Evaporou como água fervente a polarização que marcou profundamente a eleição de 2018, entre o presidente que se elegeu Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O povo não aceitou o cabo de guerra e derrotou quem apostou nos dois líderes nesta corrida municipal de 2020. Bolsonaro e Lula perderam.
Neste domingo, nada menos que 28 partidos elegeram prefeitos nos 5.394 municípios brasileiros onde a eleição está definida (segundo atualização até as 16 horas desta segunda-feira, 16). O MDB elegeu 773 prefeitos, seguido do PP (680), PSD (650), PSDB (511) e DEM (459), sendo esse o partido que obteve maior crescimento, elegendo até agora 191 prefeitos a mais que em 2016. O PT elegeu 177 prefeitos, menos 76 em relação à eleição anterior, sendo 6 em Sergipe, onde o PSD do governador Belivaldo Chagas fez 20 prefeitos.
Em São Paulo, de 599 municípios com a eleição já definida, o PT elegeu apenas 2 prefeitos. Houve também escassez de votos para o partido de Lula nos outros colégios eleitorais mais importantes: fez 26 dos 838 prefeitos já eleitos em Minas Gerais, 23 dos 487 no Rio Grande do Sul e apenas um prefeito dos 80 já definidos no Rio de Janeiro. Até na Bahia, do governador petista Rui Costa, o partido fez 32 de 411 prefeitos já eleitos.
O resultado foi ainda pior para o PSL, o partido pelo qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito em 2018, que fez somente 90 dos 5.394 prefeitos eleitos, sendo 9 em São Paulo, 14 em Minas Gerais e nenhum no Rio de Janeiro, que é o domicílio eleitoral do próprio presidente. Aliás, na capital fluminense o vereador Carlos Bolsonaro foi reeleito com votação 34% menor do que em 2016, ficando atrás de Tarcísio Motta (PSOL), e o seu partido, Republicanos – o mesmo do irmão senador Flávio Bolsonaro –, fez apenas 5 prefeitos no Rio de Janeiro, 208 em todo o Brasil.
O PSC do deputado federal Eduardo Bolsonaro, de São Paulo, não foi melhor: conseguiu 115 prefeituras em todo o país e 5 somente no estado que ele representa. Enfim, o bolsonarismo foi muito derrotado. Dos 59 candidatos a prefeito ou vereador para quem o presidente escancaradamente pediu voto, 45 não se elegeram.
Direita moderada
Celso Russomano (Republicanos), que estava disparado na liderança em São Paulo, acabou em quarto lugar. Ivan Sartori (PSD), o desembargador bolsonarista de Santos, perdeu feio, o mesmo acontecendo com o Coronel Menezes (Patriota), em Manaus; no Recife, a Delegada Patrícia (Podemos) ficou longe dos primos do PSB e do PT, João Campos e Marília Arraes; e, em Belo Horizonte, Bruno Engler (PRTB), o rapaz que não aceitou a vitória do Biden nos EUA, não chegou nem a 10%.
A ex-mulher Rogéria Bolsonaro, no Rio, e Wal do Açaí, em Angra dos Reis, não se elegeram. E perdeu Paula Milani, que o presidente apoiou para vereadora em Curitiba, enquanto a capital paranaense elegeu a primeira negra, que ainda por cima é do PT, a professora, historiadora e ativista Ana Carolina Dartora. Resta a Bolsonaro se apegar à reeleição de Marcelo Crivella (Republicanos), que disputa o segundo turno no Rio contra o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM). O Republicanos de Carlos e Flávio Bolsonaro tem chance ainda em Vitória (ES), São Luís (MA), Sorocaba e Campinas (SP).
Está claro que o conservadorismo venceu a eleição, mas desta vez com partidos de centro-direita ou da direita mais tradicionais, menos radicais e mais moderados. Pela ordem, MDB, PP, PSD, PSDB, DEM e PL, somados, fizeram 3.413 prefeitos pelo Brasil, dois terços dos governantes municipais já definidos.
Mas a política progressista está viva. Os partidos de centro-esquerda ou de esquerda – PDT, PSB, PT, PCdoB, Rede e PSOL – somaram 783 prefeitos eleitos, ou 15% do total, se destacando em colégios eleitorais importantes, como São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belém, onde Guilherme Boulos (PSOL), Manuela D’Ávila (PCdoB), Marília Arraes (PT) e Edmilson Rodrigues (PSOL) disputam o segundo turno.
Recife, Guarulhos (SP), São Gonçalo (RJ), Contagem e Juiz de Fora (MG), Feira de Santana (BA), Caxias do Sul (RS) e Vitória (ES) são as grandes cidades onde o PT ainda pode vencer. Hoje, o partido de Lula não governa nenhuma das 100 maiores cidades do país. Sinal dos tempos.
Linda Brasil
Em Sergipe, o governador Belivaldo Chagas (PSD) saiu-se vencedor, levando com seu partido ou agremiações aliadas a maioria dos municípios e ainda pode contar com a reeleição do aliado Edvaldo Nogueira (PDT) em Aracaju. O partido do governador foi o que mais cresceu em número de prefeitos eleitos, saiu de 7 para 20, mas ele perdeu no berço natal, Simão Dias, onde seu candidato foi derrotado para Cristiano Viana (PSB), do mesmo partido de Antonio Carlos Valadares. Foi um dos quatro municípios onde o ex-senador venceu, ele que tinha 9 prefeitos eleitos.
O ex-governador Jackson Barreto foi derrotado em mais uma eleição. O seu MDB viu reduzir o número de prefeitos, de 16 para 9, e pessoalmente perdeu quando o seu pupilo Everton Souza (PDT) não se elegeu vereador por Aracaju. Quanto ao PT, naufragou eleitoralmente na capital, conseguindo um melancólico quarto lugar na eleição para prefeito com o ex-deputado federal Márcio Macedo, que realizou a proeza de ficar atrás do neófito bolsonarista Rodrigo Valadares (PTB).
Bolsonaro perdeu em Sergipe e, mais especificamente, em Aracaju, onde ainda pode comemorar uma vitória da delegada Danielle Garcia (Cidadania), que não se declara ao presidente, mas chegou a servir ao seu governo.
A Câmara de Vereadores mantém um perfil conservador, apesar da renovação expressiva de quase dois terços das cadeiras. Nada menos que 16 partidos elegeram vereadores, sendo que o PSD do governador e o PDT do prefeito Edvaldo elegeram três representantes cada.
No mais, a grande novidade deste pleito foi a eleição da vereadora trans Linda Brasil Azevedo Santos (PSOL), cabeleireira, ativista pelos direitos humanos, militante LGBTQIA+ e mestra em Educação pela UFS. Nesses tempos sombrios de radicalismos extremos e preconceitos mortais, a eleição dela reafirma que a democracia está viva e pulsa.
As surpresas ficaram por conta das seguintes votações vitoriosas para a Câmara de Aracaju: do sargento Byron Virgílio dos Santos Silva e do pastor da IURD Eduardo Lima (ambos Republicanos); do jovem arquiteto Breno Garibalde (DEM), 32 anos, filho do deputado Luiz Garibalde; do estudante de Direito Sávio de Gois Silva (PSC), 25 anos, neto do folclórico ex-vereador de Itabaiana Vardo da Lotérica; do advogado e pastor da Igreja Quadrangular Vitor Diego Lima Fortunato (PP), 28 anos; de Sheyla Galba (Cidadania), do movimento Mulheres de Peito; do professor José Joaquim Santos Nascimento, o Joaquim da Janelinha (Pros); de Ricardo Vasconcelos (Rede), advogado, 35 anos, servidor da Deso; da professora Angela Melo (PT), líder sindical e ex-presidente do Sintese; do petroleiro Jose Ailton Nascimento, o Paquito de Todos (Solidariedade); do servidor público José Cícero de Souza, o Cícero do Santa Maria (Podemos); e do professor Aldeilson Soares dos Santos, o Binho (PMN).