerard Olivier, renovando o clero para as tarefas avolumadas pelas orientações do agiordianamento do Concílio Vaticano II. Uma igreja com opção preferencial pelos pobres, avalizando as lutas das massas fracas e algumas vezes oprimidas, para a sobrevivência digna.

 

Diversos outros sacerdotes viveram e ainda vivem em Sergipe e dão contribuição sempre louvada. Um deles – Arnóbio Patrício de Melo, pernambucano, sergipanizado em mais de três décadas de participação na vida de Aracaju, tanto como pároco, quanto como professor e como político. Foi vereador à Câmara Municipal de Aracaju por três legislaturas, sempre pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro, participou da administração municipal, uma vez como Diretor de Turismo, outra como Secretário de Educação, e mesmo quando foi afastado do cotidiano da igreja manteve-se fiel ao catolicismo, aos correligionários, como José Carlos Teixeira, aos amigos, e a Sergipe. Não quis mudar, voltar para Pernambuco, onde nasceu, ou para São Paulo onde foi ordenado padre, ou sair daqui para outro lugar qualquer. Resistiu bravamente e se tornou uma unanimidade no respeito e na admiração que os sergipanos, principalmente de Aracaju, lhe devotam.

 

Rotariano destacado, Arnóbio Patrício de Melo teve uma conferência, que pronunciou em Feira de Santana, na Bahia, publicada com o título de As Religiões e a Paz (Aracaju: Rotary Clube Aracaju Norte, 2003). É um texto de erudição, sem proselitismos, destinado a servir de base à reflexão sobre o fenômeno religioso, que acompanha a história humana. É, também, um texto de força didática, de leitura fácil e agradável, que não visa converter, mas convencer com argumentos que dão à religião funcões especiais, como a de prover a paz.

 

Quem conheceu o padre Arnóbio Patrício de Melo sabe da sua tolerância, da sua capacidade de argumentação, e das profundas bases de sua consciência moral, como homem de fé, como religioso, desdobradas nos seus trabalhos como professor, político, administrador, homem público. No Conselho Estadual de Educação sua palavra ponderada, sua abertura para a discussão do contraditório, deu oportunidades a que temas polêmicos fluissem e tramitassem calmamente, sem vencedores e sem vencidos.

 

Seu livro é uma contribuição de excelência, franca e clara, que fortelece crenças e congrega crentes, de forma ecumênica, consistente, objetiva, afirmando que “a base mais consciente, o ponto de apoio mais sólido da humanidade é a religião.” Ainda que a afirmativa possa gerar divergências de opinião, é com ela que ele dá o fecho de sua fé, evocando os cristãos dos primeiros tempos do cristianismo,  diante das perseguições e das dificuldades, cantando e repetindo: “Os homens se agitam, mas Deus os conduz.”

 

Para elaborar seu texto, o padre Arnóbio Patricío de Melo valeu-se de uma extensa bibliografia, abonando informações históricas, conceitos, tendências, correntes que animam o debate religioso. Trata-se, enfim, de um texto elucidador, que deve ser lido por todos e divulgado como uma contribuição intelectual de um sacerdote que deu a Sergipe o que de melhor sua força, inteligência e consciência política produzem. Sua obra social, na Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, do Conjunto Orlando Dantas, ou no bairro José Conrado de Araújo, já é conhecida e reconhecida.

 

Sua obra de intelectual, da qual As Religiões e a Paz é um belo exemplo, precisa chegar ao uso público, em todas as idades, como reflexo responsável de um velho militante que acredita no que é, no que pensa e no que faz.

 

Padre Arnóbio Patrício de Melo, nascido em 10 de junho de 1927, em Camucim de São Félix, Pernambuco, morreu em Aracaju, aos 78 anos, na manhã de 8 de setembro de 2005, sendo sepultado na própria igreja que exercia sua papel de vigário e líder de uma pastoral exemplar, a serviço da comunidade à qual dedicou os últimos anos de vida.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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