Bola de Gude, Jogo de Marraio

Tem rareado nas ruas de Aracaju e das demais cidades sergipanas as muitas brincadeiras com bolinhas de vidro, conhecidas como “bolas de gude”, principalmente o jogo de marraio, que reunia crianças e jovens em disputas que realçavam a destreza, a estratégia, a força, a noção de distância, dentre outras características dos “jogadores” em disputa, até o final ou “papones”. A brincadeira infantil já foi muito comum entre os sergipanos, e o “jogo do marraio” parecia ter adquirido, entre o público brincante, característica local, própria, bem diferenciada dos muitos jogos que existem em vários paises do mundo.

A escola, que deveria fazer uso pedagógico de jogos e brincadeiras, tem desconsiderado o imenso repertório lúdico das crianças sergipanas. O jogo do marraio deveria compor o projeto didático das unidades escolares, como um parâmetro especial, capaz de acelerar o desenvolvimento de certas aptidões dos alunos, conciliando com os ensinamentos teóricos, expostos em salas de aulas, com práticas cotidianas, que marcam a vida social de meninos e meninas.

José Lúcio Matos da Gama, que na infância sentia-se atraído e fascinado pelo jogo com as bolinhas de vidro, criou um simulador sobre as pequenas esferas e as várias modalidades para brincar com elas no computador. O que era um jogo infantil, passa a ser um jogo eletrônico, o que aumenta a possibilidade de manter viva uma tradição, que embora não sendo de origem brasileira, aclimatou-se nas ruas do País, como atestam as lembranças nordestinas, sergipanas, nacionais.

Historiadores dos costumes mais antigos anotaram a existência de jogos com bolinhas na Roma antiga, e noutras partes do mundo, com variantes que foram, com o tempo, e pelo uso, modificadas, guardando, contudo, a essência da brincadeira, que valoriza a bola como instrumento interativo, múltiplo nas suas possibilidades de jogar. Encontrado em vários países, e mantido entre grupos de meninas e de meninos, o jogo da bola de gude ensejou o surgimento de colecionadores de bolinhas, de todas as cores, fabricadas em vidro.

Richie Chevat reuniu mais de cinqüenta modalidades diferentes do jogo com bolas de gude, publicando o The Marble Book (New York: Workman Publisshing, 1996), como um manual que apresenta, em linguagem clara, direta, objetiva, os modos como são jogadas as pequenas bolas de vidro. O termo que designa as bolinhas – Marble – pode ser traduzido como “jogo das pequenas pedras,” e é reconhecido nas comunidades dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França, como uma denominação “universal”. Não há, contudo, no livro de Chevat nada parecido com o jogo de marraio brincado entre as crianças sergipanas. Há, isto sim, algumas poucas semelhanças, conferidas com um ou outro dos jogos listados e explicados pelo autor.

É preciso, então, que o jogo do marraio seja documentado, divulgado, levado para a rede mundial de computadores, através da Internet, preparado como um “game” que reproduza as suas características fundamentais, conservadas no Brasil, e particularmente em Sergipe. Uma brincadeira tão universal, tão rica, tão pedagógica não pode continuar correndo o risco de desaparecer. Vale um campeonato, uma exposição, uma oficina, qualquer coisas mais que possa reabilitar o jogo do marraio como expressão estética, como confronto lúdico, como brincadeira sempre surpreendente.

As autoridades estaduais e municipais tanto podem, como devem patrocinar o jogo do marraio nas ruas e praças, ou em lugares mais apropriados, evitando o prejuízo da extinção da brincadeira. As crianças, que são seduzidas pela televisão e por outros lazeres, haverá de agradecer pela interatividade que as bolas de gude promovem, lançadas sobre a terra, em procura dos “buracos” ou “casas”, para enfrentar os contendores.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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