Bancando o politicólogo, ora bolas!

Recentemente numa conversa entre amigos, discuti sobre as nossas eleições com um especialista em ciências políticas, que vem de constituir família entre nós. O jovem que viera para nossas bandas justamente para estudar o comportamento do eleitorado sergipano, aqui se enamorou de uma das nossas belas garotas e por aqui ficou.

 

A nossa conversa política ficaria sem maiores destaques, não fora o fato de o jovem afirmar que em análise geral do eleitorado do Brasil, Sergipe se caracteriza como um dos mais conservadores, ou o mais conservador do país.

Em apoio a tal afirmação, foi exemplificada por ele a única eleição vencida pelo PFL nos idos de 1986. Não creio que esta eleição, na qual foi eleito Antônio Carlos Valadares como Governador do Estado, seja uma demonstração cabal de que Sergipe possui um eleitorado ideologicamente conservador.

Julien Benda (1867-1957), filósofo e escritor francês, escreveu em 1927, La Traison de Clercs, (A traição dos intelectuais ou dos clérigos), censurando os intelectuais por deixarem o mundo do pensamento desinteressado e dos valores abstratos e atemporais, para se aventurar no combate político, na sede do resultado imediato, na busca do poder como um fim, tudo o que faz a paixão política e que deveria ser estranho ao sábio, ao moralista, isto é ao clérigo. Wilkipédia

 

Acho inclusive, me apoiando em Julien Benda, filósofo francês autor de “La Traison de Clercs” (A traição dos intelectuais ou dos clérigos, como ele assim os concebia) que em Sergipe houve uma Traison de Compagnons ou même de Camarades, ou então uma Traison de la gauche, isto é; uma traição de companheiros ou camaradas, todos da esquerda. Porque naquela eleição, queimaram na fogueira, com o aplauso ou a indiferença da esquerda, Zecarlos Teixeira, o grande líder oposicionista ao regime militar, bem como Seixas Dória e Viana de Assis seus maiores perseguidos e cassados; igual à virgem Joana d’Arc, churrascada pelos ingleses, mas abandonada pelos franceses vitoriosos na batalha.

 

Poder-se-á dizer que a história aqui externada não foi bem assim, sobretudo se quiserem contar uma estória amaciada com argumentos politicamente corretos de modo a apagar algumas fraquezas e espertezas e outras baixezas. Mas também não posso imaginar, simplisticamente, que tudo se passou, porque o eleitorado sergipano é o mais conservador do país.

 

Neste particular, lembremos que em período anterior, mais precisamente na redemocratização de 1945, Sergipe se apresentava com um eleitorado, preferencialmente “vermelho”, sobretudo Aracaju, porquanto o nascente Partido Comunista Brasileiro elegera um Deputado, Armando Domingues e um Vereador, Carlos Garcia, muito bem votados, inclusive Luiz Carlos Prestes e Yedo Fiúza, candidatos nacionais do PCB.

 

Não acho, porém, que o nosso eleitorado seja ideologicamente definido. Não é conservador, menos ainda, liberal, socialista, trabalhista ou anarquista. Nosso eleitorado é movido por preferências pessoais, jamais de siglas ou ideologias.

 

Por outro lado, não desejo utilizar para este mesmo eleitorado a palavra progressista, por entendê-la mais relacionada ao desenvolvimentismo, à pujança empresarial, aliada à eficiência das instituições e ao não engessa-mento de ações por regulamentações burocráticas e sindicais. Deixo de utilizá-la, sobretudo, porque progressista tem sido a autoproclamação dos partidos que pregam máquinas estatais pesadas, burocráticas e ineficientes, muito aplaudidos por nosso funcionalismo público, costumeiramente em greves e paralisações.

 

Mas, deixemos as greves. Porque as greves não levam a nada. E em verdade todos os nossos políticos, ora porque não têm qualquer apreço à coisa pública, ora porque estão apenas preocupados com as suas carreiras e com a próxima eleição, apreciam todas as greves, sem exceção. Dão-lhes apoios e aplausos, sobretudo, quando estão na oposição.

 

Mas, voltemos à eleição de 1986, na qual se elegeu o Governador Antônio Carlos Valadares, tida por este cientista político como o testemunho de um eleitorado conservador.

 

Primeiro devo dizer, que não posso afirmar o Senador Valadares como um político conservador. Aliás, não sei o que é isso na política sergipana. Só porque nasceu na antiga UDN, um partido de pregação reacionária e golpista no País e no Estado, sempre se opondo às conquistas trabalhistas e as manifestações mais à esquerda do nosso eleitorado? Só porque no próprio período autoritário, Valadares fizera política na antiga ARENA, ficando no PDS até quase o apagar das luzes? E quem não o fez? Só porque passou pelo PFL quando foi governador? Só porque se aliou a todas as siglas? E quem não se aliou? Só porque sempre se saiu vitorioso, inclusive elegendo seus parentes? Não. Sua postura, enquanto Governador e parlamentar jamais poderá inseri-lo no rol dos políticos, ditos conservadores, sobretudo, no sentido desprestigiado que se dá à palavra conservador, como sinônimo de explorador do povo ou inimigo das liberdades.

Tanto isso é verdade, que ainda hoje, vinte anos passados, o Senador Valadares é festejado e prestigiado prócer do PSB, socialista desde criancinha, e dono de muitos votos.

 

Mas voltemos à eleição de 1986, quando o Governador João Alves Filho foi o maior eleitor de Valadares.

 

João fora um nome novo, jovem e palatável, com um sorriso aberto e acolhedor, oriundo de segmento humilde da população, que obtivera grande apreço popular como profissional competente, inventivo e criativo, executivo de destaque, que se caracterizara como um grande Prefeito de Aracaju, até hoje inigualável.

 

Por se caracterizar como um político moderno e realizador, um administrador verdadeiramente progressista, João Alves chegara ao governo pela sensibili-dade política de Augusto Franco, então Governador, que vira nele a preferência do eleitorado.

 

Ao alistá-lo para o PDS, Augusto Franco conseguiria a maior vitória eleitoral conquistada até o presente dia. Naquela eleição de 1982, as oposições foram literalmente arrasadas. Foi uma verdadeira acabação, com a derrota de Gilvan Rocha e Zecarlos Teixeira, e seus liderados no velho MDB.

 

Com a redemocratização, porém, tudo isso acabou, e a oposição liderada por José Carlos Teixeira e Jackson Barreto tivera pressa em alcançar o poder. E assim o MDB, virado PMDB, atabalhoadamente aderiu a João, dando-lhe uma aura maior que qualquer dos seus colegas pefelistas, enquanto “cristão-novos ex-arenistas”, que seriam derrotados Brasil a fora.

 

Por aqui foi tudo bem diferente: O MDB ou o PMDB, porque açodadamente aderira ao poder, recebendo de presente um mandato tampão de Prefeito de Aracaju, perderia a eleição de governo prejudicando para sempre as suas lideranças locais no contexto nacional, a ponto de ainda hoje estar o partido a se debater sem uma maior liderança, preso a uma disputa familiar, na qual gravitam alguns asteróides, que exibem raro brilho e ralo voto.

 

Hoje o PMDB não possui um Senador, nem um Deputado eleito com seus votos. Mas isto é outra estória.

 

A história que eu pretendo interpretar é que a derrota do PMDB em 1986 não define o eleitorado sergipano como conservador. Tal derrota se deu porque o Governador João Alves soubera estrategicamente investir, para si e para o seu grupo, nas divergências pessoais entre José Carlos Teixeira, o grande líder resistente ao arbítrio militar em Sergipe, e Jackson Barreto, uma sua criatura, como todos os do MDB daqui. Jackson foi o que melhor vingara sucesso eleitoral, entre tantos sob o pálio erguido e mantido por Zecarlos, subindo no seu palanque e verborrejando no seu microfone.

 

Mas, ao se empossar Prefeito de Aracaju, com o apoio de João Alves, numa eleição que ganharia com o PMDB sozinho, Jackson e seu grupo recusam apoio a Zecarlos, e eis daí pra frente o PMDB vencido, em derrota única no país, com os segmentos mais à esquerda referendando-a. Uma derrota que se seguirá, daí para frente, ora com Jackson, ora com Zecarlos, e com o PMDB como um todo.

 

É porque o eleitorado sergipano é conservador? Não creio. O nosso eleitorado segue homens, jamais idéias ou ideologias políticas.

Retifico, porém, quanto à questão de ideologias políticas, porque entendo que em Sergipe vige permanentemente, independente de siglas partidárias e de homens, a apropriação do Estado para as benesses e os apadrinhamentos. Assim, neste contexto, todos os nossos políticos são “socialistas”, isto é socializam o prejuízo, empregando e nomeando o compadrio e a incompetência aliada.

 

A título de exemplo, não é curioso verificar, que em maioria, os nossos repre-sentantes na Assembléia Legislativa têm apoiado todos os governos, o atual e os do passado? Não será isso um exemplo fortíssimo da sua consistência ideológica?

 

Neste ponto somos bastante conservadores. O Estado existe para ser esquar-tejado e bem dividido como despojo de vândalo.

 

Mas, como estamos hoje na política?

 

No passado era o grupo Franco, o de João Alves, o de Zecarlos Teixeira, o de Jackson Barreto, o de Valadares e o PT só com Deda, a estrela que não tinha rabo, só para usar o termo “rabo da estrela” surgido na primeira eleição de Deda como Deputado mais votado.

 

Do grupo Franco nascido com o patriarca Augusto Franco, resta com mandato o Deputado Federal Albano Franco, o que é muito pouco para a sua linhagem.

No princípio eram Albano, Walter e Antônio Carlos Franco. Albano foi o que mais cresceu. Foi Senador várias vezes e Governador duas. Na reeleição de Albano como Governador, os irmãos se viram impedidos a postular candida-turas, por inelegíveis; uma estupidez da legislação. Resultou-lhes então um afastamento precoce da política.

 

Para minorar tal dano Walter elegeu seu filho Augusto Franco Neto, e Antônio Carlos também o seu, Marcos Miranda Franco.

 

Hoje, só Albano tem mandato. Estará a família Franco em extinção na política?

 

Se estiver, é uma pena, porque a linhagem do patriarca Augusto Franco sempre se revelou boa de urna e mais zelosa com a coisa pública.

 

No grupo pefelista está João Alves sem mandato, sua senhora, a Senadora Maria do Carmo, o Deputado José Carlos Machado e outros. J

 

João continua uma liderança que cresce e se renova, sobretudo, pela incapaci-dade, inoperância e ineficiência de seus críticos, que muito discursam e pouco realizam.

 

Acusam João Alves de tudo, até das remelas de todos os dordolhos dos que se cegam com suas obras. Se alguém cheira mal a suor, acusa-se João por colocar o sergipano para trabalhar e produzir. Se há uma ponte bonita no rio Sergipe, a ponte “leva o nada a lugar nenhum” passando por um “rio de merda”. Se há uma orla chamativa de turista, o povo precisa mais é de “obras ‘estruturantes’ para reduzir a desigualdade do povão”, e menos “jardinagem” só pra turista ver.  Se João minorou o problema da seca no sertão, dizem que fariam melhores barragens e irrigações mais baratas. Mas, nada fazem, além de belos discursos.

 

E assim vai… “João é o velho! Saudemos o novo!” E o que é o novo?

 

No alvorecer da Nova República de Tancredo Neves, o novo era Zecarlos Teixeira, como foi também Jackson Barreto.

 

Zecarlos encontra-se hoje inserido na história como um idealista, traído como tantos, no momento da fruição de seu esforço.

Em “La Traison de Clercs”, Julien Benda recomendava que o sábio, o intelectual, o clérigo não saísse à praça pública e que não interviesse no trabalho secular, senão para ver triunfar a sua missão; a verdade, a justiça, a razão e a liberdade social e intelectual. Wilkipédia

Daí ter eu tomado por empréstimo a muleta de Julien Benda e o seu “Traison de clercs”, para exemplificá-la nesta derrota fatal do PMDB de 1986.

 

Talvez, como um perdão de tantos erros se possa dar a Zecarlos Teixeira semelhantes homenagens só prestadas ao Ex-Governador Seixas Dória, cassado pelo regime militar, e jamais ressurgido das cinzas, politicamente falando.

 

Em Sergipe não nasce Fênix; ninguém ressurge das cinzas.

 

Seixas é talvez o único exemplo no Brasil que foi cassado e não voltou.

 

Quando Seixas tentou ser Senador, em plena redemocratização, justamente em 1986, Sergipe o repeliu preferindo Lourival Baptista, um senador biônico, dando a este um terceiro mandato. 

 

Sobraram, para o grande cassado e ao seu discurso imutável e coerente, muitos aplausos e medalhas, até de Lula.

 

Sobrevieram, porém, raros votos; não conseguiu um mandato sequer, após a injusta cassação como elemento perigoso da nação.

 

Coisas de Sergipe. Quem aqui foi cassado, sucumbiu.

 

Com Zecarlos Teixeira foi algo também assim; caídos os militares, foi uma brigalhada danada no PMDB, com traições várias a lhe contestar a liderança, com direito à tomada de livro de ata, na bruta e na marra. E assim eis agora o PMDB apenas como uma sigla disputada, pelo tempo na televisão e pelo orçamento partidário.

 

Diferente, muito diferente do tempo em que Zecarlos sacrificava o seu patrimônio pessoal para que em Sergipe existisse uma voz altiva diferente.

 

Os Teixeira, com Oviêdo e Zecarlos à frente, impediram que Sergipe fosse uma “unanimidade burra”, em apoio ao regime militar. Mas isso são águas passadas por baixo da ponte e já se perderam no mar que tudo nivela, os bons e os medíocres.

 

Tirando então os de João Alves, os Franco, Zecarlos Teixeira na História, Jackson Barreto em luta com seu primo Almeida Lima, Valadares e agora Déda, sobrou pouca gente que possa se caracterizar como grande liderança política em Sergipe.

 

Dir-se-á que só por idade Déda será o único a ter um futuro político longevo. Os outros são sessentões ameaçados com a aposentadoria, afinal os jovens não perdoam os velhos, sobretudo, nas urnas.

 

Restou muita mediocridade é verdade! Até isso conspira a favor de Déda, tanto do seu lado como do outro.

 

Quanto a Jackson Barreto e a seu primo Almeida Lima, pode-se dizer que o segundo tem sido mais feliz nas alianças que faz e assim obteve tudo, embora seja possuidor de ralos votos. Foi Deputado, Prefeito de Aracaju e é Senador, com excelentes ajudas.

 

O Deputado Jackson Barreto, porém, porque dono de muitos votos, vem sendo rotineiramente canibalizado a cada aliança. Os exemplos do passado não o convenceram, e agora estaria a perder o mandato, se o seu suplente tivesse direito a requerê-lo, invocando o instituto da fidelidade partidária. Uma sorte! Esta escapando da cassação pelo TSE por um fio!

 

Mas, referindo se à sua canibalização recorrente, é bom verificar que na última eleição, por exemplo, o seu grupo saiu menor. Virou um mero apêndice do PT. E um apêndice, todos o temos; não é coisa importante! É um órgão inútil, perfeitamente dispensável quando nos incomoda. Hoje os seus liderados, aí incluídos os PMDB sem votos, estão se agarrando a sinecuras estatais, fingindo que estão trabalhando e agradando ao seu chefe. Devem ser os primeiros a sorrir com a piada sem graça do novo chefe e a dormitar em castigo nas antecâmaras do seu gabinete.

 

Quanto aos novos, os assumidos de “esquerda”, como Ana Lúcia Meneses, Iran Barbosa ou Francisco Gualberto, estão a crescer, sobretudo porque sabem ser mais notícia nos veículos de comunicação, que os próprios donos dos jornais, das rádios e das TVs, e assim vão ocupando todos os espaços com um discurso de muitas promessas e sobejas soluções para tudo. Pregando um discurso ultrapassado de conteúdo sindical, eles serão no futuro a oposição mais à esquerda até do próprio Déda. Única maneira de sobreviverem.

 

Quanto aos outros, os jovens que se acham também de “esquerda”, e estrate-gicamente estão situados no centro, falta-lhes discurso e definições que os classifiquem. São birutas ao vento; jamais caminharão com suas idéias ou contra o vento, mesmo se este vento mudar de lado. Daí ser difícil encarar diferenças e delimitar posições.

 

Assim, não vejo o eleitorado sergipano, nem os nossos políticos como de índole conservadora.

 

Aliás, eu até veria com bons olhos uma liderança política conservadora, preocupada com a ordem e a eficiência das instituições. Que estivesse menos preocupada com o propagar de seus feitos na imprensa, e mais com a contenção dos gastos públicos. Que resistisse ao inchaço da máquina estatal e recusasse as contratações de incompetentes em cargos gratificados inúteis. Que fustigasse o parasitismo e o compadrio dos que ganham sem trabalhar. Que combatesse o grevismo e o assembleísmo inconseqüentes. Que desse um basta à politização funcional que conjuga paralisação e ineficiência com estabilidade no emprego. Em fim, tudo isso que ninguém prega porque não dá voto, daí surgirem muitos demagogos a prometer o jantar gratuito e o céu aqui na terra.

 

E há tantos que em tudo isso acreditam,…ora bolas!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais