Diego Leonardo Santana Silva
Doutorando em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ)
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Bolsista Capes
E-mail: diego@getempo.org
Bojack Horseman é uma das séries de animação mais premiadas dos últimos anos. Produzida pela Netflix, ela contou com 6 temporadas e narrou a história de um cavalo humanoide que foi um astro da TV dos anos de 1990 e que tenta retomar sua carreira. Em um mundo composto por animais humanoides e seres humanos normais, a série possui como pano de fundo os grandes males da pós-modernidade com seus personagens vivendo naquilo que o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han chamou de “sociedade do cansaço”.
O termo que dá nome a um dos livros mais famosos desse filósofo faz referência à pós-modernidade e à forma como vivemos hoje. Para Byung-Chul Han, nosso tempo é marcado por um excesso de positividade e ausência de referências naquilo que ele chamou de “o desaparecimento dos rituais”, que também dá nome a outro livro desse autor. Desse modo, por exemplo, o transporte por meio de veículos automotores é algo positivo, mas o excesso de positividade, ou seja, muitos carros em uma mesma via, acaba gerando estresse, fazendo com que algo que era positivo se torne também problemático.
No universo da série não é diferente. Todos os personagens que ali estão procuram um direcionamento em suas vidas mesmo sem saber bem o que desejam. Porém, cada um deles lida de maneira diferente com isso. O protagonista, Bojack Horseman, encara seus problemas de maneira autodestrutiva. Se esbaldando em bebidas, parceiras e um estilo de vida inconsequente, o astro da TV busca esquecer aquilo que o faz mal. Já sua agente, a gata humanoide Princesa Carolyn, segue adiante em sua vida, tendo como foco o trabalho e a esperança de que as coisas irão melhorar, mesmo em momentos difíceis.
Já outros personagens lidam com esse mundo de maneira diferente. O Senhor Peanutbutter é um cachorro humanoide que também foi um astro da TV dos anos 1990; porém, ele lida com sua vida de maneira diferente. O Senhor Peanutbutter aceita a vida como ela é e não se preocupa com os problemas. Ao contrário de Bojack Horseman, que busca encontrar um sentido para a vida, o Senhor Peanutbutter não se indaga sobre essa questão e aceita as coisas como elas são. Peanutbutter e Bojack são duas faces de uma mesma moeda; enquanto Bojack é depressivo e antipático, Peanutbutter é alegre e gentil.
Já a namorada de Peanutbutter, a humana Diane Nguyen, adota como guia a razão. Sendo uma intelectual feminista, Diane tenta se situar nesse mundo racionalizando as coisas, o que acaba tornando ela uma pessoa depressiva e infeliz. Por fim, temos Todd Chavez, um jovem humano largado pela família que encontrou abrigo na casa de Bojack Horseman e que durante anos viveu ali dormindo em seu sofá. Todd é alguém desapegado a bens materiais e que constrói amizades com as pessoas. Todd prefere encarar a vida com simplicidade, humildade e desapego, o que faz com que ele construa amizade com quase todos ali.
Ao apresentar perspectivas diferentes de como encarar essa realidade, a série problematiza a forma na qual as pessoas vivem hoje em dia. Um excesso de racionalidade faz mal? Ser autodestrutivo é uma irresponsabilidade ou uma fuga? Se focarmos no nosso trabalho, a nossa vida irá melhorar por conta disso? São questionamentos complexos. Talvez, nessa série, as pessoas que melhor vivam são o despreocupado Senhor Peanutbutter e o desapegado Todd Chavez.
Porém, todos os personagens têm um ponto em comum. Eles estão inseridos na “Sociedade do Cansaço”; todos estão cansados. Além disso, a série os insere em Hollywood, onde a fama e o dinheiro, elementos tão desejados atualmente, estão presentes e são algo comum. Ser rico e famoso faz alguém feliz?
Essa capacidade de problematização de questões importantes do nosso tempo é uma das principais características dessa produção. Muito por conta disso, Bojack Horseman se tornou um grande sucesso e uma das animações mais premiadas dos últimos anos.
Saiba mais:
Han, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
Han, Byung-Chul. Do Desaparecimento dos Rituais: uma topologia do presente. Tradução de Alberto Ciria. Barcelona, Herder Editorial, 2020.