No texto que escrevi na semana passada (“O Supremo Legislador”), pude apresentar sérias preocupações com os rumos do recente “ativismo judicial” na esfera pública brasileira. Esse “ativismo judicial” se revela mais contundentemente a partir do Supremo Tribunal Federal(embora seja muito forte também no Tribunal Superior Eleitoral), que, a meu juízo, não obstante possua uma composição da mais alta qualificação jurídica, não pode e nem deve concentrar em suas mãos uma gama tão variada de poderes, em prejuízo das instâncias judiciais de base (que estão bem mais próximas do drama humano que todo processo judicial apresenta) e em prejuízo da cena democrática. Sobre esse protagonismo exagerado e recente do STF, cheguei a dizer que “Ao adotar como política institucional a edição proliferada de Súmulas Vinculantes, o STF usurpa o espaço de atuação constitucional e institucional do Poder Legislativo, tornando-se o Supremo Legislador”. Escrevi isso na quarta-feira da semana passada (20/08/08). Pois bem, naquela mesma quarta-feira, o STF, após julgar dois processos que versavam sobre a temática do nepotismo, decidiu que editaria mais uma Súmula Vinculante (nº 13), cuja redação foi aprovada na quinta-feira (21/08/08). Contudo, o próprio debate sobre a redação da Súmula bem evidenciou o caráter legislativo (indevido) dessa atuação. Não se recorria ao que decidido nos precedentes para estabelecer a formulação geral. Recorria-se, sim, ao que deveria ser dito de modo a melhor implementar os comandos constitucionais segundo o pensamento dos Ministros. Uma súmula, porém, deveria se limitar a explicitar o entendimento consolidado da Corte diante de vários julgamentos reiterados num mesmo sentido de interpretação. É bem verdade que, dada a relevância e a positividade dos seus comandos, e tendo em vista a inércia/omissão dos demais poderes públicos quanto ao cumprimento dos princípios constitucionais do Art. 37 e vedação efetiva da prática do nepotismo, a Súmula Vinculante nº 13 recebeu o aplauso da sociedade. O risco, porém, é grande, e a própria Suprema Corte precisa encontrar um ponto de equilíbrio, o que não parece ser a sua intenção, principalmente nesse momento em que se encontra sob a condução do Ministro Gilmar Mendes, notório adepto desse modelo de concentração do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos no próprio STF. E que risco é esse? É o de tornar a Suprema Corte a depositária de todas as esperanças e anseios da sociedade. Já que os demais poderes, em especial o Legislativo, vem falhando seriamente no atendimento das demandas coletivas, que o Poder Judiciário e em especial o STF assuma esse papel, em nome do implemento de boa vontade das determinações constitucionais. Desse modo, os grandes temas nacionais, que deveriam necessariamente passar por amplo debate democrático em toda a sociedade e nos locais mais adequados para o exercício da representação política dessa mesma sociedade (Poder Legislativo e Poder Executivo), passam a ser objeto de monopolização pelo Poder Judiciário (leia-se STF). Senão, vejamos. Para a presente semana, dois temas importantíssimos estão em debate no STF: antecipação terapêutica do parto (ou aborto, a depender do ponto de vista) em feto portador de anencefalia (ausência de cérebro) e demarcação efetuada pelo Ministério da Justiça da reserva indígena “Raposa do Sol”. E no Poder Legislativo, o que está em debate? Observe-se, todavia, que é no Poder Legislativo que a sociedade se encontra legitimamente representada, eis que seus membros são eleitos pelo povo. Ninguém elege, porém, os Ministros da Suprema Corte. Tem o STF legitimidade para pautar todo o debate político nacional e, após, normatizar as suas conclusões mediante enunciados de Súmulas Vinculantes? Esse quadro de perplexidade levou Eduardo Appio a comentar que “temos, hoje no país, a Suprema Corte mais ativista de todo mundo. Se os resultado do Brasil nas olimpíadas da China foi bastante discreto, o mesmo não se pode dizer sobre a atuação do STF em termos mundiais.”. E prossegue: O ativismo judiciário significa, em breve síntese, que juízes não eleitos diretamente pela população trazem para si a incumbência de decidir questões tradicionalmente afetas aos demais Poderes da República. Assim, o fenômeno da “judicialização da política” traz em seu interior a possibilidade de que decisões sobre políticas públicas sejam tomadas por aqueles que não foram eleitos para esta importante missão. Em meio a um processo eleitoral nacional, o tema é assaz relevante. Tudo para concluir do seguinte modo: O STF passa a aceitar a incumbência de regular os mais importantes temas da agenda política do país, exercendo verdadeira atividade legislativa (positiva), convertendo-se, doravante, na Corte Constitucional mais ativista do mundo ocidental e principal Casa Legislativa do país. O resultado da súmula, muito embora correto do ponto de vista da ética política, é conseqüência do uso indevido de um instrumento normativo que deveria estar reservado para os casos de revisão da atividade política dos demais Poderes da República. Em uma democracia, os fins — mesmo que nobres — nunca justificam os meios.[1] Esse ativismo judicial aparece tão perigoso quando se percebe a apatia com que vem se desenrolando a campanha eleitoral para os cargos eletivos municipais em todo o país. Algo como se o eleitor tivesse a percepção de que seu voto não vale muito, afinal, os grandes assuntos de relevância social estarão agendados, definidos e decididos mesmo em outras esferas de poder, cujos membros não se submetem a processo de escolha popular. E esse é um caminho muito perigoso para a nossa democracia, que ainda busca consolidação após vinte anos do apogeu da redemocratização. [1] “Ativismo Judiciário: Em uma democracia, os fins nunca justificam os meios” – disponível em https://.conjur.com.br/static/text/69219,1.
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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