Auditoria da Dívida Pública

No debate entre os candidatos a Presidente da República realizado pela Rede Bandeirantes de Televisão, na data de 05/08/2010, um dos candidatos foi questionado por um jornalista da emissora acerca do que seria uma proposta de campanha consistente no “calote” da dívida. A proposta seria, segundo o jornalista, de não pagamento da dívida pública brasileira.

 

A pergunta, do modo como foi feita, revela o desconhecimento por parte de setores significativos da sociedade brasileira da existência de uma obrigação constitucional que consiste exatamente na realização de uma auditoria da dívida pública externa.

 

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no Art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que no prazo de um ano o Congresso Nacional deveria promover exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro:

 

Art. 26. No prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de Comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro.

§ 1º – A Comissão terá a força legal de Comissão parlamentar de inquérito para os fins de requisição e convocação, e atuará com o auxílio do Tribunal de Contas da União.

§ 2º – Apurada irregularidade, o Congresso Nacional proporá ao Poder Executivo a declaração de nulidade do ato e encaminhará o processo ao Ministério Público Federal, que formalizará, no prazo de sessenta dias, a ação cabível.

 

Observe-se que, a teor dessa norma constitucional, o Congresso Nacional deveria promover a auditoria da dívida pública brasileira (exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro) por meio de comissão mista (comissão formada ao mesmo tempo por deputados federais e senadores), comissão à qual se atribuiu status de comissão parlamentar de inquérito (portanto, como poderes de produção de prova próprios das autoridades judiciais) e que deveria contar com o auxílio técnico do Tribunal de Contas da União. Acaso a auditoria realizada pela comissão encontrasse irregularidade, o Congresso Nacional deveria encaminhar a documentação pertinente ao Ministério Público, para promoção da ação judicial cabível em face dos responsáveis, bem como encaminhar ao Poder Executivo proposta de declaração de nulidade do ato.

 

Passados mais de vinte anos, todavia, o Congresso Nacional não se desincumbiu de sua obrigação constitucional. Embora tenha instalado comissão com esse propósito, em 1989, o fato é que essa comissão limitou-se a um exame parcial e não conclusivo do endividamento externo brasileiro. Tanto assim que foi aprovada a instalação de uma nova comissão temporária, que deveria concluir os trabalhos da comissão anterior, mas que viu chegar o termo final do prazo de seu funcionamento sem sequer aprovar relatório final, sendo arquivada em março de 1991.

 

Muito dinheiro público foi gasto com encargos referentes à dívida externa brasileira, havendo suspeitas, porém, de que tais gastos foram realizados de maneira indevida, desviando-se recursos que deveriam ser utilizados em investimentos em políticas públicas para o desenvolvimento nacional e prestação de serviços públicos essenciais. A auditoria da dívida externa, tal como determinada pelo Art. 26 do ADCT da Constituição, era e ainda é uma necessidade inadiável, que não deve ser mais prorrogada do que já foi por tanto tempo. Realizada a auditoria, se nada de irregular for encontrado, que seja a matéria arquivada. Se irregularidades forem encontradas, que sejam punidos os responsáveis e que sejam adotadas as medidas cabíveis para a recuperação do dinheiro público indevidamente gasto.

 

A questão é tão relevante para a observância de preceitos fundamentais da Constituição – como a soberania e o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza, todos umbilicalmente vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana – que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs, no Supremo Tribunal Federal, argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF n° 59), na qual pede que o STF determine que o Congresso Nacional promova efetiva auditoria conclusiva da dívida externa brasileira, por meio de exame analítico e pericial integral, sob todos os aspectos, de todo os atos e fatos geradores do endividamento, tudo nos termos da obrigação constitucional fixada no Art. 26 do ADCT e solenemente descumprida todos esses anos.

 

Bastante oportuno, portanto, que o tema da auditoria da dívida pública volte à baila, num momento de campanha para eleição, pelo povo brasileiro, de seus representantes políticos na esfera federal e nas esferas estaduais, merecendo maior atenção por parte de partidos políticos, candidatos e, sobretudo, por parte dos eleitores.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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